A minha janela é como um mirante para a vida em Brasília – ainda que seja
obviamente uma visão limitada e elitista. Foi olhando a copa das árvores e as
cenas do cotidiano na minha vizinhança que sobrevivi ao confinamento da
Covid-19 uns meses atrás. Sim, há vida lá fora e daqui a pouco eu continuo as
minhas andanças por essas quadras, descobrindo coisas inusitadas da cidade,
pensava. Flertei com o medo, o pânico e a ansiedade. Passou, mas na verdade não
passou totalmente. E é bom que seja assim.
Sobreviventes da Covid-19, além de uma tremenda
sorte, ganham de bandeja um novo prisma para olhar a vida. O imenso privilégio
de sobreviver à doença não nos dá o direito de ignorar o que realmente importa.
Amigos, por exemplo. Refletindo sobre a data boba (mais uma entre tantas) do
Dia do Amigo, lembrei-me de todos os que verdadeiramente caminham comigo nesta
vida.
De tudo que realmente vale a pena na tortuosa
trajetória por aqui, um amigo autêntico e leal é a sua melhor escolha e sempre
será sua boa lembrança. Ele te orienta, chora junto, ri alto, fala pelos
cotovelos, se queixa, briga, desfaz seus arroubos, te puxa para o lugar que
importa. Esse lugar, de forma muito frequente, é o da insignificância perante o
todo, o universo, o planeta, a transitoriedade, a impermanência. É quando
compreendemos a nossa natureza ínfima, porém igualmente especial no mundo, que
passamos a dar valor à vida. E amigos verdadeiros nos ajudam demais nesse
processo. É como se dissessem: “Ei, acorda, tá pensando que é o centro do universo?”
Perdi alguns amigos para a morte e outros para a
vida real – foram-se, simplesmente. Alguns são mesmo chuvas de verão. Duram uma
temporada e, diante da dureza dos dias e da convivência, fogem ao chamado real
da amizade. Mas têm os que ficam durante o vendaval, que resistem à sua chatice
e adoram seus defeitos.
Quem chegou a esta
Brasília sem companhia e adotou até a estranheza da cidade, amigos sempre serão
tudo. Você conta amigos em mais de uma mão? Que sorte! Eu sinto o peso gostoso
da lealdade de poucos, muito poucos. E deles eu não abro mão de jeito nenhum. O
Dia do Amigo é bobo sim. Sobreviver à Covid-19 é sorte sim. Mas as bobagens, as
sortes da vida, os perrengues, tudo me faz lembrar que ter amigos é a maior
bênção que existe.