O então presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) e o arquiteto Lúcio Costa (1902-1908) em visita ao local onde seria construída a Avenida Monumental de Brasília, em 11 de novembro de 1956. Posteriormente, a via foi batizada de “Eixo Monumental”.
Quando decidiu pela
mudança da capital, no final dos anos cinquenta, Juscelino Kubistchek, seguindo
os passos de José Bonifácio e, posteriormente, da Missão Cruls, não fazia a
mínima ideia de que o interior do país, nomeado de Planalto Central, onde
deveria ser fixada a nova capital, era em sua totalidade, formado pelo mais
delicado e sensível bioma de todo o continente. E mais ainda: era nessa região
que se formavam as principais bacias hidrográficas do país, responsável pela
maior parte do abastecimento de água do Brasil e reconhecida hoje como o berço
das águas ou a caixa d’água do Brasil.
Das oito bacias hidrográficas do país, essa região
é responsável pelo abastecimento de nada menos do que seis bacias, ou seja, sua
importância num mundo que parece caminhar para a escassez de água é vital para
os brasileiros. Obviamente que, naqueles tempos, não havia nem a discussão de
temas ambientais, nem tampouco preocupação com o fim dos recursos
naturais. Eram tempos de otimismo e de apelo exacerbado ao progresso, além de
outros temas inerentes daquele período, como o da integração nacional, capaz de
reduzir as desigualdades regionais, que, naquela ocasião, já era o grande
gargalo a impedir o desenvolvimento do país continental.
Por outro lado, havia ainda a questão de segurança
da sede administrativa do país, que seria amenizada com o afastamento do
litoral. Nesse quesito, contava ainda a importância que traria, para todos, o
estabelecimento de uma capital num ponto equidistante em relação ao país. Em
suma, eram essas questões que guiavam a decisão que tornou inquestionável a
transferência da capital.
No início da segunda metade do século XX, a
ecologia e as preocupações com o meio ambiente não eram sequer sonhadas. Mesmo
que fossem aventadas sua existência naquele ambiente, o apelo pelo progresso
era mais intenso e decisivo que tudo. Hoje é possível reconhecer que foi
justamente graças ao total desconhecimento de questões relativas ao meio
ambiente – e mais especificamente ao Cerrado, considerado hoje como o segundo
maior bioma brasileiro em tamanho, sendo também a mais rica savana do mundo em
biodiversidade –, que foi possível estabelecer a capital nessa região.
A movimentação de centenas de milhões de metros
cúbicos de terra, nos processos de terraplanagem, a abertura de estradas e vias
e infinitas obras de infraestrutura, para o estabelecimento daquela que seria a
mais moderna capital do país, fez desaparecer, num curto espaço de tempo, toda
a vegetação que havia nas áreas de construção de Brasília, com o assoreamento
de diversos córregos e veios de água e de nascentes.
Com essa “limpeza” do canteiro de obras, muitas
espécies de animais também foram mortos ou rumaram para outras áreas. Comum
naquela época era considerar as áreas ocupadas pela vegetação nativa como
campos feios e sujos e, por isso mesmo, passíveis de uma “limpeza” ou
substituição daquelas espécies por outras mais vistosas do ponto de vista de um
paisagismo artificial e importado de outras regiões.
O avião de Brasília, representado pelo desenho
urbano e revolucionário de Lúcio Costa, ao pousar no coração do Planalto
Central, trouxe para esse sítio, além do progresso que desejavam os políticos e
estrategistas daquele período, uma intensa e paulatina interferência em todo o
bioma da região, num processo que foi se intensificando ao longo dos anos,
conforme era consolidada a nova capital, com a ocupação de áreas sensíveis
ecologicamente.
Todo esse processo de ocupação ganhou ainda mais
intensidade com o passar dos anos, sendo enormemente acelerado a partir da
emancipação política da capital, quando o Distrito Federal foi, de certa forma,
abduzido pela esperteza de políticos locais com a ajuda de empreiteiros
gananciosos, formando uma turma que tem cuidado, nas últimas décadas, de dilapidar
o que resta de patrimônio ecológico do quadrilátero da capital, sob a égide
ainda de um progresso que nada mais é do que o avanço perpétuo da poeira.
Toda essa situação ganhou ainda mais impulso com
florescimento intenso do agrobusiness, que, ao expandir sua produção de
monoculturas pelos campos cerrados, literalmente, vem devastando todo o bioma
em torno da capital, para a produção de transgênicos destinados à exportação e
obtidos com largo emprego de pesticidas e outros venenos, muitos deles proibidos
no exterior, contaminando o solo e a água dessa caixa d´água do país cada vez
mais seca.
O que se vê hoje em torno da capital, que se pretendia exemplo para todo o mundo, é a desolação de descampados, com rios de pouca vazão, emoldurados pelo fogo, que nas épocas de seca, transformam-na numa região que arde e que vai sendo encoberta pelo pó e pela fumaça, o retrato acabado de um futuro que infelizmente chegou.