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ENTREVISTA: ADELE VASCONCELOS » Temos muitos jovens internados em estado grave

Temos muitos jovens internados em estado grave. Ao CB.Saúde, a intensivista e chefe do pronto socorro do Hospital Santa Marta alerta para o aumento nas internações de pacientes da covid-19 de 20 a 39 anos. São mais de duas mortes nessa faixa etária por dia no Distrito Federal

 

A pandemia que já matou 325 mil pessoas no Brasil e mais de 6 mil no Distrito Federal traz consigo desdobramentos tão graves quanto a covid-19. Ficar entre a vida e a morte à espera de um leito de UTI, e sobreviver à covid-19 não encerra o ciclo da doença. As sequelas, algumas permanentes, atingem quatro de cada 10 pacientes. Há, ainda, os traumas psicológicos. Famílias inteiras estão destroçadas pelo luto e pela culpa por terem levado o vírus para dentro de casa. 

 

Em Brasília, a quantidade de jovens de 20 a 39 anos mortos pela doença aumentou 47% em março. A média foi de mais de duas mortes nessa faixa etária por dia. Para entender por que os jovens estão morrendo mais, a jornalista Carmen Souza recebeu a intensivista e chefe do pronto socorro do Hospital Santa Marta, Adele Vasconcelos. Ela concedeu a entrevista no CB.Saúde, programa do Correio Braziliense em parceria com a TV Brasília. 

 

Entre os temas abordados, Adele Vasconcelos explicou porque o jovem fica mais tempo internado e porque ele tem chegado em estado mais grave aos hospitais. Revelou ainda que muitos pacientes graves, que deveriam ser internados, são mandados de volta para casa porque não há vagas nas redes pública e privada de saúde.

 

“Não temos conseguido dar o suporte necessário de imediato para aquele paciente considerado grave. Então, demora mais para fazer intubação, a ventilação mecânica, porque não temos leitos disponíveis. Então, a gente acaba atrasando um pouco o tratamento deste paciente, diminuindo as chances de ele sobreviver”, afirma Adele. Confira a entrevista: 

 

Especialistas alertaram sobre a falta de cuidado dos jovens em relação à covid-19. Eles ficaram mais expostos e, nas últimas semanas, começamos a perceber as consequências do aumento de casos entre essa faixa etária. Quais são os desdobramentos disso? Temos muitos jovens internados em estado muito grave. Estamos com as UTIs lotadas de pacientes entre 40 e 60 anos (predominância), mas também na faixa de 20 a 40. Com 100% de lotação há quase um mês em todo o DF e no Brasil, estamos vendo esses jovens morrerem. Temos mais de 90% de pacientes em ventilação mecânica, hemodiálise, e em estado muito grave. Por outro lado, houve a redução dos idosos acima de 75 anos, então a vacina vem fazendo o efeito que precisava. Porém, temos tanta gente doente, mas tanta gente doente, que não dá para quem chega. Muito paciente jovem chegando em estado grave no pronto socorro e, neste momento, não temos leito de imediato para recebê-lo. 

 

Fiz levantamento dos dados da Secretaria de Saúde do DF e eles são assustadores. Peguei a idade de 20 a 39 anos, considerando 1º e 31 de março. Neste período, o número de mortes nesta faixa etária aumentou 47%. Se a gente considerar os números de seis meses atrás (setembro), o aumento foi de 84%. Só em março, 72 pessoas desse grupo morreram no DF. Mais de duas pessoas por dia. 

É isso que a senhora está vendo nos hospitais? Sim. Inclusive adolescentes necessitando de cuidados intensivos, permanecendo um longo período internado. Tem a questão do óbito, mas temos a questão de o jovem lutar mais tempo pela vida. Então, ele permanece no leito de UTI por um tempo maior. Isso gera um problema que chamamos de giro de leito. A UTI fica mais tempo cheia e, com tanta gente chegando ao mesmo tempo, não conseguimos dar alta aos pacientes graves. A gente mais que dobrou a quantidade de óbitos em pacientes nesta faixa etária.

 

O curioso é que essa faixa etária geralmente não tem as comorbidades que dificultam o tratamento da covid-19. Então, porque esse tempo de internação é mais alto? Temos um fator de risco muito grande nessa faixa etária e que acaba complicando. O sobrepeso e a obesidade vêm se mostrando um fator de risco para qualquer faixa etária. Vemos também pessoas sem nenhuma comorbidade complicar muito. A população precisa entender que a covid-19 é uma resposta inflamatória aguda e a evolução depende de cada paciente. Então, qualquer pessoa pode complicar. E estamos vendo cada vez mais casos de comprometimento pulmonar grave em pacientes de 16, 18, 20 anos.

