Indiscutivelmente, Renato Manfredini Jr., o Renato Russo, é o grande
nome originário da música brasiliense. Para muita gente, ele está no mesmo
patamar alcançado por Raul Seixas e Rita Lee no rock brasileiro. O certo é que,
historicamente, ninguém desse segmento vendeu mais discos do que a Legião
Urbana, banda desfeita há 26 anos, após a morte do seu criador, líder,
vocalista e principal compositor.
No último domingo, Renato faria 62 anos. Com frequência, me perguntam ao
que ele — se ainda fosse vivo — estaria se dedicando artisticamente. Não fui
próximo do autor de canções que se tornaram clássicos como Geração Coca-Cola,
Eduardo e Mônica, Índios, Faroeste Caboclo, Tempo perdido e Pais e filhos, mas
tínhamos ótima relação profissional. Fiz entrevistas com ele em várias
oportunidades e em diferentes locais. As conversas não tinham como assunto
apenas a música, pois o via como um intelectual, capaz de discorrer com
propriedade também sobre cinema, literatura e questões diversas.
Arrisco-me afirmar que, aos 62 anos, Renato estaria escrevendo livros,
criando roteiro para filmes e, eventualmente, compondo músicas com letras de
temática político-social, nas quais se insurgiria contra os desmandos dos
detentores dos podres poderes, que, com obstinação, tentam levar a cultura
brasileira ao caos. E não apenas a cultura. Ele que já havia inserido versículo
de Corintos — um dos capítulos da Bíblia — em Monte Castelo; certamente se
inspiraria em recente episódio, envolvendo o então ministro da Educação e
pastores evangélicos para compor uma música que faria referência a quem Jesus
Cristo, no Evangelho de São João, chamou de "vendilhões do templo".
Sempre tive uma ligação maior com a MPB, o que não me impediu de
acompanhar a trajetória de Renato desde 1983, quando a Legião se apresentou na
Temporada de Rock, evento que ocorreu no auditório da Associação Brasileira de
Odontologia, na L2 Sul. Dias antes, havia feito a primeira entrevista com o
futuro ídolo. Às vésperas de a banda lançar o LP de estreia, fui assisti-lo na
Sala Funarte, onde ele abriu o show da cantora paulistana Cida Moreira. No
final, os dois juntaram as vozes em Summertime, de George Gershwin (gravada por
Billie Holliday e Janis Joplin ), e Renato exibiu um inglês e uma interpretação
impecáveis. À época, o elogiei num texto publicado pelo Correio, que o deixou
envaidecido.
Mas nem sempre ele ficou satisfeito com o que escrevia sobre ele e a
Legião. Ficou muito irritado, por exemplo, com a cobertura feita pelo jornal do
tumultuado concerto no antigo estádio Mané Garrincha, em 18 de junho de 1988.
Mesmo assim, nunca deixou de me conceder entrevista — presencialmente ou por
telefone. Uma das melhores foi nos bastidores do Free Jazz Festival, no Rio de
Janeiro, no intervalo entre as apresentações de Chuck Berry e Little Richard,
os pais do rock; e de Gal Costa, em homenagem a Tom Jobim.
A última vez que falei com Renato foi em 1994, quando ele fez o lançamento do primeiro álbum solo, The Stonewall Celebration Concert, no qual gravou standards da música norte-americana, da autoria de, Billy Joel, Bob Dylan, Irving Berlin, Leonard Bernstein, Quincy Jones e Stephen Sondhein. Dois anos depois, o Brasil perderia para sempre um artista de múltiplos talentos, e Brasília o cantor e compositor que a colocou no mapa da música popular brasileira.