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Regulamentado: HOMESCHOOLING » Educação em casa fica a cargo da família

Educação em casa fica a cargo da famíliaModelo de ensino domiciliar está regulamentado no DF - primeira unidade da Federação a contar com lei que libera o formato. Norma sobre novo sistema entra em vigor a partir de 31 de janeiro, mas mudança gera controvérsias.

 

O DF passou a ser a primeira unidade da Federação a regulamentar o ensino domiciliar. O governador Ibaneis Rocha (MDB), assinou, na quinta-feira, lei que trata do assunto e que entra em vigor a partir de 31 de janeiro. Na prática, o texto permite aos responsáveis por estudantes com menos de 18 anos educar crianças e adolescentes em casa, sem necessidade de matriculá-los em escolas. O modelo, conhecido como homeschooling, é aplicado em cerca de 60 países, mas ainda não consta em leis com validade em todo o território nacional.

 

Com a nova norma, os interessados deverão se cadastrar junto à Secretaria de Educação (SEEDF) e passar por uma etapa na qual deverão demonstrar ter aptidão técnica para desenvolver as atividades pedagógicas ou informar que contratarão profissionais capacitados para o ensino dos estudantes fora da escola.

 

O projeto que virou lei é de autoria do Executivo local, bem como dos deputados distritais João Cardoso (Avante), Júlia Lucy (Novo), Delmasso (Republicanos) e Eduardo Pedrosa (PTC). A sanção do governador Ibaneis dá respaldo jurídico aos pais que aplicam o modelo, pois a falta de legislação específica para o homeschooling abria espaço para interpretações relacionadas, por exemplo, a abandono intelectual por parte de pais que não matriculavam filhos nas escolas. Os responsáveis pelos estudantes poderiam, inclusive, sofrer penalidades legais.

 

A Associação de Pais e Alunos do Distrito Federal (Aspa-DF) apoiou a legislação, por entender que “é preciso assegurar em lei o direito das famílias que escolhem essa forma de educar os filhos”. “A prática da educação domiciliar é um fato no DF. Sem uma garantia legal, as famílias adeptas permaneceriam sujeitas às injustas perseguições e a discriminação”, afirmou a entidade, em nota.

 

Essa também é a visão de Carlos Vinícius Reis, 42 anos, que aplica o formato na educação dos três filhos, de 12, 10 e 7 anos. Para o morador de Brasília, esse trabalho feito pelos pais corresponde a um direito natural. “Isso acompanha as famílias desde antes da concepção do Estado, quando não havia escolas. Nossa luta até chegar a esse reconhecimento foi grande, porque muitas pessoas eram perseguidas por não manter os filhos nas instituições tradicionais”, avalia.

 

Senso comum: Carlos Vinícius chegou a matricular os dois filhos mais velhos na escola durante um período, mas retirou-os em 2018. “Optamos por continuar o processo educacional no ambiente familiar por vários motivos, principalmente porque o homeschooling permite maior liberdade educacional, em diferentes formas de abordagem. Não é um método específico, único e fechado. Na escola, há um formato padronizado, para todos os que estão ali e com poucas flexibilidades. Na educação domiciliar, encontram-se mais oportunidades de desenvolvimento de aprendizagem”, opina.

 

Uma das principais críticas de opositores à regulamentação do modelo diz respeito à possível falta de socialização das crianças e adolescentes fora dos colégios. Porém, Carlos Vinícius vê esse ponto como “senso comum”. “A questão de que os filhos não têm socialização é um mito. A prática das famílias e as pesquisas mostram isso. No ambiente escolar, é mais restritivo — só com gente da mesma faixa etária e da mesma classe social —, na educação domiciliar, vive-se um convívio imenso com crianças de diferentes faixas etárias, classes sociais. Elas são ativas no processo de ensino e criam muitas conexões”, pontua o pai.

 

Rick Dias, presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), considera que a norma distrital pode abrir caminho para uma legislação nacional. “É uma lei da capital do país, perto do Congresso Nacional, com uma proximidade que não é só geográfica, mas, também, política. Isso gera repercussão positiva, um olhar atento de outros estados em que, hoje, tramitam projetos de lei, como Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Há projeto no Congresso (Nacional) desde 1994 para regulamentar a educação domiciliar”, ressalta. O presidente da associação defende, ainda, que o DF tenha competência legislativa nos casos em que a União não atuar.

 

Elitização: Essa não é a visão do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), que entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) contra a lei distrital. Rosilene Corrêa, diretora da entidade, lembra que ocorreram iniciativas para aprovar projetos semelhantes, mas sem êxito jurídico. “Houve tentativas de estados e municípios na mesma situação, mas o Supremo (Tribunal Federal) decidiu que só o Congresso (Nacional) tem competência para uma lei assim. Não cabe ao Executivo (local) essa legislação”, avalia. Do ponto de vista educacional e do desenvolvimento do cidadão, a pedagoga crê que o homeschooling “prende” os adeptos do modelo a limitações sociais.

 

Outra reflexão de Rosilene diz respeito ao período do ensino superior desses alunos. Ela questiona se os pais que praticam a educação domiciliar podem, também, oferecer um ensino de universidade ou se vão permitir a matrícula nessas instituições. “A gente vê que muitos defensores são de classe média ou alta. Há uma elitização da educação, uma tentativa de tirar filhos do convívio social e levar para um ‘mundo perfeito’, sem preparar para a vida lá fora”, critica. “Os pais argumentam que o filho tem vida social, porque frequenta clubes, vai à igreja. Mas, quando se frequentam igrejas e ambientes comuns àquelas comunidades, tem-se, ali, o mesmo público. É na escola que a gente se mistura, que tem um espaço de socialização para lidar com adversidades, diferenças e riquezas. Não há outro espaço com capacidade de formar um cidadão na plenitude como a escola”, completa.

 

Vânia Rego, mestra em gestão e políticas públicas educacionais e ex-subsecretária de Educação, menciona pontos contrários à lei sancionada. “As famílias que tendem a buscar a educação domiciliar, de certa forma, isolam-se da sociedade com as diversidades. Então, (tirar o estudante do colégio) é uma forma de não preparar para uma sociedade que não é homogênea”, diz. Para a especialista, a escola traz aprendizados não encontrados fora desse ambiente. “Hoje, estudos demonstram que também aprendemos por interacionismo entre iguais, ou seja, que há a atuação do professor, mas a troca de informações e formações entre os alunos faz com que se avance (no conhecimento).”

 

O Correio procurou a Secretaria de Educação, para saber como ocorrerá o cadastro das famílias e a fiscalização do cumprimento da lei. A pasta informou que o procedimento de inscrição ainda não foi definido, “porque não havia legislação nesse sentido”. “A SEEDF está dando o devido encaminhamento dentro do prazo estabelecido em lei”, complementou a pasta, em nota.



Alan Rios – Correio Braziliense





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