 

Podemos dizer que os jovens estão chegando em uma situação mais grave aos hospitais. Isso pode estar interferindo na recuperação? Com a taxa de ocupação muito alta nos hospitais, o que acontece: mesmo os pacientes procurando as unidades de saúde assim que os sintomas aparecerem, se não estão em estado grave são orientados a irem para casa e retornarem caso complique. E o que vemos é isso. Quando retornam, já estão num estado muito grave, necessitando de suporte ventilatório, ou seja, de UTIs, e estamos vendo aí as filas de espera cada vez maiores.

 

Então, com os hospitais sobrecarregados, quem poderia receber um atendimento hospitalar para tratar a covid não está tendo? Às vezes, conseguimos fazer o primeiro atendimento, mas não a internação imediata por conta da sobrecarga dos serviços públicos e privados.

 

Quais são os desdobramentos — eu pergunto independentemente da idade — por que o paciente já chega mais grave? A gente não consegue dar o suporte necessário imediato para aquele paciente considerado grave. Então, demora mais a fazer intubação e ventilação mecânica, porque não temos leitos disponíveis. Então, a gente acaba atrasando um pouco o tratamento deste paciente, diminuindo as chances de ele sobreviver.

 

Um levantamento da Fiocruz, divulgado na semana passada, revelou uma explosão de óbitos entre pessoas com 40 e 49 anos. Agora, é cinco vezes maior do que em janeiro. Aqui no DF, os dados de março, da Secretaria de Saúde, mostram aumento de 38%. Qual é a correlação?  Tem vários fatores: quantidade de gente doente ao mesmo tempo, a chance de não ter UTI na hora certa, e a severidade das novas cepas. O conjunto desses fatores explicam a explosão de casos. Mas, o principal é a quantidade de gente infectada ao mesmo tempo. Essa faixa etária é a que trabalha; a maioria voltou a fazer presencial, houve redução do número de trabalhadores em home office. E tem a questão das festas. As pessoas não param de ir em festas, se aglomerar. Acredito que hoje, no Brasil, não tenha uma só pessoa que não tenha um parente, amigo, uma pessoa próxima que não perdeu um, dois, três, ou que teve uma família destroçada pela covid-19. Casos de duas, três mortes no núcleo familiar. As pessoas precisam abrir o olho e entender que, uma vez aglomerado, seja na sua família, com seus parentes, pode estar levando o vírus a muitas pessoas, mesmo inconscientemente. E essa doença mata. Temos que condenar a aglomeração. Elas (pessoas que se aglomeram) estão fazendo com que não tenhamos condições de trabalhar, não temos mais mãos para tanta gente doente ao mesmo tempo. Estamos numa situação caótica e triste que a gente nunca pensou na vida que ia passar por isso.

 

Então, aquele discurso de que não há provas de que o isolamento reduz os casos cai por terra? É muito complicado essa questão da politização. Eu acredito que as pessoas precisam trabalhar, sim. Eu não parei de trabalhar um dia sequer desde que a covid-19 começou. Acredito que as pessoas podem se prevenir. Elas podem não fazer um aniversário, podem não se juntar no fim de semana, podem, dentro do trabalho, se isolar um do outro, não tomar café junto, não tirar a máscara, lavar a mão o tempo inteiro. Existem várias formas de se prevenir. É muito difícil falar “fique em casa” se a pessoa não tiver dinheiro para colocar a comida no prato. Acho que isso é uma questão que precisamos ter muito cuidado. Tem como se prevenir, mesmo trabalhando.

 

Pegar o ônibus para ir trabalhar é diferente de ir a uma festa clandestina, né? Com certeza. Você está saindo de casa para garantir a comida da sua família. Isso é totalmente aceitável. Mas me aglomerar “porque não aguento mais ficar em casa”, isso não tem justificativa. Toda hora vemos pessoas morrendo na nossa frente.

 

No tempo de internação, há uma reflexão desses jovens no sentido de “passei dos limites, fui para a festa e levei o vírus para casa”? Há essa reflexão. Vemos famílias destruídas porque culpam o jovem por ter se infectado e levado o vírus para casa. “Ah, você matou meu pai”, vemos irmãos brigando por isso. A gente vê pai e mãe doente porque o filho levou a doença pra casa, e o filho se culpando porque levou a doença para casa. Estamos trabalhando muito com isso. A questão da culpa. Ah, estava numa festa, fui visitar meu avô e ele pegou covid. A família não perdoa quem fez isso. Elas estão destruídas com isso. Tem paciente esperando leito de UTI com 98% do pulmão comprometido porque foi a uma festa de aniversário com duas, três famílias. Aí vem a culpa, a depressão; as sequelas do pós-covid são irrecuperáveis.

