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PESQUISA » Divórcios em queda no primeiro ano da pandemia

Divórcios em queda no primeiro ano da pandemia. Levantamento divulgado ontem pelo IBGE revela que separações de casais diminuíram em 2020, na comparação com 2019. Distrito Federal e Brasil registraram menos demandas judiciais. Por outro lado, pedidos nos cartórios apresentaram crescimento

 

A quantidade de divórcios registrados no primeiro ano da pandemia diminuiu no Distrito Federal, na comparação com 2019. O dado consta do levantamento Estatísticas do Registro Civil, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em um ano de crise global, a queda teria decorrido, principalmente, de uma menor demanda por separações na esfera judicial. A suspensão das atividades presenciais nos órgãos públicos seria um dos fatores que contribuiu para esse cenário, segundo o órgão de pesquisa.

 

Na primeira instância, a quantidade de divórcios concedidos pelo Poder Judiciário apresentou a maior redução: de 4.648, em 2019, para 3.256 no ano seguinte — queda de 29,9%. Por outro lado, em âmbito extrajudicial, em cartórios, o número aumentou 5,8%, de 2.092 para 2.213, no período considerado. Um dos destaques do levantamento é que a maioria dos casamentos (54,6%) durou menos de 10 anos e envolvia regime de comunhão parcial de bens.

 

Joel de Oliveira Souza, 31 anos, enquadra-se no perfil da pesquisa. Após um relacionamento de três anos e um casamento de cinco meses, ele e a ex-companheira decidiram seguir caminhos diferentes na vida. Os dois se separaram em março de 2020, no momento em que a covid-19 chegava ao Brasil. “No (período de) namoro ou noivado, nós morávamos em casas diferentes, e ela ficava comigo alguns dias do fim de semana. Quando começou a pandemia, fui demitido e, a partir daí, ficamos muito tempo juntos. Acho que não tínhamos maturidade suficiente para casar. Talvez, poderíamos ter ficado mais tempo nos conhecendo, entendendo e superando algumas questões”, relata o vendedor.

 

No DF, o tempo médio entre a data de casamento e de publicação da sentença ou entrega da escritura do divórcio era de 12 anos, em 2020. No entanto, no caso de Joel e da ex-esposa, o processo ocorreu bem mais rápido. Em uma semana, os dois estavam com os papéis assinados. “Era uma quinta-feira quando entreguei os documentos ao advogado. Na segunda-feira, firmamos a separação”, conta o morador de Taguatinga Sul. “Sobre o casamento, acho que fiz o certo. Mas, depois que finalizamos tudo, eu me senti bem melhor. Sem pressão, sem estresse”, completa.

 

Advogada na área familiar, Brenda Cecília Viana Fernandes destaca que as causas para o fim de um casamento são variadas nos casos que analisa. Em uniões de menos tempo, elas incluem expectativas frustradas, dificuldades de comunicação e ciclos não concluídos com relacionamentos passados. Entre casais de longa data, os motivos mais comuns envolvem desgaste da vida a dois, infidelidade, crise financeira e violência doméstica. “Há outros momentos, como os primeiros dois anos de casados, que são uma fase de adaptação, ou a chegada de filhos, pois há uma mudança de foco do casal para uma criança”, comenta.

 

Percepções: Técnico do IBGE, Christiano Raposo considera que a diminuição de quase 19% no total de divórcios no DF, entre 2019 e 2020 (leia Separações), tem relação com as dificuldades na coleta de dados de divórcios nas varas de família, cíveis e nos fóruns judiciais, onde os servidores adotaram trabalho remoto. “Não há certeza de que a produção de sentenças continuou com o isolamento social. Muitos processos podem ter sofrido atrasos nesse período, o que pode ter ajudado a reduzir o número de separações no primeiro ano da pandemia. Além disso, em função dessas dificuldades (da crise sanitária), alguns casais podem ter adiado o início do processo, principalmente os judiciais”, ressalta.

