Depois de muita relutância, o
Ministério da Saúde admite que a imunização contra a covid-19 pode parar.
Faltam insumos para que o Instituto Butantan, que responde, atualmente, por
nove em cada 10 vacinas aplicadas no país, siga produzindo as doses
necessárias. A situação também é preocupante na Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), que, sistematicamente, tem jogado para baixo a previsão de entregas
ao plano nacional de proteção à saúde da população prometido pelo governo.
Na última quarta-feira, o Butantan paralisou a produção de vacinas por falta de
IFA (ingrediente farmacêutico ativo, e a previsão é de que a China entregue a
matéria-prima dentro de uma semana. A Fiocruz diz ter o insumo para até o
início de maio. Não por acaso, a imunização dos brasileiros tem sido muito
lenta. Até agora, 22,6 milhões receberam a primeira dose e só 6,8 milhões, a
segunda. Curitiba e Goiânia suspenderam a vacinação por falta de doses. No
Distrito Federal, há incertezas quanto à continuidade do processo de
imunização.
Em contrapartida e esse quadro, o número de óbitos cresce dia a dia, e beira 4
mil vítimas a cada 24 horas. Especialistas anteveem que, diante do aumento
exponencial de infectados, do colapso nas redes hospitalares pública e privada,
da escassez de oxigênio e medicamentos, serão 5 mil mortes diárias em todo o
país. Acrescente-se, ainda, a vacilante política de estados e municípios na
decretação de medidas restritivas, pois acabam cedendo às pressões de
diferentes segmentos produtivos e políticos. O relaxamento do isolamento social
agrava a situação.
O governo federal, por sua vez, contrário às orientações dos sanitaristas, é o
primeiro a contestar a suspensão das atividades econômicas para conter a
propagação do vírus. Faz sinalizações opostas às orientações até mesmo do
Ministério da Saúde. Instiga a população a ignorar as recomendações da ciência
e a retomar suas atividades normalmente, como no período pré-pandemia, pois
teme que a economia naufrague. Abriu mão da sua prerrogativa de coordenar, em
âmbito nacional, o enfrentamento da epidemia, embora o Brasil tenha o melhor
programa de imunização do planeta, com eficácia reconhecida pelas nações
desenvolvidas.
O ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, afirmou que o governo “não tem vara de
condão” para solucionar os atrasos na entrega de vacinas. Ninguém espera
mágicas do poder público para estancar o morticínio. Exige, no entanto, que
providências sejam adotadas com a rapidez que a tragédia sanitária impõe. São
mais de 350 mil mortos e, no atual ritmo, o semestre poderá fechar quase 500
mil, projetam epidemiologistas.
A responsabilidade, em grande parte, é do governo federal. Recusou propostas de
laboratórios, como as da Pfizer, apresentadas em meados do segundo semestre de
2020, por entendê-las “draconianas”. O início da imunização foi postergado pela
incapacidade de fechar contrato com os laboratórios, quando países europeus e
Estados Unidos avançavam na vacinação. A primeira dose foi aplicada no Brasil
em 17 de janeiro — mais de um mês depois do início da campanha no Reino Unido.
De lá para cá, o plano nacional de vacinação, quantidades de vacinas e datas
não se confirmaram por uma sucessão de desencontros entre os discursos e a
realidade, ou melhor, os contratos não foram fechados no momento certo e
necessário. Torna-se urgente — para ontem — que as autoridades governamentais
mobilizem todas as forças e mecanismos diplomáticos disponíveis para que haja
insumos e vacinas, evitando a descontinuidade do processo de imunização da
população. O surgimento de novas cepas, transformando o Brasil em celeiro de
variantes, o coloca à margem dos países que privilegiam a vida, sem a qual a
economia também morre.
Editorial do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google