 

Por falar em sequelas, o pessoal da Coalizão Covid-19 Brasil fez uma estimativa que, de cada 10 pessoas, quatro têm algum tipo de problema. Ou seja, tem um pós-covid que é muito trabalhoso aí, certo? Sim. O paciente precisa lutar para a recuperação: fisioterapia, fonoaudiologia, a função renal pode ficar comprometida exigindo diálises diárias. Alguns, farão diálise pelo resto da vida para sobreviver. Então, a sobrecarga do sistema de saúde não é só durante a covid, mas no pós-covid também, porque precisamos dar uma assistência para esse paciente. Alguns voltam sem caminhar por atrofia muscular, com depressão profunda, uma ansiedade e um desespero, um medo de morrer que não passa, mesmo a pessoa estando bem; medo de sair de casa, medo de se infectar novamente. São tantas sequelas que podemos passar a tarde toda conversando sobre isso. Sequelas psicológicas, motoras e de doenças crônicas como fibrose pulmonar, insuficiência cardíaca.

 

Pensando no paciente mais jovem, em longo prazo, pode ter uma doença que pode comprometer a sua qualidade de vida pelo resto da sua vida, não é? Sim, com certeza. Existem casos de amputações, perda de membros por trombose, necessidade de diálise diariamente para sobreviver. A fibrose pulmonar deixa um paciente dependente do oxigênio para sobreviver, ou de fisioterapia respiratória prolongada. Tem as neuropatias (perdas da sensibilidade das extremidades)....é tanta coisa que as pessoas não imaginam o sofrimento para se recuperar.

 

Tem muito paciente com reinfecção? Reinfecções estão mais comuns. Temos casos de pacientes com covid ano passado que voltaram agora, e alguns foram a óbito. As reinternações no pós-covid também ocorrem porque a imunidade da pessoa baixa e ela acaba tendo uma pneumonia, por exemplo. Mas, a maioria necessita de atendimento ambulatorial, que sofre com a sobrecarga.

 

Os jovens estão sendo infectados, bebês e crianças também. Um levantamento feito esta semana pelo Painel de Monitoramento da Mortalidade no Brasil mostra que 899 bebês com menos de 1 ano morreram em janeiro deste ano vítimas da covid-19. Como é e quais são as dificuldades de tratar um bebê nessas condições. É uma realidade do DF também? Quando falamos em números absolutos, nos preocupamos. Quando fazemos a relação com a quantidade de adultos graves, o número de crianças graves ainda pode ser considerado pequeno. Mas, precisamos alertar que eles adoecem e podem ficar graves. Não existe essa história de que criança não fica grave ou que adolescente não morre. Algumas crianças passam pelo quadro sem qualquer sintoma e, daí a dois, quatro meses depois, elas apresentam a síndrome pós-covid e podem até morrer.

 

Os médicos têm percebido uma redução no número de pacientes idosos e de óbitos também? Sim. A redução é extrema e significativa. Tivemos um momento de não ter nenhum paciente acima de 75 anos internado no Hospital Santa Marta. Os pacientes idosos que chegaram a ser internados nesses últimos 15 dias chegaram ainda a tomar a primeira dose, mas não tomaram a segunda. São casos muito pontuais, então a gente já está observando que a vacina está fazendo o efeito que ela precisa fazer. Eu vou voltar aqui a um ponto que acho que é superimportante: a vacinação tanto da CoronaVac, quanto da Oxford, não tem eficácia de 100%, ou seja, a pessoa vacinada pode, sim, ter a covid-19. Então, não é porque ela está vacinada que ela vai andar sem máscara, parar de lavar a mão e voltar a aglomerar. Ela pode adoecer e ter uma doença leve e pode, inclusive, transmitir essa doença para outra pessoa. Por isso, a pessoa tem que continuar tendo os mesmos cuidados. O principal efeito da vacina é proteger a pessoa de doença grave, de ser internada, de precisar de oxigênio, ser entubada e ir a óbito.

 

Como ainda estamos no processo de imunização, o que podemos fazer para reduzir essa sobrecarga do sistema de saúde? Usar máscara o tempo inteiro quando você precisar sair de casa. Lavar as mãos exaustivamente, sempre que você tocar em alguma coisa ou levar a mão ao rosto. Infelizmente, na nossa cultura a gente ainda não consegue usar a máscara sem tocá-la, então sempre lavar a mão com água e sabão, se disponível, ou com álcool, e evitar aglomerar. Essa é a principal coisa: a gente não pode se aglomerar.



Adriana Bernardes - Colaborou Jéssica Cardoso - Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense.




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