Para Brasília, com amor
Brasília é senhora de curvas sinuosas
e de estética atrevida. De mãos dadas com o céu azul, mar do cerrado, sua
arquitetura contraria a lógica e flerta com a razão. Na geometria rigorosa de
seu plano, a capital do Brasil mistura poesia concreta e versos formados em
esquadro e papel. Como não se apaixonar por sua amplidão, que entorpece os
olhos e cala a alma? Como não admirar o Lago Paranoá, que parece cortejar a
cidade e fica corado ao pôr-do-sol, qual namorado encimesmado ante tamanha
beleza? E a Catedral, qual templo que brota do solo e ergue os braços rumo ao
sagrado? Ou o Palácio do Planalto, que parece levitar no meio de uma obra de
arte sempre inacabada? O Alvorada surge no horizonte como miragem de linhas,
retas e segredos.
Brasília é antítese de si mesma.
Impávida e tímida, vaidosa e recolhida, romântica e bruta, formosa e crua. É
local de opulência e de ostentação, mas também de miséria e de sonhos. Brasília
é fé e misticismo. Baú de histórias da própria história do Brasil. Posses
presidenciais, protestos, impeachments. Terra de candangos que vieram em busca
de uma vida melhor. Da profecia de Dom Bosco e do Vale do Amanhecer. Das
tesourinhas e dos eixinhos. Das quadras espaçosas e dos pilotis protetores e
aconchegantes. Do Parque Dona Sarah Kubitschek e da Ermida Dom Bosco. Das
famílias que se sentam no gramado do Eixo Monumental, acima do Memorial JK,
para contemplar o crepúsculo e celebrar a amizade e a vida. Do Eixão do Lazer.
Dos vitrais mágicos do Santuário Dom Bosco. Dos olhares distantes da Flor do
Cerrado e da Torre de TV. De Lucio Costa, Burle Marx e Athos Bulcão.
Cheguei a Brasília em 2005. Sou de
Goiânia e, todo ano, vinha visitar a tia-avó Olga Bastos Serra, 96. Mulher de
fibra, uma das pioneiras da capital. Em 1967, fundou a escola Chapeuzinho
Vermelho, na 705/905 Sul. Eu me lembro que era criança, quando, depois de farto
café na casa da tia, pedia ao meu pai que passássemos pelo Eixo Monumental.
Recordo-me do profundo respeito e do patriotismo que sentia por visitar a
capital do Brasil. Aínda criança, Brasília tocava meu coração. Lá fora, muita
gente tem uma visão distorcida desse tesouro encravado no Planalto Central.
Pessoas que acreditam que Brasília é antro de corrupção e descalabro, sinônimo
de roubalheira e desmandos.
Brasília é mãe que abraça a todos os
brasileiros. Políticos, corruptos ou não, mas também gente honesta,
trabalhadora, ética. Impossível não se apaixonar por uma obra prima do
urbanismo e da arquitetura arrojada e moderna. O legado de Oscar Niemeyer
ressoa mundo afora. Estrangeiros visitam os monumentos e não conseguem esconder
a perplexidade. Sim, nós, brasilienses de nascimento ou adotados em algum
momento da vida, temos a sorte de admirar tanta beleza. De nos apaixonar por essa
sexagenária de curvas sinuosas e de estética atrevida.