 

Casada por 18 anos, Eunice França, 41, enfrentou a separação naquele ano. Entre os fatores que funcionaram como gatilho para a decisão estava a convivência na pandemia. “Na situação que o mundo vivia, eu me sentia muito vulnerável e, ao mesmo tempo, forte para tomar decisões importantes. O insight veio em um momento de muita solidão. A crise sanitária me fazia perceber a dor do vazio de estar reclusa. E, com mais tempo em casa, todos os pontos negativos da relação ficaram mais visíveis, notórios e cotidianos”, detalha a moradora de Sobradinho.

 

Supervisora no Senado Federal, Eunice conta que o tempo desde o contato com o advogado até a finalização dos trâmites levou cerca de três meses. Um dos fatores que facilitou esse andamento — e que, atualmente, tem agilizado ações na Justiça — foi a possibilidade de as audiências ocorrerem pela internet. “Não tive dificuldades, até porque a decisão de me divorciar por todos os fatores pessoais e emocionais era certa. Nesse período, fui orientada e acompanhada em relação aos meus direitos, o que facilitou todo o processo, tanto emocional quanto judicial”, diz.

 

Hoje, um ano e meio depois da separação, Eunice reconhece que o divórcio envolve uma forma de luto e compartilha uma reflexão com quem precisa passar pelo fim de uma parceria séria como o casamento: “Todo luto demanda tempo (para recuperação). Não será hoje que você voltará a frequentar festas, a sorrir para a vida, a ser leve e desimpedido. Esses dias chegarão, mas, também, dê ao luto o tempo necessário. A tristeza precisa ser vivida, não sufocada. Caso contrário, ela cria raízes e vira mágoa”, pondera.

 

Critérios: No Brasil, o total de divórcios registrados em 2020 teve a maior redução da série histórica, com início em 1984. Foram 331.185 separações, 13,6% a menos do que em 2019. Os números levam em conta os casos judiciais e extrajudiciais (leia Para saber mais). O início do isolamento social provavelmente impactou os resultados que envolvem o Poder Judiciário, segundo o IBGE. 

 

Entretanto, levantamentos do Colégio Notarial do Brasil — instituição que representa os cartórios de notas do país — apontaram alta nos divórcios em 2020. E o estudo do IBGE atesta esse cenário: as separações fora das cortes tiveram alta de 1,1% naquele ano, que terminou com 81.311 registros desse tipo. 

 

Gerente da pesquisa Estatísticas do Registro Civil, Klívia Brayner acredita que o leve aumento tenha relação com a situação de casais que procuraram os cartórios devido às dificuldades de acesso às varas da Justiça na pandemia. “(Além disso,) há critérios para que os divórcios extrajudiciais ocorram. Eles precisam ser consensuais e, na maioria dos estados, não são feitos quando o casal tem filhos menores de idade”, enfatiza.

 

Sobre o fim dos casamentos nesse período, a advogada Brenda Cecília Viana acredita que o estresse tenha peso para a decisão. “As famílias precisaram viver socialmente isoladas, muitas vezes em um lugar pequeno, e obrigadas a trabalhar de casa, sem condições adequadas e com crianças em aulas on-line. O desgaste da vida a dois se intensifica”, observa.

 

Para saber mais: Judicial versus extrajudicial ~~ O processo de divórcio pode ocorrer de duas formas, pela Justiça ou fora dela. Para cada uma delas, a legislação reserva requisitos, segundo Marcos Rafael de Araújo Vieira, advogado especialista em direito da família. A separação extrajudicial, aquela que ocorre nos cartórios, é viável quando ambos os cônjuges estão de acordo quanto à decisão, a divisão dos bens e quando eles não têm filhos com menos de 18 anos.

 

O processo em nível judicial se dá quando um dos envolvidos não concorda com a separação, com a divisão de bens ou quando os dois têm filhos. O especialista recomenda que, nesses casos, os envolvidos escolham bons profissionais da advocacia e que, se possível, decidam juntos quanto ao divórcio, à cessão de itens do casal e à guarda das crianças ou adolescentes.


Arthur Ribeiro - Carlos Silva - Correio Braziliense 


 


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