Quando a comunidade
cuida. Conheça histórias de cidadãos brasilienses que zelam por ambientes
públicos para obter qualidade de vida e conviver de forma harmônica nas ruas da
capital federal
No Parque da Cidade, a Praça dos Semi-novos —
localizada em frente à administração local — tem um cuidado especial do aposentado
Rivaldo Guedes Cavalcanti, 85 anos. O espaço ganhou bancos, mesas para jogar
dama, flores e uma decoração especial, com frases escolhidas por Cavalcanti
para compor o espaço que carrega muitas histórias. O morador da Asa Norte conta
que, desde de 1998, frequenta aquele ponto que era destinado a práticas
esportivas para a população acima dos 55 anos. “Uma empresa de telefonia, com o
apoio da Universidade de Brasília (UnB), criou um grupo de corrida para idosos.
Tínhamos aulas de dança de salão, ioga e caminhada. Em 2000, o grupo foi
desfeito, e as atividades foram levadas para a UnB, mas, pela distância,
optamos por voltar para o parque e, em 2001, criamos o Semi-novos”,
relata.
O termo faz uma brincadeira com a idade dos
integrantes do grupo. “Quando se fala em carro velho, sempre tem o termo
‘semi-novo’. Você não vende um carro velho, vende um carro seminovo. Essa ideia
me inspirou a criar uma associação com o nome Semi-novo se referindo a pessoas,
uma forma alegre de banir a palavra velho”, conta Rivaldo. Com as atividades de
volta ao parque, surgiu uma proposta de transformar o ambiente onde a turma se
reunia para fazer exercícios em um espaço de convivência.
Pensando nisso, Rivaldo providenciou bancos para as
pessoas se sentarem embaixo da árvore e mesas para jogar dama. “Fizemos tudo
isso sem ônus para o Parque da Cidade. Tiramos do nosso bolso para criar esse
espaço, para nos reunir socialmente. Tomamos conta, e a única coisa que a gente
pede é para preservar”, destacou o empresário aposentado. “Agora, nem todos
podem vir, não só pela pandemia, mas muitos têm mais ou menos a minha idade.
Estão em casa, acamados, alguns doentes. Mas esperamos que, após essa pandemia,
a gente possa se encontrar novamente aqui”, pontua.
Aos brasilienses e turistas que passam pela praça,
as placas com frases criativas de Cavalcanti chamam a atenção, e muitos param
para tirar uma foto. “Isso me motiva: ver que as pessoas têm se encantado com
esse espaço. Às vezes, passo aqui e vejo famílias comemorando aniversário,
fazendo piquenique”, relata. A Associação Semi-Novos é composta por 17 membros
fundadores, sendo que dois deles faleceram. No entanto, o cuidado com a praça é
feito por Rivaldo Cavalcanti, que também adotou o ponto de encontro comunitário
(PEC) que foi instalado junto ao espaço.
Assim como o seu Cavalcanti, diversos brasilienses
se preocupam em manter o ambiente público agradável, ainda que isso ocorra de
forma independente. A aposentada Cleuza Biazuto, 70 anos, cuida da comunidade
Superquadra Sul 116 há 30 anos. Para ela, ver o grande parque, que é Brasília,
arrumado e limpo faz bem. “Eu sempre me empenhei em cuidar dos espaços
públicos, pois vivo neles também. Pagamos caro em impostos, mas a
responsabilidade de zelar é de todos, não só do governo. Cheguei a Brasília em
1979 e, desde então, tento cuidar ao máximo aqui da SQS 116. Ajudei a melhorar
o local de jogos para as crianças, com instalações de travas e, posteriormente,
ajudei na campanha para a construção da quadra de esportes. Tento cuidar ao
máximo da quadra como um todo”, conta.
Local que antes servia
para a prática de esportes tornou-se, também, um espaço de convivência para a
turma dos semi-novos
Durante a pandemia da covid-19, Cleuza se empenhou mais em zelar pelo espaço, por não poder frequentar a academia. “Agora, é necessário utilizar com mais frequência as áreas verdes e abertas, o que me motivou a aumentar o meu esforço, principalmente com as plantas e manutenção do PEC, onde eu realizo meus exercícios diários”, diz. Como voluntária do Conselho Comunitário da Asa Sul, a moradora solicitou a colaboração dos blocos, síndicos, comércio e usuários para a manutenção do espaço público e limpeza atrás dos blocos comerciais, principalmente da quadra de esportes.
Além disso, Cleuza mantém os aparelhos do PEC com
lubrificação, recolhe o lixo comum jogado no chão, organiza o lixo verde
espalhado pela quadra e cultiva diversas plantas para embelezamento, para
evitar que a enxurrada com terra desça para as bocas de lobo. Ela conversa com todos
para a conscientização de que a quadra é bem público e que deve ser
preservada.
Asa Norte: “Brasília é uma cidade viva, que
permanece em construção e com uma cultura que se transforma a partir do
movimento de pessoas”, diz Veridiana Canezin, 41 anos, moradora da Superquadra
215 Norte. O bairro tem uma arquitetura que lembra a de uma cidade verde,
porque mistura elementos da natureza, ilustrados por seus grandes jardins, com
os edifícios comerciais e residenciais bem distribuídos. A psicanalista e
professora universitária se preocupa com a conservação da área, a fim de manter
uma boa relação com os que residem ali.
“As necessidades dos moradores aparecem na vivência cotidiana do espaço público. Em 2016, me mudei para a SQN 215 com duas crianças pequenas, que estavam habituadas a utilizar os parques como espaço de brincadeira. Em conversas com mães e pais em circunstâncias semelhantes, identificamos a necessidade inicial de recuperar o parquinho da nossa quadra. A prefeitura estava desativada e, assim, coletivamente, organizamos uma série de ações para arrecadação de fundos visando à reforma”, conta a professora.