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Entrevista: Bergmann M. Ribeiro, virologista, "ainda vai morrer muita gente"

Ainda vai morrer muita gentePesquisador à frente dos trabalhos de sequenciamento de genomas do novo coronavírus na UnB, o docente explica por que a pesquisa de novas variantes do micro-organismo é importante e como a demora do processo de vacinação no país coloca a população em risco

 

O Distrito Federal começou a campanha de imunização contra a covid-19. No entanto, ainda não há vacinas suficientes para proteger os brasilienses — nem mesmo os do grupo de risco, considerados prioridade no calendário da Secretaria de Saúde (SES-DF). Em entrevista ao programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília — o biólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Bergmann Morais Ribeiro alerta para o fato de que, no cenário atual, muitas vidas serão perdidas para a doença.

 

O docente é um dos pesquisadores à frente dos trabalhos de sequenciamento de genomas do novo coronavírus na UnB. Por meio do estudo, o grupo consegue identificar as mutações do micro-organismo. Nesta semana, descobriu-se que a variante britânica circula pela capital federal. A notícia preocupa para um possível aumento do risco da covid-19. “No Brasil, atualmente, há duas ou três delas; no mundo, mais de 800 mil. Temos de fazer experimentos biológicos, para provar se, possivelmente, ele se replica mais rápido e se pode ou não causar uma doença mais grave”, disse Bergmann ao jornalista Vicente Nunes.

 

No DF, identificou-se a cepa do Reino Unido. Como está a pesquisa na UnB e por que o trabalho de sequenciamento de genomas é tão importante? Desde a década de 2000, sequenciamos vírus de insetos, de humanos, de plantas. Quando começou a pandemia, no ano passado, resolvemos ajudar a conhecer esse vírus (Sars-CoV-2). Começamos o sequenciamento em abril. Naquela época, não havia insumos suficientes. Conseguimos recursos, consegui importar o material e, agora, entramos em contato com o Laboratório Central de Brasília (Lacen) e com outros pesquisadores do país para, em uma força-tarefa, sequenciar os genomas desse vírus e conhecer o que está acontecendo com ele. Todo vírus, quando entra em um organismo, vai mudando, e essa mudança pode ser para o bem ou para o mal. Temos de acompanhar. Se for para o mal e estiver causando uma doença patogênica, matando mais, você pode descobrir onde o vírus está mudando e tentar estratégias para controlá-lo.

 

Pelo que já identificaram, essa nova cepa se espalha e mata mais rápido? Quando um vírus se modifica em um organismo, há uma seleção. O vírus entra e produz 1 mil novos. Desses, 996 são ruins para ele, mas aparecem outros quatro que são bons. O vírus se otimiza naquele hospedeiro, vai mudando, se adaptando, pode se espalhar mais. O que você encontra quando sequencia? A predominância de algumas variantes. No Brasil, atualmente, há duas ou três delas; no mundo, mais de 800 mil. Temos de fazer experimentos biológicos, para provar se, possivelmente, ele se replica mais rápido e se pode ou não causar uma doença mais grave. Mas precisamos de experimentos mais detalhados. Não é só analisando a sequência do genoma do vírus que você sabe se ele causa uma doença pior ou não. Daí, a necessidade da pesquisa científica. Temos laboratórios no Brasil capazes de fazer essa pesquisa. Se o vírus está predominante, ele está se espalhando mais.

 

Quando e por que essas variantes se tornam mais perigosas? Quando o vírus se modifica em regiões que vão interferir em nossa defesa. Esses vírus estão presentes em nossa pele. Temos mais bactérias e vírus em nosso corpo do que células. E estamos adaptados a vírus e bactérias, porque temos uma defesa eficiente. Mas, (no caso de) um vírus que nunca entrou em contato com o ser humano, você não tem defesa contra ele. Você tem de criar essas defesas. Se esse vírus muda, pode deixar minha defesa inócua.

 

Como controlar isso? A vacinação é o caminho? Com certeza. Se você não vacinar, vai permitir que o vírus continue se replicando, produzindo mais variantes e selecionando aquelas que podem se transmitir mais — possivelmente, uma que cause uma doença mais grave. Vacinando agora, você para essa produção de variantes. O mais rápido possível, essa vacinação tem que ocorrer.

 

Muitas cidades, inclusive o DF, têm suspendido a vacinação por falta de imunizantes. Como chegamos nessa situação em um momento tão dramático? Em março, eu não acreditava em uma pandemia como essa. Porque, no passado, outros coronavírus apareceram. Morreram 5 mil pessoas, mas foi controlada a doença. Achei que ela seria controlada rapidamente. Provavelmente, muitos governos acharam que a doença não se espalharia como se espalhou. Por isso, você tem de ser assessorado por quem estuda esses vírus. Não adianta achar que vai acontecer alguma coisa. Você tem de ter informações de quem trabalha com o vírus para saber a real situação e tomar as decisões certas. Tomando as decisões certas, você pode evitar muita coisa.

 

O Brasil sempre foi exemplo nessa questão de imunização. Nosso plano é copiado em várias partes do mundo pela eficiência que mostra, não é? Com certeza. Temos um plano de vacinação muito eficiente. No passado, todo mundo se vacinava, ninguém questionava uma vacina. Hoje em dia, as pessoas questionam. Essas vacinas em produção foram testadas exaustivamente. Por que foram feitas em um ano? Porque a tecnologia mudou. Hoje, você tem muito mais dinheiro, mais tecnologia para acelerar o processo. Ninguém é louco de liberar uma vacina que não tem eficiência.

 

Vai morrer mais gente do que se tivéssemos um processo de vacina mais eficiente? Com certeza. Ainda vai morrer muita gente antes de conseguirmos vacinar o suficiente. Infelizmente, vamos ver nossos entes queridos indo embora por muito tempo ainda.

 

Hoje, há dinheiro disponível para trabalhos importantes como os desenvolvidos por vocês? Infelizmente, o dinheiro, hoje em dia, vai para quem está pesquisando a covid-19. As outras áreas da ciência estão praticamente paradas. Quem faz pesquisa no Brasil e bota a mão na massa são os bolsistas, alunos de mestrado, do doutorado, de iniciação científica, estagiários de pós-doutorado. Como professor, dou aula, leio, vou na bancada, mas quem faz pesquisa são essas pessoas. As bolsas só vêm caindo. A quantidade de pesquisa tem caído no país. Os governos têm de olhar a pesquisa científica como investimento, não gasto. Se tivéssemos estudado esses vírus antes, poderíamos estar à frente dele, não com ele à nossa frente.

 

Por que as pessoas têm dificuldade de entender a gravidade da covid-19 e a importância da vacinação? Tenho 56 anos. Em minha época de adolescência, nunca ninguém questionou vacina, e todas as informações vinham da imprensa oficial, dos jornais, da tevê. Esses veículos chamam especialistas para darem opinião. No passado, a opinião sempre era dada por um especialista do assunto. Hoje em dia, não. Qualquer um pode ser especialista. Essas fake news que acontecem em todo lugar; nessa avalanche de mídia social, cada um pode falar o que quiser. Até pessoas mal-intencionadas começam a mentir, e muitos acreditam.


Entrevista completa Vídeo.

            Caroline Cintra – Foto: Ed Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense.

    






 

 

 

 

 


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