Tempo de despertar
*Por Ana Dubeux
O assassinato de João
Alberto Silveira Freitas, espancado e asfixiado por dois seguranças brancos em
uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, no Dia da Consciência Negra, não é
surpreendente, não é fora do comum, não é o primeiro caso chocante de massacre
de um negro e provavelmente não será o último — ainda que seja doloroso demais
dizer isso. O Brasil, um país que se tornou especializado em produzir tragédias
causadas por desigualdades de todo tipo, extermina a população preta. E não é
de hoje.
Tão grave quanto o histórico genocida é
o negacionismo. Negar o racismo estrutural é matar não apenas corpos, mas a
esperança de igualdade, de liberdade, de dias melhores para todos os
brasileiros. É uma segunda morte e um segundo ataque às famílias que ficam
órfãs de crianças, adolescentes, jovens, pais de família.
Além de um cinismo absurdo, existe uma lógica perversa por trás da
parcela da população que insiste em declarar que o racismo não existe, que
episódios como o homicídio de João Alberto são pontuais e “lamentáveis”. O
discurso é covarde e desrespeitoso. A fala reflete ignorância e gera omissão.
Mas não é apenas isso.
Dizer que não existe racismo é dizer com todas as letras que é para
deixar tudo como está, assim mesmo. Um Brasil onde uma elite machista, racista
e branca tenha todos os privilégios. Um Brasil ainda escravagista, partidário
de um fingimento coletivo que nos define como “democracia racial”. Não. Nós
somos o que somos: profundamente preconceituosos. Tanto que muitos, talvez, de
fato, não percebam. A maioria, no entanto, prefere fingir.
Ainda discutimos políticas de cotas como se não fossem necessárias para
promover justiça e inclusão. Ainda ignoramos que mulheres negras são a parcela
mais vulnerável da sociedade. Que jovens pretos são os mais assassinados e os
mais encarcerados. Que as estatísticas nunca deixaram de exibir todas as
desigualdades no mercado de trabalho, nas escolas, no nível de renda.
Quem nega, repito, mata de novo. Mata a memória de quem foi barbaramente
assassinado. Mata a confiança de que a justiça será feita. Mata a reflexão que
poderia levar à mudança após um caso tão emblemático como este. Mata a
esperança de igualdade. E mata a si próprio, negando-se o direito de ser um ser
humano melhor, que está aqui para evoluir.
Vejo, contudo, avanço. Vejo manifestações necessárias. Vejo cada vez
mais espaço preenchido com o grito das pessoas pretas. Este é o eco que pode
reverberar mudança. Ela está acontecendo aos pouquinhos, a despeito do querer
branco e privilegiado. Convido você a ampliar esse espaço. Dê a voz, dê a vez.
Reconheça, ouça, leia, estude e seja novamente alfabetizado, desta vez pelas
vozes pretas.
(*) Ana Dubeux – Editora-Chefe do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google
E esse caso aqui? Detalhe: a vítima era branca... não vai combinar com seu discurso... gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/amp/…
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