Quais os desafios de gestão de uma
universidade do porte da UnB com sucessivos cortes no orçamento? Temos atuado para ter eficiência nos gastos. Desde
que assumimos, no final de 2016, a gente teve que fazer ajustes no contrato.
Tivemos 45% de queda no orçamento. Chamamos a comunidade, fizemos audiências
públicas e mostramos a situação. Tivemos que fazer readequações de contrato e
exigir algumas coisas. A partir daí, temos focado em usar o recurso para
atividades da universidade, que são ensino, pesquisa e inovação. Onde pode
reduzir e que não prejudique a atividade da universidade, como a assistência
estudantil e a bolsa dos estudantes, a gente mexeu. Refizemos alguns contratos
e estamos trabalhando dessa forma.
Quais estratégias a administração
tem adotado para reduzir os impactos? Esse orçamento de 2021 da UnB está com redução de
7,8%. Temos apoio da Política Nacional de Assistência Social (Pnas) para dar
bolsas aos estudantes carentes, que teve uma redução de 7%. Agora, com a
pandemia, com o aumento do desemprego e a crise econômica, a UnB precisaria de
aumento de recursos para atender esses estudantes. Sem investimento, a
tendência é de que eles não permanecerem na faculdade. Por isso que demos R$
1,5 mil para alunos carentes comprarem computadores e equipamentos eletrônicos.
A UnB tem investido em diversas
pesquisas no combate à pandemia da covid-19. De que forma essa redução dos
investimentos afeta a prestação de serviço da universidade? Uma coisa importante é que os recursos para
pesquisa, no Brasil, são, fundamentalmente, das agências de fomento. Com o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), fizemos uma
luta no Congresso Nacional para que vire um apoio financeiro e não
contingenciado. A pesquisa, no Brasil, se faz com esses recursos, porque,
dependendo do tipo, precisa de equipamentos de altíssimo valor, e as
universidades não conseguem fazer o financiamento dessas pesquisas. Temos feito
o orçamento de bolsas. Temos quase 200 projetos na parceria com a Fundação de
Apoio à Pesquisa do DF (FAP), em que disponibilizaram R$ 30 milhões para
pesquisa. E eles também tiveram redução. A gente tem qualidade. Nossos
ex-alunos estão no Brasil e no mundo todo. E continuamos trabalhando na
pesquisa clínica da CoronaVac, por exemplo, mostrando toda a nossa qualidade
com o Hospital Universitário de Brasília (HUB), fazendo pesquisas e testagens.
Essa redução é muito preocupante para o futuro do país.
Até quando a universidade tem
fôlego para suportar a escassez de recursos? A UnB trabalha para que as reduções tenham o menor
impacto possível nas atividades acadêmicas e administrativas. A situação é
dramática, mas vamos continuar fazendo o que sabemos fazer de melhor: o ensino,
a pesquisa e a extensão de qualidade. Também continuaremos em diálogo com o
governo e o Congresso para reverter a situação orçamentária.
Sem investimento da União na
UnB: O governo federal liberou R$ 2,59 bilhões às instituições de ensino
superior na última quinta-feira, por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA). No
entanto, os R$ 135,8 milhões repassados à Universidade de Brasília serão usados
apenas para sanar despesas de custeio
Mesmo após o governo federal ter
liberado, na última quinta-feira, R$ 2,59 bilhões do orçamento das instituições
de ensino superior que estavam bloqueados, a situação da Universidade de
Brasília (UnB) é preocupante, uma vez que não houve repasse para investimentos
em pesquisas e projetos. O valor enviado à UnB, R$ 135,8 milhões, será usado
para sanar as despesas de custeio, como pagamento de pesquisadores, contas de
água e luz, auxílio para estudantes carentes, ou seja, recursos para o chamado
orçamento discricionário.
Segundo a UnB, esse montante
estava sob supervisão antes da liberação, ou seja, dependiam de autorização do
Congresso Nacional para serem utilizados e passarem a integrar a Unidade
Orçamentária (UO) da universidade. “No entanto, parte deles — cerca de R$ 2,2
milhões — não vieram do Tesouro, como estava previsto na LOA (Lei Orçamentária
Anual), mas, sim, do superavit que a instituição acumulou no final do ano
passado. Na prática, isso significa redução do valor do Tesouro anteriormente
previsto e prejudica ainda mais a capacidade de pagar despesas de
funcionamento. Além disso, R$ 34 milhões permanecem bloqueados, o que
representa 13,76% do total do orçamento discricionário da UnB, sobre o qual a
universidade tem poder de gestão”, explica a instituição, em nota oficial.
