Os gestores e a
clientela dos bares e restaurantes de diversas partes do país ficaram chocados
com um comercial do Itaú, postado no YouTube e Instagram. No vídeo, mostrava-se
a sequência de garçons chamados por um casal recém-acomodado em uma das mesas
do restaurante. Cada um dos garçons, que atendia ao aceno do casal, dizia ao
par de clientes que aquele tipo de pedido estava a cargo de outro garçom. O
recado do filme: no Itaú, é diferente; todos estão prontos para atender todos
os pedidos.
Assim que, nas redes
sociais, generalizou-se o repúdio ao filme publicitário, logo recebi a ligação
telefônica da direção de marketing do Itaú. Como presidente da Abrasel e porta-voz
do setor, ouvi o reconhecimento do erro. Do diretor do banco ouvi, também, as
manifestações de solidariedade a um dos segmentos mais castigados pela
pandemia. Expus-lhe, então, as vicissitudes pelas quais temos passado desde
fevereiro de 2020. Fui muito bem atendido e compreendido.
Pois, no dia seguinte
(4 de junho) àquela conversa, noticiou-se que o banco havia retirado a campanha
das mídias sociais. E mais. Quatro dias depois (8 de junho), o Itaú
manifestou-se institucionalmente, veiculando nos jornais a mensagem intitulada
“Bares e restaurantes: nosso pedido de desculpas”. Ficou evidenciado que, na
verdade, ocorreu um baita escorregão interno. Mas, de forma transparente e
sincera, admitiu-se o erro, sem que o banco se colocasse na defensiva.
Este infeliz episódio
acabou lançando uma luz diferente sobre um dos graves passivos nacionais, que é
o da baixa percepção de nossa sociedade quanto aos valores propiciados pelos
bares e restaurantes. Ou seja: aí situamo-nos na contramão do que ocorre nas
nações mais desenvolvidas. Prova disso é que, em 77 países, conforme
diagnosticou o Banco Mundial, os governos oficializaram recursos a fundo
perdido a empresas (destacando-se os bares e restaurantes) que estavam sendo
levadas à falência pela pandemia e pelos fechamentos obrigatórios (lockdowns).
A retratação
institucional do Itaú representa um valioso e pedagógico reconhecimento quanto
ao papel dos bares e restaurantes para a formação do capital social brasileiro.
Na mensagem veiculada pelo banco, mencionou-se a função do nosso setor em favor
da coesão comunitária. Eis um trecho da mensagem do Itaú: “É nos restaurantes e
nos bares que fazemos novas amizades, reforçamos vínculos, nos encontramos com
os outros e com nós mesmos, criando lembranças que nos acompanham pela vida”.
É preciso, a
propósito, que se ressaltem alguns dos muitos outros impactos sociais positivos
advindos do setor da alimentação fora do lar. Os estabelecimentos do setor
representam o principal fator de segurança pública. Quando o comércio encerra o
expediente, no início da noite, os bares, lanchonetes, cafés, bistrôs e
restaurantes permanecem abertos. São eles os maiores ativadores da vida urbana.
A principal vigilância de uma cidade naturalmente vem do olhar dos passantes.
Os marginais preferem atuar em ruas desérticas.
Os bares e
restaurantes constituem-se, também, nos maiores geradores do primeiro emprego,
especialmente aos jovens de baixa renda, que se defrontam com enorme
dificuldade de encontrarem vagas no mercado de trabalho. Seja atuando como
auxiliares de cozinha, no salão de atendimento ou revezando-se em diferentes
áreas do negócio, pouco a pouco absorvem amplo leque de conhecimentos e
atitudes, desde a boa apresentação pessoal, a cortesia, o trabalho em equipe, o
senso de hierarquia, o crescente uso dos meios eletrônicos digitais, as noções
básicas de gerenciamento.
Em todo o mundo — e
sobretudo nos países em que o setor da alimentação fora do lar mais se
desenvolveu — é comum os jovens conciliarem o estudo com trabalhos temporários
em um quiosque ou em uma cafeteria. A legalização do contrato de trabalho
intermitente estendeu aos estudantes brasileiros a possibilidade de combinar o
emprego com as atividades escolares. E mais: bares e restaurantes são um
viveiro de empreendedores. Frequentemente, sabe-se de um funcionário do
atendimento no salão que resolveu montar o seu pequeno self-service ou um
trailer para a venda de sanduíches.
Sobretudo nestes
tempos de crescente individualismo, os bares e restaurantes propiciam as
interações entre pessoas de diferentes profissões, origens socioeconômicas,
preferências políticas ou partidárias, ampliando-se os relacionamentos e os
horizontes da democrática arte cívica da conversa.