Há 30 anos, o Hospital Regional da Asa Norte (Hran)
era palco de uma Vitória, não só para o casal José Reis e Mariângela Caron, mas
também para muitos pais do Distrito Federal. Em 5 de julho de 1991, nascia ali
Vitória Caron Reis, a primeira bebê de proveta de Brasília. Exatamente três
décadas depois, a hoje advogada olha para a história com orgulho e admiração
pelo desejo dos pais de terem uma filha. “É algo muito interessante. Eu sempre
conto e todo mundo acha legal. Meus pais são superemocionados com essa
história”, conta.
O procedimento foi feito em São Paulo (leia
Fertilização in vitro), mas os pais fizeram questão de que a menina nascesse em
Brasília, para que o parto fosse realizado pelo obstetra do Hran Eduardo Jorge
Vinagre (já falecido), que era um grande amigo da família. “Eles ficaram meses
morando em São Paulo, na casa de uma amiga da minha mãe, tomando milhões de
injeções para fazer o procedimento. O parto precisava ser feito pelo doutor
Vinagre. Eu dizia que ele era meu pai de umbigo”, conta Vitória. O pai, José
Reis, lembra que foi exatamente o médico que convenceu o casal a fazer o
procedimento. “A gente ficou em dúvida, tanto é que demorou para fazermos.
Ficamos pensando. Fomos para Brasília, e esse meu amigo, o doutor Vinagre, nos
estimulou”, lembra.
A mãe de Vitória, Mariângela Caron, lembra com
orgulho da decisão tomada depois de várias tentativas frustradas de engravidar
devido à endometriose e à doença das trompas. “A chance de engravidar era
pequena, mas a vontade era grande. Estávamos há 10 anos esperando. Foi um
tratamento difícil, eu tive problemas hormonais, mas foi maravilhoso. Foi uma
experiência gratificante. Eu recomendei na época e continuo recomendando. É a
Vitória da nossa vida, o nosso prêmio. Ela é o clone do pai, de mim não tem
nada”, brinca. Ela guarda com orgulho as reportagens publicadas na época do
nascimento, inclusive matérias do Correio.
Para Mariângela, todo o processo transcorreu tão
bem porque ela encarou a situação de forma muito natural. “Eu sou muito
tranquila, acho que isso ajudou. Eu fiquei grávida de cinco, porém só a Vitória
sobreviveu. Essa expectativa é dolorida, mas não é uma ansiedade”, explica.
Outro ponto que ajudou foi o suporte dos amigos. “Nós morávamos em Brasília e não
tínhamos família perto, mas o apoio dos amigos foi maravilhoso. A Aeronáutica
acaba sendo uma família. Para a minha mãe, eu só contei depois de grávida,
porque ela não queria que eu sofresse e eu não quis que ela passasse por esse
estresse, mas ela me deu todo apoio”, lembra. Dois anos depois, Mariângela
repetiu o procedimento, mas não deu certo.
Para José Reis, o desejo de ter uma filha foi uma
conquista sem precedentes para a família. “É uma história de sucesso renovada a
cada dia. Eu sou muito feliz com a nossa opção. Quando você quer algo, você se
empenha mais. A responsabilidade pela conquista é maior e é muito
recompensador”, detalha. (A bebê Vitória e os pais Mariângela Caron e José
Maria Reis)
Procedimento popular: Há 30 anos, eram
poucos os bebês gerados por fertilização in vitro no Brasil. O primeiro que
nasceu no país foi em 1984, em São José dos Pinhais (PR). No mundo, a primeira
criança de proveta nasceu em 25 de julho de 1978, na Inglaterra. A rede pública
de Brasília só foi fazer o procedimento em 1999, quando nasceram os gêmeos
Allyson e Alanny, gerados no Centro de Reprodução Assistida da Secretaria de
Saúde.
A Sociedade Europeia de Reprodução Humana (SERH)
estima que, anualmente, nasçam no mundo meio milhão de bebês dessa forma. No
Brasil, segundo dados do 13° Relatório do Sistema Nacional de Produção de
Embriões (SisEmbrio), feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), a fertilização in vitro vem crescendo ano a ano. Em 2019, foram
realizados 43.956 ciclos de fertilização, o que representou um crescimento de
mais de 800 ciclos em relação ao ano anterior. No DF, o procedimento é
oferecido pela rede pública. Para ter acesso, basta procurar a unidade básica
de saúde (UBS) mais próxima. De lá, a paciente é encaminhada para um hospital e
depois para a Unidade de Reprodução Humana do Hospital Materno Infantil de
Brasília (Hmib).
Fertilização in vitro: O procedimento para o nascimento de Vitória
foi feito pelo obstetra Vicente Mario Izzo, professor da Clínica Ginecológica
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), um dos pioneiros
no estudo e no tratamento da Infertilidade, e pelo ex-médico Roger Abdelmassih,
pioneiro em reprodução humana no Brasil, que foi preso em 2009 e condenado a
181 anos pelo estupro de 37 pacientes. As denúncias são de casos a partir de
1994. “Para mim foi um susto, porque na época ele nem era tão conhecido. E os
médicos foram superatenciosos comigo. Meu procedimento foi supertranquilo”,
conta Mariângela Caron, mãe de Vitória.