Nomeada para continuar
à frente do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pelos
próximos dois anos, a procuradora-geral de Justiça do DF, Fabiana Costa, em
entrevista exclusiva à Grande Angular, fez um balanço do 1º biênio no comando
do órgão – entre os temas, a antecipação de tecnologias em função da pandemia
da Covid-19 e a relação institucional com o Governo do DF (GDF) após operação
que desintegrou a cúpula da Secretaria de Saúde – e falou dos planos para o
novo mandato.
Em um ano marcado
pelas dificuldades provocadas pela crise sanitária, o MPDFT precisou se
reinventar, para manter as atividades, e apresentou indicadores de aumento da
produtividade, segundo a procuradora-geral de Justiça do DF. “Passamos por uma
verdadeira revolução na pandemia”, frisou.
Fabiana será
reconduzida à chefia do MPDFT em cerimônia transmitida pela internet, às 14h30
desta sexta-feira (11/12). Os 2.471 funcionários do MPDFT tiveram de se adaptar
às novas tecnologias. Desses, 380 são promotores e procuradores de Justiça, e
286 empregados sem vínculo, cedidos ou em lotação provisória. De acordo com levantamento
do órgão, 98% dos servidores estão em regime de trabalho remoto parcial ou
integral, sem contar os procuradores e promotores.
A titular do MPDFT
afirmou que um dos focos do 2º biênio será o fortalecimento da área
investigativa. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) ganhou destaque, neste ano, nas operações de combate à corrupção, como
a Operação Falso Negativo, que prendeu oito ex-integrantes da cúpula da
Secretaria de Saúde, incluindo o então chefe da pasta, Francisco Araújo. No
total, 15 pessoas foram denunciadas por irregularidades na aquisição de testes
para detecção da Covid-19.
Um projeto apresentado
pelo Gaeco e pelo Centro de Inteligência (CI) obteve recursos de R$ 28 milhões,
no Fundo de Direitos Difusos. O dinheiro foi investido no aprimoramento do
trabalho de inteligência e no combate ao crime organizado. Questionada sobre
como quer que sua gestão seja lembrada, a procuradora-geral de Justiça do DF
respondeu: “Por modernização e maior incremento na nossa capacidade de
investigação”.
Confira, na íntegra, a
entrevista com a procuradora-geral de Justiça do DF, Fabiana Costa:
O Ministério Público
vai se posicionar sobre a vacina contra a Covid-19? Vai estar do lado de quem
nesta disputa política? Tivemos experiência neste ano, com a chegada da
pandemia, de uma cultura de diálogo. A força-tarefa do MPDFT que foi
constituída e reúne quase 40 procuradores e promotores de Justiça das mais
diversas áreas, como saúde, educação, direitos humanos, sistema prisional e
controle externo da atividade policial, coordenada pelo procurador distrital
dos Direitos do Cidadão José Eduardo Sabo Paes, atuou não só no papel de
fiscalizar as políticas públicas, mas também de manter diálogo constante nas
mais diversas pastas envolvidas na temática da Covid-19, buscando sempre o
melhor para a sociedade. E, claro, permanecemos atentos a todos os desvios que
eventualmente possam acontecer. Nós esperamos que, na virada de ano e com a
chegada da vacina, tudo transcorra da melhor forma possível. O Ministério
Público vai ficar atento, fiscalizando e dialogando, como tem feito.
Como a senhora define
o primeiro biênio à frente do MPDFT? Foi uma gestão que deu grande importância
para a área de investigação. Nós investimos em novas tecnologias, em
descentralização do acesso à informação, na busca pelo acesso a bancos de
dados, para que pudéssemos ter mais transparência no acompanhamento das
políticas públicas e fiscalização mais efetiva. Sem dúvida nenhuma, o gabinete
de crise e a força-tarefa [específica para as ações relacionadas à Covid-10]
foram instrumentos fundamentais para manutenção e aumento da nossa produtividade
ao longo deste ano. Apesar de todas as circunstâncias e da grande revolução que
tivemos de enfrentar, nós fomos mais produtivos em 2020.
