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Abrace e Brasília, um caso de amor

Abrace e Brasília, um caso de amor


Primeiro de maio de 1986. A mãe de uma criança em tratamento de leucemia no Hospital de Base de Brasília (HBB) sai da própria dor e abraça a dor coletiva. Nasce a  Associação Brasileira de Assistências às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer (Abrace). Sua primeira diretoria firma, no mesmo dia, 10 diretrizes fundamentais, dentre as quais destaco: “Busca da melhoria das condições hospitalares, locais de tratamento e internação, medicamentos e equipamentos”.


Corte para informar: neste maio de 2022,  a Abrace encerrará o processo de compra de um aparelho de ressonância magnética e o instalará no Hospital da Criança de Brasília Jose Alencar.


Janeiro de 1992. Dirigentes da Abrace e autoridades do GDF, incluindo seu governador, visitam as ruínas abandonadas desde 1985 dos alicerces do que seria um hospital. Naquele momento, o então governador decide retomar as obras que resultaram na entrada em operação, em 1994, do Hospital de Apoio.


Corte para informar que, em 1993, a Abrace passa a ocupar, por cessão de uso do GDF, a antiga “residência oficial” do administrador do Guará, no Cave, e lá instala o Núcleo de Apoio aos Assistidos. Recupera o ambiente, constrói um espaço pedagógico, além de modernas e pioneiras quitinetes para acolher crianças transplantadas.


Em 2003, a Abrace e o GDF lançam a “pedra fundamental” do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), inaugurado em novembro de 2011. O GDF cede o terreno, a Abrace contrata o projeto e constrói a Fase I do HCB com recursos captados na sociedade de Brasília e fora dela, sem nenhuma implicação orçamentária.


Corte para informar que, conforme Termo de Cessão de Uso, uma vez construído, a Abrace repassa o HCB ao patrimônio do GDF para operação via Sistema Único de Saúde (SUS) e administração de um instituto criado pela Abrace — Icipe — sem nenhum fim lucrativo ou envolvimento político.


O GDF queria que a Abrace o administrasse, mas a associação não nasceu para administrar hospitais e sim para prestar assistência social, na esperança, quase sempre vã de o exemplo arrastar o poder público na mesma direção e sentido. Sêneca, no caso, frustrou-se.


Corte para voltar a 1995. Naquele ano, a Abrace era parte do então existente Conselho Gestor do Hospital de Base. Dele fiz parte e o presidi por um ano. Ressoa em mim o constrangido depoimento de um representante governamental, em reunião no histórico Auditório Tancredão, no HBB: “O câncer não tem prioridade orçamentária”. Tempos idos? Não! Há riscos orçamentários, 27 anos depois, para o perfeito funcionamento do HCB no segundo semestre de 2022.


Em todos esses eventos está o DNA da Abrace, seus valores e princípios firmados naquele já longo 1º de maio de 1986. Orgulha-me, como um dos fundadores, primeiro presidente e atual membro de seu Conselho Consultivo, que, em momento algum, a Abrace tenha se deixado cooptar por injunções políticas partidárias ou não, ainda que legítimas.


As crianças enfermas e as suas famílias são o vetor político da Abrace. São elas que nos governam. A elas dedicamos nossos votos. Permitir que alguém utilize os dramas de cada um em troca de projeção social e política é corromper valores, virar ao avesso o conceito do ato de voluntariar, essencialmente um ato de amor, cuja recompensa é o retorno de mais amor.


O exercício da solidariedade pressupõe ausência de ganhos de qualquer espécie, senão o prazer individual do bem querer, do bem fazer, ainda que seja possível perceber, até com certa frequência, o uso da solidariedade com fins de promoção social, política e até econômica, condição que a Abrace renega e combate, pois aí já não se estaria falando em solidariedade, mas, sim, de seu avesso, de interesses outros, próprios de narcisos sociais.


Aquela mãe de 1º de maio de 1986, Maria Angela Marini, hoje, 36 anos após, preside a Abrace. E o faz com o mesmo espírito e sentimento, valores e expectativas daquele momento em que o destino cruzou seu caminho. Redimido, o destino lhe concede a oportunidade de continuar transformando dor em amor.


Abraçada pela sociedade da sexagenária Brasília, pela mídia em geral e pelo Correio Braziliense em particular — nosso jornal de ontem, hoje e  sempre. A Abrace é uma construção coletiva, pois só o nada se constrói a sós. Ao completar 36 anos, é necessário agradecer a todos, com o coração pleno de gratidão.



Roberto Nogueira Ferreira - Economista e primeiro presidente da Abrace


 

 

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