Por Victor Dornas
Num momento em que o
brasileiro, um povo cada vez mais miserável economicamente e culturalmente,
resolver tecer pitacos sobre a China, insta recordar como este país oriental,
que nos anos 90, ainda na reabertura pós-Mao Tse-Tung, era tão pobre e isolado,
superou a tragédia do ópio, aqueceu sua economia e ascendeu tanto, enquanto
nós, na republiqueta das bananeiras onde homens do poder trocam farpas,
descemos ao grupo “B” dos países mais ricos do mundo, num ritmo que, em breve,
pode render dez degraus entre nós e os chineses.
A primeira informação
que deve ser relembrada é que, diferentemente desses conservadores de hoje, que
capitalizam a ignorância popular, antigamente o americano era mais pragmático. Como
estratégia de guerra, ainda que fria, os americanos estabeleceram laços
diplomáticos lá no governo Nixon com uma China ainda coadjuvante, em cotejo com
aquilo que era virou hoje. E quem foi um dos primeiros americanos responsáveis
pelas negociações? Bush pai. Com isso, quase foi instaurado um conflito bélico
entre os chineses e os russos, tamanha a disrupção.
A intervenção americana
na geopolítica sempre teve uma bandeira diplomática do “bem”, já que a ideia em
tese é estabelecer um mundo de paz. O problema é que a paz na China se deu
justamente em meados dos anos 2000, quando foi adotado no sistema de
planejamento do governo chinês, feito por etapas, o chamado “socialismo de
mercado”, aquilo que seria o primeiro grande passo para uma China que se
tornaria um império capitalista. Sim, há quem ainda duvide que a segunda
economia do mundo, responsável pela manutenção de todos os mercados globais,
não é capitalista. Sim, vivemos tempos sombrios, de burrice crônica.
Enfim, diferentemente
de nós, que desperdiçamos a globalização e a decorrente explosão das
commodities num governo populista aliado a ditadores latinos, os chineses
fizeram o oposto, ou seja, catalisaram um processo de substituição de políticas
ditatoriais vindas lá de Mao Tse para abrir o seu mercado com vistas na
exportação de produtos chineses. É bastante comum que um brasileiro esculpido
nessa selva que virou a educação brasileira assevere que a China prosperou em
razão da escravatura, como se fosse um padrão, isto é, países não democráticos
enriquecerem massacrando seus proletários.
Na verdade o ocorrido foi o oposto
disso...
Embora existam inúmeras
diferenças entre ditaduras com raízes históricas mais arraigadas e aquelas que
se insurgem no colapso da democracia, a China que melhor se adequava aos moldes
que usamos para classificar uma ditadura ficou lá nos anos 50 a 70. De lá pra
cá, o país experimentou uma realidade que jamais seria permitida por ditadores,
como por exemplo, um investimento pesado em tecnologia da informação através de
empresas multinacionais. Não me canso de lembrar que a China detém o monopólio
de extração de terras raras, ademais.
Então a bandeira de paz americana encontrou um entrave, pois diferentemente de uma Coreia mais livre, que consegue, ao menos na parte menos autoritária, um PIB de 2.7 trilhões, uma China que abre seu mercado num futuro próximo suplantará os 20 trilhões americanos. Aí, a coisa toda fica mais séria, pois conforme aventei em minha coluna anterior, nenhum monopolista gosta de concorrência e um país daquele tamanho com esse PIB é o único capaz de travar setores americanos importantes por meio do que interessa a todos: Concorrência!
Os fanáticos brasileiros, que se debatem em bandeiras do caudilhismo num ciclo interminável, acham que a China deve ser implodida, por ser uma ditadura. Não sabem nada do processo de abertura desse país e tampouco conhecem os próprios americanos, que são colaboradores históricos nisso tudo. Não sabem que a China sustenta a economia brasileira baseada em exportações agrícolas, sendo que muitos desses produtos, numa possível retaliação, poderiam ser comprados, por eles, dos nossos concorrentes, dentre os quais estão os Estados Unidos.
A parte mais irônica
disso tudo é a tragédia republicana americana. Um dos maiores erros em
geopolítica da história dos EUA foi o episódio da guerra do golfo, pavimentado
em mentiras que resultaram numa crise econômica ferrenha dos próprios
americanos. Quando alguém comete uma loucura, porém ainda há esperança de
razão, espera-se que a pessoa reconheça o seu erro e retorne ao razoável,
contudo a conduta mais comum nesses casos é de manutenção da insanidade, ou
seja, o indivíduo dobra a sua aposta. Como se não bastasse tudo aquilo, os
republicanos agora se permitiram um governo que resolveu fechar a economia para
anular as “interferências maléficas” dos estrangeiros.
Resultado: A China cresceu
ainda muito mais.
Não foi um erro tão
crasso quanto a guerra do golfo, porém, entra para os anais de lambanças de
republicanos populistas que trabalharam para os adversários sem saberem. Joe
Biden, que apoiou a guerra no Iraque e está bem distante daquilo que entendemos
como esquerda aqui na guerra democrática diária, não terá muito o quê fazer
sobre isso, uma vez que fará uma gestão de recuperação, daquilo que o vírus
fatídico deixou. E Trump, que se presta ao cômico de proibir investimentos em
empresas chinesas, age só para adular seus bovinos adestrados.
A China deixa o caminho
das pedras para nações com natureza geográfica continental que desejarem um dia
chegar a um PIB tão imponente: Políticas de mercado geopoliticamente modernas,
ou seja, somente mantidas por um governo focado e firme nessas negociações. O
Brasil, se começasse isso tudo hoje, como um passe de mágica, talvez levasse
meio século para chegar onde os chineses agora estão, uma vez que a maré de
oportunidades já passou.
Por isso que o
populismo tanto nos cai bem. Quando a tragédia é consumada, só resta mesmo é
chorar. Chorar bastante para tentar fingir que a realidade do nosso PIBinho não
existe.
texto foda
ResponderExcluir