"Estamos vendo
que mais idosos estão internados, mesmo com esse período da vacinação. Esse
alerta já está vindo com a questão da terceira dose para os idosos e para quem
tem comorbidade. É uma avaliação que está sendo percebida pelos órgãos
competentes por conta desse alarme dos hospitais"
Dados da Secretaria de
Saúde mostram que, de 25 de agosto a 1º de setembro, morreram 62 pessoas com
mais de 60 anos em função da covid-19 no Distrito Federal. Entre 28 de julho e
4 de agosto, foram 37 óbitos nessa faixa etária. Ou seja, um aumento de 67%, considerando
os dois períodos analisados. Já o número de casos entre idosos teve alta de
32%. Em entrevista à jornalista Carmen Souza, no CB.Saúde — programa do Correio
em parceria com a TV Brasília —, a médica intensivista do Hospital Santa Marta
Adele Vasconcelos falou sobre o aumento da taxa de transmissão da covid-19,
mesmo com 30% da população imunizada com a segunda dose da vacina, além da alta
do contágio e da internação de idosos nos hospitais do DF. A médica reforçou a
importância de imunizar os idosos com a terceira dose e destacou que a
população deve manter os cuidados básicos após iniciar o ciclo vacinal, para
evitar novas ondas da doença.
Nessa semana, atingimos a marca de 10 mil mortes por covid-19 no DF. Temos também uma taxa de transmissão aumentando desde a semana passada. A pandemia não está sob controle, é isso? Não está sob controle e temos que manter os cuidados, principalmente o cuidado da comunidade. As pessoas, agora, estão se vacinando, e isso está levando muitos a viverem normalmente, o que pode aumentar a taxa de transmissão. A variante Delta está com um aumento progressivo no Brasil e no mundo, e existe a perspectiva de que ela venha ser a dominante pelos próximos três a seis meses. Então, é preciso manter os cuidados para que esse controle venha a acontecer. Estamos felizes com os avanços da vacinação, mas ainda está em 30% a taxa de vacinação da segunda dose, o que significa que não está sob controle.
Alguns médicos começam a dizer que, provavelmente pela variante
Delta, os idosos estão voltando aos consultórios e aos hospitais. A senhora
também tem percebido isso? Por um período, passamos um tempo com
uma quantidade maior de jovens internados do que de idosos, e agora está mais
ou menos igual. A maioria das vezes conseguimos dar alta, em casos moderados,
mas os mais graves estão começando a vir, e, geralmente são idosos com alguma
comorbidade, alguma doença prévia que chega a ficar mais grave e, inclusive, ir
a óbito mesmo vacinados. Esses casos são raros, mas têm aumentado ultimamente.
Estamos vendo que mais idosos estão internados, mesmo com esse período da
vacinação. Esse alerta já está vindo com a questão da terceira dose para os
idosos e para quem tem comorbidade. É uma avaliação que está sendo percebida
pelos órgãos competentes por conta desse alarme dos hospitais.
Temos um aumento de 67% de mortes de pessoas com mais de 60 anos
no DF. Isso é preocupante? É bem preocupante. Tem casos de todas as
idades, pacientes entre 20 e 30 anos internados em estado grave da mesma forma
que o idoso, que é mais frágil. O idoso que tem uma doença como fibrose ou
diabetes descontrolada, se pegar a covid-19, ele vai ter um caso mais difícil
de lidar e reverter. As famílias devem entender que o idoso não pode se reunir
com muitas pessoas sem máscara porque pode correr risco. O idoso precisa se
proteger mais. E, também, é preciso rever a política de vacinação em relação
aos idosos, por conta desse período que acabou a efetividade da vacina. O que
estamos presenciando agora são idosos, a maioria vacinados, voltando à
internação.
Aplicar a terceira dose de reforço nos idosos é mais estratégico
agora do que começar a vacinação dos mais jovens? Nesse momento, o
idoso é mais frágil do que o adolescente. A faixa etária de 12 a 14 anos —
estamos felizes por estar chegando nela — não é de pessoas que morrem. O idoso
vai lotar mais os hospitais, vai interferir em toda cadeia que temos na saúde
pública. Então, o benefício será maior se vacinar essa faixa etária primeiro.
