Na infância e adolescência, andei muito pelo
cerrado e sempre ficava impressionado com a beleza extraordinária da caliandra,
que não tem medo do esplendor. Parece concentrar a resistência e a
singularidade do cerrado. Ana Miranda chama a caliandra de flor extraterrestre.
É isso mesmo, parece uma flor colhida em um jardim de algum planeta de outras galáxias transplantada para o cerrado mais bravo. Eu acho que, por contraste, combina muito bem com a arquitetura branca e espectral de Niemeyer.
Com o estilo direto, afetuoso e bem-humorado, Nicolas Behr escreveu um belo poema intitulado Caliandra, que, a um só tempo, celebra a flor cerratense e a escritora brasiliana: “É a flor preferida da romancista Ana Miranda. Sabendo disso, antes de uma palestra, botei um jarro sobre sua mesa. Até hoje ela não sabe quem as deixou ali. Mas desconfia.”
Em minhas andanças, de vez em quando, em um átimo, topava com uma caliandra, solitária e altiva no meio do descampado, misturada à vegetação agreste. Ela esplende com tamanha fulguração que dá a impressão de ser uma flor de fogo. Por aqui, o fogo se incorporou ao ciclo da vida de muitas plantas da região.
É como se a caliandra fosse um incêndio do cerrado que se transformou em flor. De longe, ela parece uma flor de fogo; mas, de perto, tem a delicadeza trêmula da penugem de um pássaro. Na minha insciência, eu imaginava que fosse rebelde e refratária aos jardins domésticos. Nada disso, ela se adapta muito bem.
Quando descobri, comprei uma caliandra vermelha e outra rosa, e plantei no quintal. A vermelha já viveu o ápice nos últimos dois meses, mas a rosa ainda não havia aflorado. Acordo cedo, pois faço tai chi chuan todos os dias, religiosamente ou marcialmente, às 6 da matina. Estava em dúvida sobre cinco temas para escrever. É a pior situação para o cronista. Fui até a porta de vidro da sala para ver a aurora brasiliana despontar e levei um susto.
Olhava com atenção para me certificar se eu havia mesmo acordado ou estava sonhando. Plantamos uma caliandra rosa no quintal. Na terça, havia uma meia-dúzia de flores mirradas. Mas, ao raiar do dia, cheguei até a porta e me deparei com umas 40 botões de caliandras, com suas agulhas delicadas.
Sempre que as miro lembro do verso de Rimbaud: “A estrela chorou rosa…” Era como se elas não aflorassem, mas, sim, em um átimo, da noite para o dia, se acendessem nos galhos. As caliandras me proporcionam instantes de beleza salvadora.