O sobrenome já deixa claro: ele
sempre ia além. Não se conformava com o trivial, sempre dava um pouco mais de
si. Foi assim que o promotor de Justiça Sérgio Bruno Cabral Fernandes se
referiu ao colega Antônio Luiz Barbosa de Alencastro. O momento era de
aposentadoria como procurador de Justiça em 2013, depois de 23 anos como membro
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Há sete anos, Alencastro deixou o
cargo de assessor para recursos constitucionais, cargo vinculado à
Procuradoria-Geral de Justiça, que desempenhava com maestria, para se dedicar a
um escritório de advocacia na área cível e administrativa, com foco em recursos
nos tribunais superiores, ao lado do filho Thadeu Alencastro.
Aquele foi um momento de
homenagens e votos de sucesso na nova etapa. Servidores e colegas ressaltaram
em uníssono: “Ele vai deixar saudades”.
Hoje (26/03) promotores, advogados,
juízes, amigos e familiares precisaram dar um adeus sofrido.
Aos 63 anos, Antônio Alencastro
morreu em decorrência da covid-19. Estava internado havia 15 dias no Hospital
Brasília, entre avanços e recaídas. Ele chegou à unidade no Lago Sul com
sintomas de infecção pelo novo coronavírus e precisou ser intubado.
Pegou uma infecção, melhorou, teve
um infarto, colocou um stent, deu aos familiares esperanças de recuperação
e, em seguida, teve um AVC. “Ele era muito querido. Fizemos várias correntes de
orações e acreditamos que ele se recuperaria, mas essa doença é traiçoeira”,
contou o ex-procurador-geral de Justiça do DF Leonardo Bessa, que hoje exerce
no MPDFT a função de atuar em recursos antes desempenhada por Alencastro.
Vírus implacável: Mesmo para quem era
acostumado a nunca desistir, o novo coronavírus foi implacável. A covid foi
debilitando os órgãos e levou um profissional admirável, uma pessoa querida e
do bem, como definem os amigos do Ministério Público. “Ele integrou várias
administrações, passando pelo (Rogério) Schietti, (Eduardo) Sabo, (Leonardo)
Bandarra. Ninguém mexia com ele”, afirma o promotor Antônio Suxberger.
Para Suxberger, o colega era um
exemplo nacional. “Alencastro era um dos maiores exemplos de compromisso com a
causa do Ministério Público. Ele se entregava às teses do MP com o mesmo amor
que distribuía a quem tinha o privilégio de trabalhar com ele. Era nosso
‘capitão’, liderava pelo exemplo e com simplicidade. Vai fazer muita falta a
nós todos”, disse.
O promotor de Justiça Libanio
Rodrigues conta que Alencastro tinha uma grande habilidade de convencimento.
Quando ele argumentava derrubava certezas prévias de juízes. Conseguiu com sua
atuação firmar a legitimidade de que os Ministérios Públicos do DF e dos
estados tinham legitimidade para atuar em recursos perante os tribunais
superiores.
A tese prevaleceu no STF, onde
Alencastro começou décadas antes a carreira na justiça, aos 18 anos. Lá
trabalhou como assessor do ministro Célio Borja. “Ele foi fundamental para o
sucesso de várias de nossas investigações e ações, como no caso do processo
envolvendo corrupção no ICS (Instituto Candango de Solidariedade). Alencastro
comprava nossas teses e as defendia como suas”, diz Libânio.
Um dos colegas mais próximos de
Alencastro no MPDFT era o promotor Evandro Gomes. Eles trabalharam lado a lado
durante 10 anos e tinham uma amizade quase de pai para filho. Ninguém conhecia
o trabalho de Alencastro como Evandro. “Ele era um ser humano fantástico,
intenso e transparente. Tinha um enorme conhecimento jurídico e uma qualidade
de redação excepcional”, descreve.
Apesar da competência apontada
pelos colegas, Alencastro era simples e não nutria vaidades. “Ele dizia que
nosso trabalho era simplesmente de formatadores das teses dos promotores para
que fossem defendidas em instâncias superiores”, conta Evandro.
Um trabalho fundamental, como se
pode constatar com as reviravoltas em operações e investigações importantes
contestadas por advogados nos tribunais superiores com base em nulidades que
derrubam trabalhos excepcionais. Um aliado competente engajado na defesa dessa
atuação pode fazer a diferença entre a justiça e a impunidade. “Ele era maior
do que muitos procuradores-gerais do MPDFT. Tinha uma inteligência luminar, um
caráter exemplar”, diz a promotora de Justiça Denise Lyrio.
O presidente da Associação do
MPDFT, Trajano Melo, lamentou a morte em nota: “O amigo Alencastro foi expoente
de nosso MPDFT e atuou de forma impecável à frente da Assessoria de Recursos
Constitucionais. Sempre atento às preocupações dos colegas, era norte
seguro a seguir. Sorriso no rosto, independentemente do tamanho do problema a enfrentar”,
escreveu em mensagem divulgada na rede.
Alencastro tinha uma legião de
admiradores e amigos no MPDFT, que se sentiram meio órfaos quando ele resolveu
advogar. Mas ele seguia uma tendência na família, onde era chamado na
intimidade de Tantão. De 10 irmãos, cinco seguiram a advocacia. Um dos filhos,
Thadeu Alencastro, também.
A Ordem dos Advogados do Brasil,
seccional DF, e a Caixa de Assistência dos Advogados do DF (CAADF) divulgaram
uma nota de pesar comunicando a morte de Antonio Alencastro, irmão do advogado
e conselheiro da OAB-DF Inácio Bento de Loyola Alencastro, e dos advogados
Rodrigo Alencastro e Flavio Alencastro. “Neste momento difícil e delicado, a
OAB/DF e a CCADF se solidarizam e desejam força, coragem e muita união aos
familiares e amigos”, diz a nota.
Chefe de gabinete da
vice-presidência da Câmara dos Deputados, o irmão Flávio Alencastro afirma que
a família acreditou até o fim que Tantão se recuperaria. Ele gostava de correr,
jogar bola, nadar na Água Mineral e tinha paixão pelo neto Otto, de três anos.
O menino gravou uma mensagem
pedindo que o avô deixasse logo o hospital e pegasse a bicicleta. “Eu sempre
acreditei que meu irmão sairia do outro lado, recuperado. Mas não foi possível.
A tristeza é imensa para todos. Não só para nós da família. Ele era referência
no Ministério Público e na advocacia”, diz Flávio.
Alencastro partiu na tarde desta
sexta-feira (26/03), com morte cerebral, quando amigos faziam uma corrente de
orações. O que fica agora são mensagens como a postada no Facebook por outro amigo
do ex-integrante do MPDFT, o também procurador aposentado Tadeu Freesz de
Almeida: “O que dizer nestes momentos? Nada, não há o que dizer. Apenas
relembrar a felicidade de ter estado com ele há pouco tempo, e mesmo
descumprindo as regras sanitárias, nos abraçamos fortemente. Mesmo com a
máscara, deu para perceber o sorrisão que sempre lhe adornava o rosto”.
Como se fosse uma despedida, o
ministro Rogério Schietti, do STJ, prestou uma homenagem a Alencastro, durante
uma sessão naquela corte. Os dois trabalharam juntos. Mas a menção foi muito
mais do que um elogio a um amigo. Foi um reconhecimento dos serviços prestados
em duas décadas de um promotor que preferiu ir além.
Ana Maria Campos - Coluna CB.Poder - Correio Braziliense