Como se mede essa produtividade? Tivemos um aumento nos indicadores dos mais variados que se possa imaginar: tramitação de processos, novas denúncias, novas ações e número de casos que chegam à Ouvidoria. Passamos por uma verdadeira revolução na pandemia. As manifestações em processos eletrônicos subiram de 400 mil, em 2019, para 843 mil neste ano, até essa quinta-feira (10/12). As novas ações judiciais cresceram 118,97%, passando de 13,7 mil, no ano passado, para 30 mil em 2020. A Ouvidoria do MPDFT recebeu 5.102 manifestações entre 6 de março e 30 de setembro de 2020, das quais 1.311 são relacionadas à Covid-19. No mesmo período do ano passado, foram registradas 3.599 demandas. Ou seja, houve aumento de 41,76% na procura pelo órgão por meio desse canal.
Como funciona a descentralização de dados? Como isso reflete no trabalho final de um promotor? É basicamente desburocratização. Com investimento em novas tecnologias, alguns procedimentos nos quais era necessário mandar despacho, encaminhar para central e a central responder, agora, com o sistema, o promotor que está em Ceilândia, Sobradinho, Paranoá, Brazlândia, por exemplo, pode entrar diretamente no computador e acessar determinada informação que demoraria um mês ou dois meses para obter.
É um software? Mais
que um software, é uma filosofia. É entender que isso é importante e que nós
precisamos investir. Isso foi um começo. É um projeto que deve se intensificar
neste próximo mandato e ser fortalecido o máximo possível.
Já está em andamento? Temos várias iniciativas que foram implementadas, como o Sistema de Pesquisa Integrada (PIN), que agrega diversos dados de diferentes fontes. Um promotor que antes tinha de fazer pedido a uma terceira área para conseguir, por exemplo, localizar testemunha, agora entra nesse aplicativo e, em dois minutos, consegue acesso ao endereço.
O aplicativo foi
desenvolvido pelo Ministério Público ou por meio de contratação de uma empresa?
Foi desenvolvido pela nossa TI. O PIN é um exemplo. Existe o Prodados também,
com alguns projetos desenvolvidos em diversas áreas, como combate ao racismo e
a entorpecentes, por meio do qual temos acesso a diversas bases de dados e, com
isso, conseguimos ter um perfil daquele tipo de criminalidade.
No início da sua 1ª
gestão, a senhora comentou sobre criação de novos núcleos do MP. Isso chegou a
ser implementado? Tivemos a criação do Núcleo de Proteção à Vida, que visa um
olhar mais atento especialmente na questão dos homicídios. O núcleo assessora
diversas promotorias com atuação no júri e também acompanha as políticas de
segurança pública voltadas a essa área. Outro núcleo que foi criado é o de
Combate aos Crimes Cibernéticos, que assessora os promotores de Justiça que
atuam em delitos que têm a tecnologia envolvida, como a pornografia infantil,
na qual há uso constante da internet, do WhatsApp e de novas tecnologias que
são constantemente modificadas e atualizadas.
Fabiana Costa assumiu o cargo de procuradora-geral de Justiça do DF em 2018
Quarta-feira (9/12) foi o Dia Internacional contra a Corrupção, uma das grandes missões do Ministério Público. Houve incremento nesse tipo de vigilância? Tivemos ao longo desses dois anos diversas operações realizadas, a maioria delas com iniciativa própria do Ministério Público. Foram aproximadamente 39 operações em 2020. O Gaeco deflagrou 17, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) foi responsável por quatro e o restante ficou a cargo de outros núcleos e promotorias. Mais especificamente, com o Gaeco, criamos uma divisão de investigação que visa justamente fortalecer esse tema, congregado com tecnologia e aquisição de novos equipamentos. Com recursos do Fundo de Defesa de Direito Difusos, iniciamos um projeto de aprimoramento da área investigativa, não só da inteligência, mas também do combate ao crime organizado. O objetivo é a melhoria tecnológica, do ponto de vista de novas ferramentas, a ciência de dados mais apurada e a estruturação do Gaeco, para que nós tenhamos condições de fazer investigações em parceria com diversos órgãos que atuam nessa área e também para termos a nossa expressividade, a fim de que o combate à corrupção continue sendo uma grande bandeira da atuação do Ministério Público.
