É preciso aprofundar os avanços
Inegáveis avanços na legislação brasileira de
enfrentamento à violência contra a mulher podem ser comemorados neste 8 de
Março de 2022. Há exatamente um ano começava a tramitar no Congresso Nacional o
Pacote Basta, que, aprovado em tempo recorde, alterou o Código Penal e a Lei
Maria da Penha para criminalizar a violência psicológica contra a mulher,
instituir o programa de cooperação Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica,
e, principalmente, tornar mais rígidas as punições para crimes cometidos contra
mulheres.
A partir de proposição legislativa sugerida pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), o presidente da República sancionou a Lei nº 14.188, de 28
de julho de 2021 — iniciativa que demonstra que o único caminho para a reversão
do cenário catastrófico é a parceria entre Judiciário, Legislativo e Executivo.
Juntos, os Três Poderes podem fazer ecoar, cada vez mais, a voz dos cerca de
109 milhões de brasileiras, que, apesar de corresponderem a 52,2% da população,
estão longe de ocupar os espaços de poder.
Como primeira mulher a presidir a AMB em 70 anos de existência da instituição,
tenho buscado honrar a posição implementando ações que contribuam efetivamente
para o fim da violência doméstica — verdadeira chaga social, agravada com o
confinamento imposto pela pandemia. Levantamento do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) indica que, em 2020, uma em cada quatro brasileiras
acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência.
Por essa razão — e porque o Brasil, segundo o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), é o quinto país com mais feminicídios
no mundo — levamos a cabo, ainda antes da apresentação do Pacote Basta, a
campanha Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica, que incentiva mulheres
vítimas de abusos, ameaças e agressões a pedir socorro com um X na palma da mão
em estabelecimentos de acesso público, como farmácias, shopping centers,
agências bancárias e repartições públicas.
Com a transformação do projeto em lei federal, o poder público, em suas diferentes
esferas, tem realizado campanhas de conscientização permanentes. Muitas vezes,
fragilizadas emocionalmente e dependentes financeiramente, mulheres agredidas
se veem impedidas de se afastar dos companheiros, cativas de um círculo vicioso
que, no limite dos ataques, pode transformá-las em vítimas de assassinato.
O que foi conquistado até aqui é consistente. A baixa representatividade
feminina na Câmara e no Senado (apenas 15% das bancadas é formada por deputadas
e senadoras) não impediu êxitos relevantes como a criação do tipo penal de
violência psicológica contra a mulher; o que nos leva a refletir também sobre o
papel fundamental que os homens — a maioria denro das casas legislativas —
precisam desempenhar: não há combate à opressão sem a transformação dos que a
praticam cotidianamente.
Do ponto de vista do Judiciário, para vencermos a discriminação, é necessário
estabelecer a paridade de gênero nas bancas de concursos para a magistratura. É
ultrajante perceber que, a despeito de, nos últimos anos, ter crescido a
quantidade de mulheres aprovadas nos certames para ingresso na carreira, o
mesmo não tenha ocorrido nas escolhas dos nomes para as instâncias superiores.
Isso acontece, em grande medida, porque as seleções obedecem a critérios
subjetivos, pendendo sempre para a predominância masculina.
Para além de uma pauta meramente identitária, o embate com o machismo deve ser
encarado como questão humanitária, essencial e imprescindível para a obtenção
da tão almejada igualdade entre os sexos. Menos flores e mais vontade política.
Afinal, essa é uma luta de todos e para todos.
Que em 2022, quando se comemoram os 90 anos do direito ao voto feminino no
Brasil, o Dia da Mulher tenha o poder de despertar — mais do que o
cavalheirismo de ocasião disfarçado em pétalas de rosas ou cartões perfumados —
a consciência de fato da sociedade para a luta concreta contra esse problema
crônico, e mundial, denominado violência de gênero.