Mesmo com quase 333 mil pessoas
que receberam a primeira dose das vacinas contra a covid-19, e 109 mil que
tomaram o reforço, o Distrito Federal continua a acumular casos e mortes pela
doença. No entanto, sem os imunizantes, a situação seria ainda mais grave. Os
tipos disponíveis no Brasil têm efeitos diferentes quanto à proteção do
organismo (leia CoronaVac x Covishield). Em geral, as pessoas que receberam as
duas doses podem até contrair o novo coronavírus — e, consequentemente,
transmiti-lo —, mas não desenvolvem quadro grave da doença. Para evitar que
mais indivíduos se infectem e, eventualmente, passem o vírus para os demais,
especialistas em saúde reforçam que, mesmo após a vacinação, a população não
deve se descuidar das medidas de segurança.
Técnica de enfermagem do Hospital
Regional da Asa Norte (Hran), Janine Araújo Montefusco Vale, 41 anos, é chefe
do Núcleo de Segurança e atua no setor de terapia intensiva (UTI) da unidade.
Lá, tem contato direto com pacientes infectados pelo novo coronavírus. Em 26 de
janeiro, Janine tomou a primeira dose e, em 12 de fevereiro, a segunda.
Contudo, no último dia 26, ela teve de pedir licença do trabalho, após
apresentar sintomas da covid-19.
Janine teve dores de cabeça,
coriza e congestão nasal. “Fiz o exame RT-PCR (com coleta de amostra das vias
aéreas) quando comecei a sentir os sintomas. No sábado e no domingo, tive
febre, calafrios, mal-estar e dor no corpo. O resultado positivo saiu no
domingo. Como senti muita dor nas pernas, o médico até suspeitou de trombose.
Fiz um exame de imagem, mas não havia nada de anormal. Precisei usar
anticoagulante na quarentena e tive muita dor nas costas, além de perda do
olfato e do paladar”, relata a moradora do Riacho Fundo 1. “Por isso, é
importante ter acompanhamento médico, para não sair tomando qualquer coisa. As
pessoas te ligam e falam para tomam isso ou aquilo. Imagina quem não tem
informação e não consegue se tratar”, completa.
Sem sintomas: Outra pessoa
que passou por situação semelhante foi Rosulina da Silva Ramalho, 55. Técnica
de enfermagem no Hran há 21 anos e enfermeira na Unidade Básica de Saúde (UBS)
nº 1 da Asa Sul, ela tomou as doses da vacina em 19 de janeiro e em 9 de
fevereiro. Em 5 de março, após fazer um teste RT-PCR, recebeu resultado
negativo. Uma semana depois, descobriu que havia se infectado, mas não havia apresentado
qualquer sinal. “Eu só soube (do resultado positivo) no fim do mês, mas tinha
passado 14 dias em quarentena, porque estava de férias. Eu não estava com
sintoma algum. Não fui afastada do trabalho e não precisei de medicamentos.
Fiquei sabendo porque me ligaram de um projeto que fiz em parceria com a UnB
(Universidade de Brasília). Era preciso fazer exame para participar, e eles me
informaram que testei positivo”, conta.
A enfermeira Ana Paula Sathler
Bueno, 34, trabalha há um ano na emergência do Hospital Sírio-Libanês e também
tomou as duas doses da vacina. Porém, contraiu a covid-19 do marido, que havia
viajado para Goiânia. “Ele veio para Brasília e começou a sentir sintomas por
dois dias. Ficou com moleza no corpo e indisposição. Fiz o RT-PCR e recebi o
resultado positivo dois dias depois. Por cinco dias, perdi o olfato, tive dor
de cabeça e tosse. Mas me recuperei”, relata.
O caso de Severino José dos
Santos, 81, morador de Valparaíso (GO), foi mais grave. Ele havia tomado a
primeira dose, mas, devido a visitas a hospitais para consultas de rotina,
acabou infectado antes de tomar a segunda dose. Em 21 de fevereiro, ele morreu
por causa da covid-19. Neta dele, a recepcionista Hevylaine Conde, 31, conta
que o avô passou a semana bem, mas piorou nos dias seguintes à infecção. “Ele
começou a ter sintomas gripais, coriza e espirro. No fim da tarde, deu febre.
Depois, ele teve uma febre muito alta”, conta.
A família chegou a pensar que os
sintomas fossem efeitos da primeira dose da vacina. No entanto, a equipe de
saúde do Centro de Atendimento Integrado à Saúde (Cais) de Valparaíso 2, para
onde Severino José foi levado, descartou possibilidade de reação ao imunizante.
O paciente foi transferido para o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), mas
recebeu resultado positivo para covid-19. Severino não resistiu ao quadro
infeccioso e morreu.
Questionada pela reportagem sobre
quantas pessoas vacinadas se infectaram com a covid-19 no Distrito Federal e
quantas precisaram ser hospitalizadas, a Secretaria de Saúde (SES-DF) informou
que não dispõe desse levantamento.
Três perguntas para Joana D’Arc, infectologista
Por que é importante que
a pessoa vacinada mantenha os cuidados após a imunização? Porque
temos o que chamamos de escape imunológico. Algumas pessoas, mesmo vacinadas
com a primeira ou segunda dose, podem ter a infecção, pois, das vacinas que
temos disponíveis no Brasil, a eficácia delas é maior para evitar doenças
graves e mortes. As pessoas podem se infectar, mas o que se espera é que elas
tenham um quadro mais leve. Como no Brasil temos uma circulação intensa do
vírus e poucas pessoas se vacinaram, o vírus pode sofrer mutações, e a eficácia
da vacina pode se tornar menor.
Em que situação uma pessoa
vacinada pode servir de vetor de transmissão do
novo coronavírus? Algumas pessoas que têm outras doenças podem se
infectar, mesmo após a segunda dose. Há alguns casos de ficarem internadas. Mas
teremos uma segurança maior em relação à vacina só quando tivermos 80% da
população imunizada, a chamada imunidade coletiva. Mesmo quem se vacinou tem
risco de desenvolver a infecção e transmitir para outras pessoas, servindo como
vetor de transmissão. Se você vai a uma festa e há alguém transmitindo o vírus,
ele vai para a mucosa (da pessoa vacinada) e a imunidade (gerada pala vacina)
resolve o problema. Mas se esse indivíduo vacinado for a outro local e
espirrar, por exemplo, aquele vírus pode infectar outras pessoas.
Como a primeira e a segunda dose
da vacina agem no corpo? Os primeiros estudos com algumas vacinas
demonstram que, quando se aplicava a primeira dose, os tipos de anticorpos não
eram tão altos para evitar a infecção. Então, foi preciso um reforço com a
segunda. Com alguns imunizantes, só após a segunda dose identificaram
anticorpos e viram que eram protetores daquela população (estudada). Só uma
dose é insuficiente para se produzir imunidade adequada. Depois da segunda,
tem-se uma distribuição de anticorpos para garantir uma proteção considerável.
Pedro Marra - » Colaboraram Ana Isabel Mansur e Samara Schwingel – Foto: Minervino Junior/CB/D.A.Press – Correio Braziliense.