Para a professora de infectologia
Valéria Paes, que coordena projetos de combate à covid-19 na UnB, —
principalmente no Hospital Universitário de Brasília (HUB) —, o investimento
nas pesquisas é fundamental para gerações futuras. “Não é possível mensurar o
valor do conhecimento. Então, seria muito importante ter esses investimentos,
porque muitos deles não dão retorno imediato. É importante que um país invista
em conhecimento científico, uma vez, que é dessa forma que se cresce em vários
aspectos. O resultado vem ao longo do tempo, das gerações. A gente não pode
pensar tão matematicamente. São profissionais formados que se envolvem com os
trabalhos e que têm capacidade de desenvolver outros projetos no futuro”,
destaca a professora.
“Um aluno que participa de um
projeto tem vários ganhos: o conhecimento técnico naquele assunto que está
desenvolvendo; aprender a analisar um estudo científico; a resolver perguntas e
questões, o que ajuda na atuação profissional na área. Se tivermos mais recursos,
conseguimos ter mais alunos e gerar essa sensibilização para a pesquisa e para
o conhecimento científico”, acrescenta Valéria Paes.
Queda: Nos últimos cinco anos, a Universidade de Brasília
tem recebido cada vez menos investimento do Tesouro Nacional. Em 2015, o aporte
financeiro era de R$ 63,7 milhões. Em 2016, caiu para R$ 47,1 milhões. Depois,
o governo federal reduziu mais o apoio: R$ 24,6 milhões, em 2017; R$ 8,2
milhões, em 2018; R$ 5,1 milhões, em 2019; e R$ 5 milhões, em 2020.
No início da década de 2010, o
cenário era contrário. Em 2011, a LOA cedeu investimento de R$ 67,8 milhões à
UnB; caindo para R$ 22,4 milhões, no ano seguinte; e ficando em R$ 36,9
milhões, em 2013. Em 2014, a instituição recebeu R$ 45,8 milhões do governo
federal.
Até 7 de maio deste ano, o recurso
estava cortado pela Lei Orçamentária Anual. Desta forma, a instituição diminuiu
em 4,6% os recursos na fonte do Tesouro para o pagamento de despesas de custeio
ou discricionárias, o que inclui gastos como água e energia, além da concessão
de auxílios para os estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Impactos: A pandemia trouxe desafios para diversas áreas, e
iniciativas tiveram de ser suspensas. O projeto Direitos na palma da mão,
coordenado pela professora de direito da UnB, Debora Bonat, espera apoio
financeiro. O objetivo é divulgar conhecimento sobre direitos básicos, como
acesso a hospitais e unidades básicas de saúde (UBSs), por meio de um
aplicativo.
“Quando a gente fala em bolsa, por
exemplo, é o pagamento de salário do aluno. As pessoas estão dedicando parte da
vida ao comprometimento com a ciência e formulação das pesquisas. Então, quando
há uma diminuição de verbas para pesquisa, faz com que os alunos também tenham
que abandonar os ensaios que participam, porque têm que auxiliar na
sobrevivência da família, e eles próprios precisam se manter. Então, a gente
acaba perdendo pesquisadores, pois não temos dinheiro para investir nesses
alunos. Quando esse aluno termina a sua graduação ou pós e desponta no mercado,
traz tudo aquilo que foi desenvolvido na universidade. Também é uma forma de
devolver à sociedade todo o investimento que está sendo trabalhado na forma de
pesquisa”, avalia a professora de Direito da UnB.
Debora destaca que o investimento
deve ser contínuo para estimular que as pesquisas sejam concluídas com mais
qualidade. “Quando você está em um contexto de pandemia, está trabalhando com
algo desconhecido, então precisa ter uma forte iniciativa de pesquisa para
poder controlar as causas e consequências e a melhor forma de intervenção, para
que, no caso da pandemia da covid-19, tenha a solução mais adequada e rápida
possível. É muito difícil formar, por exemplo, um grupo de pesquisadores que
trabalhem de maneira adequada juntos e que possuam laboratórios. O incentivo à
pesquisa, no Brasil, tem que ser contínuo”, ressalta.
A UnB esclareceu que trabalha para
alocar os recursos para trazer o menor impacto possível para as atividades
acadêmicas e administrativas. A instituição informou que busca, junto à
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), ao Congresso Nacional e a outros interlocutores, construir
alternativas para recomposição do orçamento de 2021 para níveis compatíveis com
as leis orçamentárias anteriores, com, pelo menos, a devida atualização dos
valores da inflação.
Em nota, o Ministério da Educação
(MEC) diz que “está atento à situação que preocupa suas unidades vinculadas e,
na expectativa de uma evolução positiva do cenário fiscal, seguirá envidando
esforços para reduzir o máximo que for possível os impactos na LOA 2021”.
Pedro Marra – Foto: Ed Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense