Andar com fé
Quando o
coração aperta, o pé convida a caminhar. Quem me acompanha Instagram afora sabe
o quanto andar pelas quadras e recantos de Brasília me inspira. Observar a
cidade é um convite para renovar a fé. Sobretudo, a fé no ser humano.
Uma cidade é
um coletivo de gente, de imagens, de cenas interessantes, de lugares incríveis.
Brasília abusa de ser linda nesse sentido. Lambe-lambes, poemas de calçadas,
diversidade de saberes e seres, o verde, a cor, o florescer, o pôr do sol. De
cinza, só o concreto majestoso — e, ainda assim, ele rebola na nossa frente, se
curvando quando lhe apraz. Das estranhezas vistas pelos forasteiros, a maior
delas é essa sua pseudo-organização, feita para durar, mesmo que seja por
decreto. Logo a gente se acostuma, quando observa que a vida se encarrega de
bagunçar o nosso olhar.
Gosto mesmo de
andar por aí e por aqui. Depois da covid-19, o caminhar ganhou outros
significados. Testemunhar a cidade reagindo me faz até respirar melhor. É um
convite para dias mais calmos, afinal precisamos deles mais do que nunca.
Eu poderia
falar hoje de eleições do Congresso, de vacinas escassas, de aumento de casos
da covid, das ofensas intermináveis à imprensa por parte de um governante que
não consegue sequer governar a própria língua. Sobre isso, posso noticiar,
repudiar, analisar dentro das possibilidades de uma repórter 24 horas, que é o
que sou desde que me entendo por profissional.
Mas eu
confesso que isso tem me cansado mais que andar o equivalente a uma maratona.
Tenho treinado meu olhar para enxergar além da notícia. Enxergar o ser humano,
em sua diversidade e em sua singularidade, me traz atualmente um aprendizado
ainda maior do que analisar os fatos.
Tenho um amor
enorme pelo meu ofício, pelo ambiente de redação, pela notícia. E permaneço com
a convicção de que a imprensa, neste momento, tem feito um trabalho que me
orgulha mais do que qualquer outra coisa.
Mas, no
momento em que vemos a democracia sob o açoite dos maus políticos, respirar ar
puro e observar a vida que pulsa na cidade são os escapes que me levam direto
para a maior certeza: no fim, ainda chorando nossos mortos, conseguiremos
sobreviver à mediocridade.
Brasília e o
Brasil vão recolher suas cinzas e começar um novo tempo. Minha esperança reside
nos comerciantes resistentes, nos profissionais de saúde obstinados, nos
voluntários, na juventude militante de todas as causas e nas atitudes de todos
aqueles que estão num front mais amplo de batalha. Meu otimismo está nas cenas
que testemunho todos os dias andando pelas minhas bandas.
Sigo meu caminhar dia a dia com esse olhar e com essa fé. Quanto tempo levará para que a humanidade prevaleça sobre todo o resto? É difícil saber. Apesar disso, é preciso perseverar com esse propósito. Observando com atenção e gentileza a nossa cidade e a nossa gente, fica mais fácil achar o caminho.
Ana Dubeux – Editora -Chefe do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google.



