DF
reduz mortes em 50%. Em 2020, ocorreram 177 óbitos de pessoas nas vias da capital
federal. Meta da ONU previa redução de casos pela metade em uma década, a
partir de 2011, quando houve 465 vítimas. Restrições de circulação e políticas
educativas contribuíram para salvar vidas
Uma morte no trânsito a cada 50
horas. Esse foi o intervalo de tempo em que familiares e amigos de 177 pessoas
entraram em luto pela partida precoce e inesperada de entes queridos na guerra
do asfalto, onde, via de regra, os mais frágeis são vítimas recorrentes. De
todos os mortos em acidentes no Distrito Federal em 2020, 63,2% eram pedestres,
ciclistas ou motociclistas.
Apesar de a perda da vida ser
inadmissível no contexto viário, os números revelam que o DF cumpriu a meta da
década, de reduzir pela metade as fatalidades nas ruas da capital, de 2011 a
2020. As restrições de circulação para evitar a disseminação do novo
coronavírus tiveram impacto. Mas, políticas adotadas em âmbito nacional e local
contribuíram para salvar vidas.
Para se ter uma ideia do cenário
de guerra vivido pelos brasilienses, em 2011, quando a Organização das Nações
Unidas (ONU) lançou a Década de Ações de Segurança no Trânsito, 465 pessoas
morreram em colisões ou atropelamentos. E houve anos ainda piores — 2003, por
exemplo, entrou para história com o maior número de tragédias dos últimos 20
anos: 512 óbitos.
Para os que ficam, o sentimento é
de impotência e lamento. A bancária Sarah Faragomi, 19 anos, perdeu o namorado
de 21 anos em um acidente de trânsito. Paulo Victor foi atropelado por um
ônibus no dia do aniversário — em 10 de junho de 2019. Ele atravessava uma
faixa de pedestres apagada na Estrada Parque Taguatinga (EPTG), em horário de
pico. Com o trânsito parado, o universitário conseguiu atravessar a pista com
facilidade, mas ao chegar na faixa reversa, foi atingido pelo coletivo.
“Desde quando ele saiu da minha
casa, sumiu. Não tive notícias dele. Duas horas depois, soube do acontecido”,
lamenta Sarah. Após ser atingido, esperou 20 minutos por socorro médico. Dois
dias depois, morreu. “Paulo Victor era muito especial, tanto para mim quanto
para nossas famílias. Foi um baque muito grande quando ficamos sabendo. Está
sendo difícil seguir em frente”, relata a jovem.
A política nacional para que o
Brasil tenha o mínimo de civilidade ao volante não saiu plenamente do papel e,
tampouco, chegou a todos os estados e municípios, como deveria. De tudo o que
se propôs, o chamado esforço legal — com a criação de novas leis e
endurecimento de normas já existentes —, certamente, foi o que mais teve
resultado.
A Lei Seca, promulgada em 2008, é,
até hoje, um instrumento para conter tragédias ao volante. De lá para cá, uma
série de mudanças fechou o cerco ao infrator contumaz: a lei da cadeirinha,
aumento do valor das multas, reclassificação das infrações — dirigir ao
celular, por exemplo, passou a ser conduta gravíssima, assim como transitar
pelo acostamento — e dolo eventual para crimes de trânsito contra a vida. O
essencial, a formação e educação do cidadão para o trânsito, seja ele condutor
ou pedestre, ainda é utopia dos que sonham com um ir e vir mais seguro para
todos.
Antes mesmo do lançamento do
programa da ONU, em 2007, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a
Resolução n° 265, um pequeno passo em direção à civilidade. Ela estabelece que
as escolas podem abordar a legislação e a segurança viária com os alunos do
ensino médio, de forma extracurricular. Assim, o jovem sairia do ensino médio
com conhecimento teórico para tirar a habilitação, por exemplo. Mas a ideia não
prosperou.
Condições: A pandemia foi fator preponderante para a queda no
número de mortes, na avaliação do professor da Universidade de Brasília (UnB)
Paulo César Marques, doutor em transporte pela University College London. “É,
certamente, a principal razão. Mas é preciso, agora, trabalhar para que as
condições imediatas que geraram a redução (por exemplo, menos veículos em
circulação) sejam mantidas. É preciso investigar que outros fatores
contribuíram”, argumenta.
Paulo César acrescenta que é
preciso estudar mais a fundo as mudanças na pandemia para buscar outras
soluções. “É isso que precisa ser investigado. Além dos volumes, houve mudanças
também de comportamento? As reduções de viagem afetaram diferentes perfis de
usuários? São diferenças relacionadas a comportamentos, motivos de viagem ou o
quê?”, pondera.
O diretor-geral do Detran, Zélio
Maia da Rocha, reconhece que a pandemia teve impacto na redução de mortes, mas
refuta a ideia de que esse tenha sido o principal fator e afirma que não foi
possível, ainda, ter noção completa do cenário envolvendo a pandemia (leia Três
perguntas para). “Se tivemos dois meses com redução de circulação, por outro
lado, nós tivemos um período, após julho, em que as pessoas passaram a circular
mais, passaram a viajar mais de carro e evitaram aviões. Depois, a circulação
foi superior. Então, fica difícil fazer essa relação direta”, defende. Ele
destaca que as autuações subiram de 13 mil para 16 mil, de 2019 para 2020.
“Isso mostra que a circulação de veículos, em geral, acabou sendo maior.”
Na avaliação do diretor-geral,
campanhas educativas associadas ao reforço na fiscalização foram os principais
motivos para a queda nos números. A estratégia, agora, será reforçar esse tipo
de ação. “Um dado que me preocupa muito, hoje, por exemplo, é o uso do celular
ao volante. Aplicamos 38 mil autuações por usar celular, em 2020. É um ato tão
ou mais prejudicial do que alcoolemia, que as pessoas já têm convicção de que é
errado. No caso do celular, ainda não. Há quem não dirija depois de beber, mas
que usa o celular. Vamos intensificar campanhas e fiscalização”, adiantou.
Três perguntas Zélio Maia da Rocha
diretor-geral do Detran-DF
O que representa atingir essa
meta? Em 2010, houve 461 mortes em
acidentes de trânsito no Distrito Federal. Nós viemos para 177, 10 anos depois.
Isso é um número muito bom. Se nós formos computar que a população, há 10 anos,
era de 2,2 milhões e, hoje, é de 3 milhões, proporcionalmente, a redução acaba
sendo maior ainda. Tivemos, também, queda 35% de 2019 para 2020. Houve o
elemento pandemia, que nós sabemos, mas não foi tão impactante. Isso é um
número a ser comemorado, embora a gente só possa comemorar mesmo quando chegar
a zero. Essa redução foi de 56% na última década. A ONU (Organização das Nações
Unidas) disse, naquela época, que era questão de saúde pública. E, de fato,
traz efeitos não só para as famílias, mas também sociais e econômicos (com
quedas nos gastos públicos). Sob qualquer ângulo, essa redução beneficia a
cidade.
Quais foram as ações que mais
contribuíram? Uma delas
foi as campanhas educativas que fizemos presencialmente, a partir de julho.
Começamos a fazer muitas ações para preservar vidas. Nós intensificamos, mesmo
em período de pandemia. Fizemos um total de 527 blitzes no ano. Recolhemos
quase 10 mil veículos em situação irregular. Autuações cresceram 18%, saímos de
13 mil para 16 mil. Isso mostra que a circulação de veículos, em geral, acabou
sendo maior. Nós tivemos, também, o aumento de fiscalização por alcoolemia.
Também tomamos muitas providências nas áreas de engenharia de trânsito. Fizemos
a revitalização de mais de 2,5 mil faixas.
Quais ações podem ser adotadas
para reduzir mais esse número? Vamos continuar com a meta, com muita política de educação e
fiscalização para continuar caindo o número de mortes. Nós costumamos dizer,
como gestores que lidam com pessoas e vidas, que um número bom é um desafio
maior. Você sobe o sarrafo. Nós não podemos ver isso como um elemento negativo,
mas nós vamos nos desdobrar para que esses números caiam mais.
Adriana Bernardes – Alexandre de
Paula – ( Colaborou Ana Maria da Silva) - Fotos: Ed
Alves/CB/D.A.Press – Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press- Correio Braziliense.