Música de Athos
Na passagem dos 103 anos de Athos
Bulcão, a Fundathos exibe até hoje no Youtube o documentário Tela sobre tinta,
dirigido por Malu Martino. Certa vez, perguntaram como é que se entendia com
Oscar Niemeyer na integração arte-arquitetura, pois o arquiteto era ateu, e
Athos, religioso. Athos respondeu que nem ele era tão religioso assim, nem
Oscar era tão ateu. E, ademais, não estavam ali para discutir religião, mas,
sim, para fazer o que sabiam: estabelecer a integração entre arquitetura e
arte.
Não sabia a origem das bolinhas
coloridas nas pinturas dele. No documentário, Valéria Cabral lembra que Athos
lhe contou que elas nasceram da evocação dos tempos de estudante de medicina,
quando desenhava células, única atividade que apreciava no curso.
Athos foi forjado a partir da
experiência de Brasília; era auxiliar de Portinari nos painéis de azulejos da
Pampulha. Mas, com as colaborações nos projetos de Oscar Niemeyer e Lelé
Filgueiras em Brasília, ele inventou uma nova linguagem para o azulejo e para
os painéis de figuras, e se distinguiu na condição de um dos nomes mais
importante na integração arte-arquitetura na história da arte moderna.
Quem quer conhecer a arte de Athos
não precisa ir ao museu. Basta circular de carro em frente à pirâmide do Teatro
Nacional, embarcar no Aeroporto de Brasília, levar o filho às escolas das
superquadras ou passear pelo Parque da Cidade. Ele imprime um ritmo musical com
suas intervenções, destacam arquitetos e críticos no documentário.
Quando estava vivo, Athos sempre
dependeu da iniciativa dos amigos, pois era muito tímido. Depois de morto, o
seu legado permanece dependente da ação dos amigos. Infelizmente, embora a sua
arte esteja tão presente no cotidiano da cidade, ele não é reconhecido pelos
governantes.
Todas as vezes em que é
questionado sobre a razão de não conceder um terreno no Setor de Difusão
Cultural do Eixo Monumental para a Fundação Athos Bulcão, o GDF responde que a
Fundathos é uma “instituição privada”. Não é exatamente assim. A Fundação Athos
Bulcão, criada em 18 de dezembro de 1992, é uma entidade de direito privado,
sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública distrital, qualificada como
Organização da Sociedade Civil do Interesse Público — Oscip e certificada pelos
Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal.
É curioso como o governo local
adota dois pesos e duas medidas, conforme o interesse de ocasião. Acena com uma
legalidade que não consegue sustentar. Quando lhe apraz, envia máscaras
compradas pelos hospitais de Brasília para cidades do Piauí. Ou, então,
constrói o Museu da Bíblia quando o Teatro Nacional se deteriora a cada dia ou
quando Athos Bulcão ocupa a condição de sem-teto na cidade que ajudou a criar.
A lógica parece ser aquela
do “para os amigos, tudo; para os outros, o rigor da lei”. Eu me arriscaria a
dizer que, se algum instituto consultasse os brasilienses sobre a questão de
conceder ou não conceder um terreno para a construção da sede definitiva da
Fundathos no Eixo Monumental, a maioria esmagadora se manifestaria em favor de
Athos Bulcão.
O vídeo é uma prova da relevância
da Fundathos para a preservação e a difusão da obra de Athos Bulcão. Ele era
uma figura surpreendente; tímido, mas agraciado com talento para fazer obras de
interesse público. Como disse Vinicius de Moraes, “yo no creo em Athos
Bulcones, pero que los lay, los lay”.