*Por Circe Cunha e
Manfil
Brasília, por sua arquitetura e
traçado urbanístico, é considerada por muitos artistas, dentro e fora do país,
uma obra de arte sem paralelo. Não surpreende que esse fato tenha chamado a
atenção dos técnicos da Unesco, tornando-se, em dezembro de 1987, a primeira
cidade moderna inscrita como patrimônio cultural da humanidade, honraria que
colocou a capital do Brasil entre importantes sítios históricos, como a
Acrópole de Atenas, Roma e outras cidades antigas e famosas dispersas pelo
mundo.
Esse destaque internacional, contudo, não parece ter seu significado bem
entendido pelos diversos governos locais que se seguiram nem, tampouco, por
parcela significativa dos brasilienses. Esse desdém, a revelar pouca ilustração
e cultura tanto das elites dirigentes, quanto da população, reflete,
diretamente, nos seguidos ataques que todo esse imenso conjunto artístico vem
sofrendo ao longo dos anos.
Aos poucos, vai se perdendo, para sempre, a beleza e a simplicidade dos
desenhos originais da cidade, por conta do que acreditam esses “novos gênios”
ser um processo natural de adequação às novas necessidades. De puxadinho em
puxadinho, de reforma em reforma, erguem-se aleijões urbanos a atender apenas a
ganância especulativa que une empresários e políticos numa parceria marota em
prol do mau gosto e às custas do cidadão pagador de impostos.
Com isso, vão erguendo-se monumentos mastodônticos à inutilidade, como é o caso
do Estádio Mané Garrincha, que mais se assemelha a um enorme presídio, por sua
colunata monótona e pesada, cravada bem no coração da cidade.
Exemplos desse descaso multiplicam-se em cada canto de Brasília e seria de
pouca valia nomeá-los, mas estão aí a olhos vistos, com uma riqueza que é nossa
e que muito poderia contribuir para atrair turistas, convenções internacionais
de arte e arquitetura, entre uma infinidade de outras atrações, próprias de uma
cidade planejada e dinâmica. Por causa do desleixo e da desinformação, Brasília
sofre uma espécie de apagão cultural, que se estende pari passu para além das
questões urbanas.
O descuido com o patrimônio artístico, espalhado por alguns pontos de Brasília,
também é realidade a envergonhar todos nós. Durante a construção da capital,
numa época de grande otimismo e esperança no futuro, não havia dissociação
entre arte e arquitetura. Daí, porque todas as construções eram seguidas de
obras de arte a ornamentar os edifícios e praças, formando um só conjunto, em
que a harmonia e a beleza eram os objetivos principais.
Artistas de todas as vertentes trabalhavam lado a lado com os arquitetos,
completando as construções com jardins, esculturas, pinturas e outras obras que
enriqueciam e emprestavam vida inteligente às construções. Infelizmente, esse
foi um tempo deixado na poeira do esquecimento e que parece perdido para
sempre.
Os novos administradores e parte significativa da população não entendem do que
se trata e muito menos dão atenção ao fato. Ataques a obras de escultures
renomados, pichações em monumentos tombados e depredações se transformaram numa
situação de nosso cotidiano. As autoridades, a quem compete cuidar desse
patrimônio, pouco fazem.
Não existe um catálogo confiável e atualizado sobre as obras espalhadas pela
capital. Quando existem, os nomes delas e de seus respectivos autores são
grafados de modo errado e sem maiores dados. Outras obras famosas são
simplesmente pintadas e emendadas sem o consentimento dos artistas.
A Torre de Televisão é um exemplo. A obra, popularmente chamada de Berimbau,
(1970), não pertence, como afirma o GDF, a Alexandre Wakenwith nem tão pouco se
chama A Era Espacial. De acordo com pesquisa feita por João Vicente Costa, a
obra se chama, na verdade, Força Negra ou Odisseia dos Espasmos e pertence ao
artista Alexandre Wakhevitch e foi instalada naquele sítio com a autorização do
próprio Lucio Costa e já se integra à paisagem local.
Igualmente, persiste ainda o mistério em torno do roubo da escultura,
popularmente chamada de O cubo, do artista nipo-brasileiro Toyota e que,
durante muitos anos, ornava o Balão de acesso ao aeroporto. Há poucos dias,
aconteceu o que seria uma reforma à obra em homenagem a Renato Russo, instalada
no Parque da Cidade, de autoria da escultora Mara Nunes, e que, segundo a
autora, foi feita sem conhecimento, o que acabou por descaracterizar o trabalho
original confeccionado em aço corten.
A frase que foi
pronunciada: “Os acasos acontecem em estranhas
coincidências. Eles nos acenam. E nós já sabemos do que se trata: uma nova
compreensão de coisas que, no fundo, sempre existiram em nós.” (Fayga Ostrower, gravadora, pintora, desenhista, ilustradora,
teórica da arte e professora).