Quando você chegou por aqui?
Sou de uma época em que a pessoa usava essa frase como ponto de partida para
uma conversa. A maioria havia chegado de algum lugar, e o tempo de casa era uma
espécie de credencial para excelentes histórias. O pioneirismo era, para mim, e
continua sendo uma fascinante vantagem, que nos faz viajar pelo tempo e
imaginar Brasília pouco a pouco, sendo construída e reconstruída. A cada
década, os nomes dos restaurantes na ponta da língua, as quadras que iam
crescendo, as cidades surgindo ao redor daquele avião de concreto a rasgar o
cerrado.
Brasília é um grande portal de
histórias, contadas por sua gente e por muitos arquivos privados e públicos.
Temos o privilégio, aqui no Correio, de guardar um dos mais valiosos acervos
sobre a capital criada por Juscelino Kubitschek. O fato de o jornal ter nascido
no mesmo dia da inauguração da capital reforça a responsabilidade de ser uma
espécie de guardião de causos, contos, nomes e trajetórias. Somos, fomos e
seremos testemunhas de muitos “tempos” de Brasília. Cumprimos, todos os dias,
nosso dever e nossa paixão de levar toda essa narrativa ao público leitor,
qualquer que seja o meio.
Eu já tenho mais tempo de vida em
Brasília do que em Recife, onde nasci. Com filhos e neta brasilienses, já
guardo um baú de memórias afetivas que não contam só a trajetória da minha
família em solo candango. Narram uma cidade em movimento. Fotos já amareladas,
páginas de jornal destacadas, fitas cassetes guardadas... Você também deve ter
muita coisa em sua caixinha de afetos.
Cada um de nós é um biógrafo de
Brasília. Trabalhar em um lugar que permite e favorece esse compartilhamento de
informações, contribuir para a disseminação de conteúdo histórico e a guarda de
um arquivo tão importante para a cidade, é, para mim, um privilégio. O Correio
é, antes de tudo e acima de tudo, um depositário fiel dos 61 anos da capital
brasileira.
Não faltam exemplos para confirmar
a intimidade deste veículo com a cidade. Passaram por esta Redação
personalidades e profissionais que, com seu talento extraordinário, brindaram
as páginas deste diário com temas relevantes para a capital federal. Falo de
gente como Glauber Rocha, por exemplo, que compartilhava sua genialidade nas
artes cinematográficas com jornalistas e editores do Correio, além da classe
artística da capital nos anos 1970. Posso citar ainda Gilberto Dimenstein,
repórter que descobriu muito jovem a excepcional habilidade de desbravar o que
ficou conhecido como jornalismo investigativo. Mais recentemente, recordo de
minha grande amiga Valéria Velasco, jornalista brilhante e mãe que entrou para
a história brasiliense por levantar uma bandeira atual em 2021: a violência e a
intolerância.
Como repórter deste jornal, tive a
oportunidade de testemunhar momentos importantes para o Correio e para
Brasília. O coração fica mais apertado e feliz quando lembro de memoráveis
conversas – seja com o gravador ligado, seja desligado — com personalidades
como Maurício Correa, Ozanan Coelho, Aloyzio Campos da Paz, Oscar Niemeyer.
Por alguma razão que ainda
desconheço, meu destino está ligado a Brasília. Construí minha vida nesta
cidade e espero continuar a fazê-lo por muitos anos. E, por outra razão ainda
misteriosa para mim, minha vida permanece ligada a este irmão de Brasília
chamado Correio. Esse mistério brasiliense é que alimenta minha paixão por esta
cidade, por este jornal.