Meu Brasil cativeiro
A pergunta que mais faço a mim mesma nos últimos tempos, sobretudo desde sexta-feira, é: quando foi que o ser humano se tornou tão desumano? Imagino que seja um processo histórico, uma caminhada longa e contínua em direção ao desprezo pelo outro, levando como cajado o individualismo, o egoísmo, a ignorância. A partir de hoje, Brasília e boa parte do Brasil começa um lockdown doloroso e sem data para acabar. E não se engane: a culpa não é do vírus; é das pessoas.
São as irresponsabilidades diversas que deram força a um vírus muito
transmissível e letal. São as desculpas esfarrapadas, o dinheiro roubado na
pandemia, os péssimos exemplos de governantes, a falta de uma política única e
de uma diretriz de combate que fosse nacional, a demora injustificável para
comprar vacinas, o negacionismo cruel e por aí vai. Por trás de tudo isso, não
há um vírus; há pessoas.
Pessoas tomam decisões todos os dias. Dentro de casa ou dentro de palácios e
sedes de governos. Pessoas escolhem se vão mandar os escrúpulos às favas e
festejar o gol do time como uma horda de irresponsáveis ou se vão proteger a si
mesmas e aos outros, como é de sua obrigação como cidadão e como ser humano de
fato.
Foram as más escolhas e as decisões imbecis que mataram mais de 250 mil pessoas
no Brasil. Não só dos cidadãos cansados, tristes, desolados, isolados,
irresponsáveis, ignorantes, permissivos, egoístas e cruéis. Foram
essencialmente as decisões infelizes e criminosas daqueles que nos governam.
O que veremos a seguir é mais um capítulo de como se agrava a miséria humana;
como se cava mais fundo o abismo da desigualdade social; como se conduz
pequenos comerciantes à falência e os mais pobres à fome e ao desemprego; como
se leva mais famílias ao pior luto — aquele de ver um familiar morrer por falta
de ar sem a possibilidade de ser socorrido. A degradação da espécie humana
segue seu curso.
O Brasil não entrou em colapso de uma hora para outra. E também não seguiu essa
jornada por falta de aviso. Houve renitentes apelos, alertas, explicações da
comunidade científica do mundo inteiro e dos médicos, enfermeiros e demais
profissionais de saúde. Houve exemplos bons e maus vindos de outros países.
Houve relatos, artigos, depoimentos, reportagens na imprensa mostrando que
havia um caminho menos letal a seguir.
Mas o Brasil, ainda assim, escolheu deliberadamente o caos. Sabíamos que não
seria fácil para ninguém atravessar uma pandemia, mas tínhamos sempre a
esperança do “vai passar” — se todos fizessem a lição de casa. Como pessoa de
fé, acredito de verdade que a vacina nos salvará. Até lá, precisamos manter a
sanidade mental e evitar o adoecimento.
O custo das escolhas que o Brasil fez recairá sobre nós mesmos e, o que é pior,
sobre a parcela mais vulnerável da população. O que temos a fazer agora é
respirar fundo, viver um dia de cada vez e dar a mão ao próximo. Viver num
país-cativeiro pode até ser suportável, mas ser refém de genocidas é morrer um
pouco a cada dia.
Ana Dubeux – Editora – Chefe do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google.