A humanidade, ao longo de
milênios, passou por muitas vicissitudes, ora provocadas por abalos sísmicos,
tufões, tsunamis, guerras, ora causadas por focos viróticos ou pandemias
generalizadas. Além de evidente crise de saúde, esses eventos são quase sempre
seguidos por ondas de instabilidades mentais, sociais, econômicas e políticas.
São, portanto, períodos de procura de soluções e de novas tecnologias que
possibilitem o estabelecimento de uma nova ordem. Ainda, por se tratar de
eventos que afetam muitos e exigem de todos, a procura a ser feita é de ordem
coletiva, e não o desejo de alguns poucos iluminados.
No presente caso, a busca para
vencer a covid-19 passa de 12 meses, computando milhares de mortos, lares
destruídos, pessoas mentalmente fragilizadas, economias cambaleantes, sistemas
de saúde esgotados. O pior: as cepas dos vírus aumentam, colocando em risco
soluções encontradas, assustando, principalmente, aqueles que trabalham na
linha de frente da pandemia, nos hospitais e nos bastidores da pesquisa, em
laboratórios e universidades.
No Distrito Federal, o sistema de
saúde está à beira do colapso. As UTIs chegaram ao limite de mais de 90% ou
mais precisamente: 97% na rede de hospitais públicos; 98% nos hospitais
privados, dando uma média de 97%, em 7 de abril. Essas são taxas preocupantes e
variam de hospital para hospital. Em alguns hospitais, as macas com doentes
estão espalhadas pelos corredores. Brasília chegou a mais 6 mil mortos e mais
de 340 mil infectados.
Qual a solução? Vacinação em massa
muito rápida e eficaz. No Brasil, vacinamos e colocamos fora de risco os
profissionais da saúde e idosos com idade superior a 70 anos. Entre esses, a
mídia revela queda substancial de mortos ou em situação de risco. Em relação
aos jovens, a letalidade tem aumentado nas últimas semanas, o que desperta
sinal de alerta às autoridades da saúde pública. Dada a necessidade de convívio
social própria da idade, os jovens estão sendo infectados em aglomerações,
sobretudo, no que ficou conhecido como “festas clandestinas”.
A necessidade de estar em festas e
aglomerações revela uma profunda necessidade mental de estar novamente em um
tecido urbano estável e transitável. No entanto, nos preparamos, neste exato
momento, para um o lockdown de ordem mundial, com fechamento de atividades não
essenciais, na tentativa de se evitar um avanço desgovernado e intratável da
doença. A situação é, portanto, delicada. É a necessidade de isolamento contra
a natureza humana de estar em grupo e em movimento. Só se pode pensar em uma
solução que envolva auto-sacrifício, comprometimento de todos para que o
lockdown seja rápido e efetivo. O entrave para isso está, principalmente, na
economia e no pensamento capitalista de acúmulo de riqueza. Comerciantes e
empresários realizaram protestos públicos para que o fechamento seja cancelado,
argumentando que o fechamento de estabelecimentos comerciais impede o pagamento
de salários e causa desemprego. De fato, muitos trabalhadores foram dispensados
e estão sem emprego. A Pesquisa de Emprego e Desemprego da Codeplan, referente
a janeiro de 2021, estima que haja 291 mil desempregados no DF.
No entanto, a situação se
resolverá com ataque máximo à covid-19: vacinação em massa. Mas, para isso, a
luz da verdade deve chegar para todos, não havendo mais quem viva no
negacionismo, dando pouca importância ao colapso da saúde, à ciência, ao risco
que corremos, cada um de nós, de sermos hospedeiros e transmissores, às vezes
invisíveis, do vírus. Essas são reflexões necessárias, de ordem individual e
coletiva.
Creio que ainda não vencemos a
covid porque estamos, há muito tempo, lutando contra uma pandemia de
embotamento mental: entre nós, falta conhecimento e sobra pensamento torto,
enterramos o autocontrole e a compaixão e passamos a cultuar o egoísmo. A
vacina para esse tipo de pandemia se chama educação, que também tem de ser em
massa, rápida e eficaz. Se formos de fato inteligentes, nos damos conta disso
agora, lutamos em duas frentes e estabelecemos uma nova ordem de vida.
Aldo Paviani - Geógrafo, professor emérito da Universidade de
Brasília (UnB) - Cilene Nunes Rodrigues-Nevins - Linguista, professora da Pontifícia
Universidade Católica (PUC/Rio)