No caso dos idosos vacinados, temos aquele processo do sistema de
defesa mais enfraquecido? O Lar dos Velhinhos, bem conhecido aqui no DF, passa
por um surto de covid-19, com a morte de idosos vacinados e com alguns
internados. Como isso acontece? É o sistema imunológico do idoso
que é mais frágil. Até que a resposta para a vacina seja reduzida, a produção
de anticorpos para a doença é bem menor. Vejamos um exemplo: as crianças têm
vacinas obrigatórias porque o sistema imunológico é mais potente, e o do idoso
não tem uma resposta tão boa. Sendo assim, a vacina não vai dar uma resposta
para o idoso do mesmo jeito que no jovem, que tem menos efeito colateral. A
maioria dos idosos tem comorbidades. Então, para os que convivem em ambientes
fechados, como os lares para idosos, a transmissão do vírus é mais alta, e a
variante Delta é muito mais perigosa, porque ela é mais transmissível. Então,
qualquer idoso que pegue uma simples gripe, ela pode se transformar em uma
doença fatal.
No balanço com dados deste mês, o número de idosos infectados
subiu 32%. Ainda que eles não cheguem aos hospitais, é um número alto? Isso
é um reflexo da forma que a população está encarando a pandemia agora. Estão
tomando a primeira dose da vacina e voltando a ter encontros com os amigos, e
tudo isso aumenta a taxa de transmissão. Enquanto não tivermos 70% da população
vacinada com a segunda dose, não teremos uma estabilidade.
Devemos voltar a fechar tudo novamente? Acredito que
não é o momento, até porque temos outros problemas sociais. Não sou a favor de
fechar tudo. O que deve acontecer é intensificar a vacinação, e que haja uma
preparação para o que pode vir, porque não se sabe sobre o comportamento dessas
variantes. Uma das piores coisas que tivemos na segunda onda foi achar que não
seria como no ano passado, e fecharam metade dos leitos e os hospitais de
campanha. Quando veio, tivemos que recomeçar tudo do zero.
Sabe-se que o vírus é letal e que os sobreviventes carregam
algumas marcas da doença. No caso dos idosos, quais são as principais
sequelas? A incapacidade de fazer algumas atividades básicas como
tomar banho, comer e andar. O idoso que fica internado diminui sua massa
muscular. Então, ele precisa fazer um trabalho de reabilitação nutricional e
física, fica incapaz de engolir e falar. Há alguns casos de dificuldades de
memória, e não só em idosos; em pessoas mais jovens também. Essa fadiga
pós-covid é uma queixa de todos. Mas o idoso tem mais dificuldade para fazer o
básico e precisa de ajuda. Há diversas queixas em relação à dificuldade visual,
audição, dores crônicas e musculares, que têm aumentado a busca por atendimento
na área de ortopedia. A covid-19 grave, a forma pulmonar, é severa em qualquer
idade. Casos mais leves também deixam fadiga e falta de memória, o que perturba
os jovens no dia a dia.
As vacinas avançaram, e a sensação que temos é de que, nos
tratamentos, falta descobrir muita coisa... Ainda precisa de muitos
estudos, mas houve um avanço muito grande. O corticoide, por exemplo, ajuda
bastante na fase inflamatória da doença. Tem a terapia da ventilação não
invasiva, do caetano de alto fluxo, muito utilizado na pediatria, e progrediu
para os adultos. Houve progressão em não precisar intubar o paciente porque há
outras terapias disponíveis, que conseguem reverter alguns casos. A própria
ECMO é uma terapia de última linha, que salva vidas. Ficamos com a impressão de
que esse tratamento não funciona por causa dessa experiência com o Paulo
Gustavo. Mas o paciente do Centro-Oeste que tratamos vive normalmente, teve
sequelas porque ficou 70 dias internado, mas ele viveu por ECMO mais de uma
semana. Então, conseguimos ver os benefícios e temos melhorado; a taxa de
mortalidade tem diminuído devido aos tratamentos.
As vacinas funcionam? Sim, funcionam. O paciente que
tiver uma doença pulmonar grave pode pegar uma gripe que vai piorar e pode até
morrer, mas é uma exceção. O paciente que tem uma doença pulmonar grave precisa
se proteger e evitar o contato com pessoas doentes.