Mais mortes e menos
anos de vida. Versão final de estudo produzido em Harvard e publicado na revista
Nature Medicine mostra que expectativa de vida na capital federal teve queda de
2,25 anos em 2020 devido à covid-19 e pode cair mais 2,5 anos em 2021.
Diminuição foi a oitava maior registrada no Brasil
Com a pandemia de covid-19, o Distrito Federal foi
uma das unidades da Federação que registraram aumento significativo no número
de mortes por ano. E o impacto da crise sanitária vai além: afeta a expectativa
de vida da população. Segundo estudo da Escola de Saúde Pública da Universidade
de Harvard, nos Estados Unidos, o índice teve queda de 1,3 ano em todo o Brasil
em razão das infecções causadas pelo novo coronavírus. Na capital federal,
estima-se que a redução, em 2020, tenha sido de 2,25 anos — a oitava maior
queda absoluta entre os estados — saindo de uma expectativa de pouco mais de 78
para 76 anos. Em 2021, a projeção é de que a redução seja de 2,5 anos, de 76,6
para 74,1 anos.
A versão final do estudo, publicado na revista
científica inglesa Nature Medicine, mostra que a queda foi maior entre os
homens. Em 2020, sem a covid-19, eles poderiam viver, em média, até os 76 anos.
Agora, têm expectativa de vida de 73,5. As mulheres, com a pandemia, saíram de
uma projeção de mais de 82 anos para 80,45. Também houve redução na expectativa
de vida para pessoas com 65 anos. Neste quesito, o DF registrou a sexta maior
redução entre as unidades da Federação, de cerca de 1,6 ano — valor maior que o
declínio nacional, de menos de 1 ano.
Breno Adaid, pesquisador do Centro Universitário
Iesb, doutor em administração e pós-doutor em ciência do comportamento pela
Universidade de Brasília (UnB), explica que a expectativa de vida é calculada
por meio da média das idades de todos os óbitos registrados no período de um
ano. “Em um cenário normal, espera-se que pessoas mais velhas sejam a maioria a
morrer, por isso, o índice tende a aumentar ao longo dos anos”, diz.
Segundo ele, a redução da expectativa mostra que
pessoas mais jovens morreram ao longo do período em questão. “É uma redução
momentânea e reflete o aumento de mortes de pessoas mais jovens durante a
pandemia”, afirma. Para Breno, a projeção de queda maior para 2021 deve se
concretizar. “Principalmente por causa do mês de abril, que foi o mais letal da
pandemia para o DF até agora. De cada 100 pessoas infectadas, 5,3 morriam,
sendo que, em todo o ano passado, uma média de 1,7 de 100 vinham a óbito”,
completa.
Vítimas: Também devido à crise sanitária, o número total de mortes registradas por ano na capital federal apresentou alta significativa. De acordo com o Portal de Transparência do Registro Civil, em 2020, o DF registrou 18.360 mortes, cerca de 3 mil a mais do que no ano anterior. Em 2021, já são 12.245 óbitos — equivalente a uma média de 2 mil por mês.
Sabrina Alves, 37 anos, carrega o luto de uma
dessas mortes. A enfermeira viajou com a família em 21 de abril. Durante a
viagem, todas as 13 pessoas do grupo começaram a manifestar sintomas. Ao
voltarem para Brasília, em 26 de abril, todos testaram positivo para o novo
coronavírus. Um dia depois, o marido dela precisou ser internado. “O quadro
dele se agravou muito rápido. Foram 15 dias internado até vir a falecer”,
lembra a moradora do Sudoeste. Portador de comorbidade, o marido de Sabrina
morreu aos 43 anos. “Ele ainda não tinha sido vacinado. Acredito que, se o
processo fosse mais célere, ele poderia ter tido sintomas mais amenos”, conta.
Karla Christiane Cardoso, 45, também perdeu
parentes para a doença. No fim de maio, o primo, de 42 anos, e a tia, de 69,
testaram positivo para a covid-19. Em uma semana, o homem morreu e, alguns dias
depois, a mãe dele. “Foi muito traumático para a família, porque foi muito
rápido. Foram duas perdas próximas e nós éramos muito ligados”, conta a
servidora pública. Moradora de Samambaia, três dias após a morte dos parentes,
Karla se infectou com a covid-19. “Fiquei nove dias hospitalizada e foi um
baque para a família, pois havia um medo de um novo óbito. Eu tinha medo de
morrer. Lembrava do meu primo e da minha tia a todo o momento”, afirma.
Impacto: Para o epidemiologista e professor da
Universidade de Brasília (UnB) Mauro Sanchez, a redução da expectativa de vida
é esperada quando uma crise sanitária grave se instaura. “Quando isso acontece,
é normal que se tenha uma queda na expectativa, mas, geralmente, a sociedade
volta aos níveis anteriores relativamente rápido. Porém, isso não deve
acontecer em 2021”, destaca.
O especialista explica que, como a pandemia afetou
os serviços de atenção primária à saúde e acentuou desigualdades em todo o
país, a recuperação dos efeitos da crise sanitária deve ocorrer de forma lenta.
“Além disso, há relatos de consequências de médio a longo prazo das pessoas que
foram infectadas pela covid-19 e sobreviveram”, completa.
Para o professor, a
projeção de redução da expectativa de vida é um dado que deve chamar a atenção
da população e dos gestores públicos. “Esse panorama é preocupante. Neste
primeiro momento, a recuperação da pandemia não será tão rápida. Os efeitos vão
continuar a ser sentidos e o governo tem de se preocupar em fazer a sua parte,
assim como a população, que tem de se vacinar e continuar seguindo as medidas
não farmacológicas”, conclui.