A Prodep divulgou balanço de 2018 a 2020, nesta semana, segundo o qual já foram devolvidos aos cofres públicos R$ 2,5 milhões usados de forma indevida, mas a soma total das execuções de condenações em andamento é de R$ 1,8 bilhão. Por que existe demora para efetivar a recuperação do dinheiro desviado? Nós temos que cumprir o devido processo legal: esse é o pilar principal de condução da atuação do Ministério Público. É preciso enxergar essa dificuldade dentro dos mecanismos jurídicos, constitucionais, e, ao mesmo tempo, vencendo barreiras. Se observarmos a retrospectiva e retornarmos a anos anteriores, verificamos que as conquistas do MP no que diz respeito à recuperação de valores é crescente. Temos diversas áreas dentro do Ministério Público, como Prodep, Prosus e Gaeco, que passaram a ter olhar muito atento para buscar a recuperação desses bens. E vamos avançando também em termos tecnológicos para identificar onde esse dinheiro foi parar e como recuperá-lo de forma mais eficiente. Vamos amadurecendo, institucionalmente, quais os caminhos que nós temos de percorrer para ter mais sucesso no ressarcimento do patrimônio público. É um dado que precisamos comemorar. Pouca gente sabe que isso é resultado de uma evolução do sistema de justiça.
A Operação Caixa de Pandora completou 11 anos em 2020. É frustrante para um integrante do Ministério Público conduzir um processo no qual, aparentemente, há flagrante corrupção, e mais de uma década depois não enxergar punição efetiva dos supostos envolvidos? Nós comemoramos cada vitória. Uma sentença de 1ª instância, confirmação em 2ª instância e recursos deferidos são o que nos leva para frente.
A Operação Falso
Negativo, que levou presos o secretário e integrantes da cúpula da Secretaria
de Saúde do DF, abalou institucionalmente a relação com o GDF? O diálogo
institucional permanece. Nós temos, por exemplo, um projeto com o governo de
transferência e de acesso a dados na área de saúde, especificamente para que o
Ministério Público tenha o máximo de transparência nessas informações. O
projeto continua e segue caminhando. Inclusive, espelhamo-nos muito em uma
experiência de Santa Catarina que trabalha essa questão da ciência de dados na
linha do que temos desenvolvido. Os colegas da área de saúde estiveram em Santa
Catarina para que o projeto continuasse em desenvolvimento. As mais diversas
áreas do Ministério Público, não só da saúde, também mantêm diálogo
institucional. E espero que assim continue.
Como o Ministério
Público pode trabalhar no sentido de diminuir a mazela social das pessoas em
situação de rua? O Ministério Público tem o compromisso não só de fiscalizar,
mas também de estimular a construção de políticas públicas voltadas à população
de rua. Devido à pandemia, a atuação do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação
(NED) nos últimos meses está pautada em assegurar medidas para evitar a
contaminação pela Covid-19 e propiciar o acesso da população de rua aos centros
de acolhimento, alimentação, saúde e condições básicas de higiene. Nesse
sentido, o núcleo emitiu diversos ofícios, recomendações, relatórios técnicos
elaborados pela equipe de assistência social, além de realizar perícias e
participar de reuniões com órgãos do Governo do Distrito Federal e com a
sociedade civil. O objetivo é garantir a implementação da Política Distrital
para População em Situação de Rua.
O 2º período à frente
do Ministério Público vai ficar marcado pelo quê? Por modernização e maior
incremento na nossa capacidade de investigação.