“JK
sempre esteve sintonizado com a música. Além de bom dançarino, cercava-se de
músicos e tinha aulas de violão”- Fátima Bueno, autora do livro Do Peixe Vivo à Geração Coca-Cola - Música em
Brasília (1960-1980)
Brasília, cidade síntese do
modernismo, capital da nação e da esperança. Enfim, eterna musa de poetas,
trovadores, bardos da imagem e cantores que imortalizaram seus mistérios e
curvas sinuosas de esquinas imaginárias em sucessos que moram no inconsciente
de milhares de pessoas. São muitas canções, para todos os gostos. Diga-se de
passagem, uma sina que remonta aos primórdios do lugar, com mais de seis
décadas de história, quando um pacto foi selado no quintal da primeira
construção oficial aqui erguida, o Catetinho, também conhecido como Palácio de
Tábuas.
Ali, poucos meses após a inauguração de Brasília, em setembro de 1960, Tom Jobim e Vinicius de Moraes passaram temporada de dez dias para escrever aquele que talvez seja um dos primeiros registros musicais oficiais sobre a capital. Ideia visionária, claro, do presidente Juscelino Kubistchek, ao saber, por meio do arquiteto Oscar Niemeyer e do músico Bené Nunes, sobre a ideia da dupla em registrar a epopeia da construção da cidade em versos e melodia. Nascia, assim, Brasília, Sinfonia da Alvorada. Seria a projeção de um olhar lírico sobre a Brasília ancestral e a Brasília moderna. (Vídeo ~~~~)
Autor do livro Da Poeira à Eletricidade, outro atestado sobre a história da música no DF, o jornalista, escritor e pesquisador Severino Francisco também destaca que a afinidade de ideias, identificação e amizade entres todos os personagens envolvidos – Tom, Vinicius, Niemeyer e JK – contribuiu para que essa aventura musical no cerrado ganhasse asas.
“Eles (Tom e Vinicius)
beberam da água de Brasília e se revelaram para o Brasil moderno, criando um
dos melhores trabalhos da dupla (Água de Beber), que nem estava no
projeto”- (Severino Francisco, autor do livro Da Poeira à Eletricidade)
“JK adorou a ideia e os trouxe
para cá. Eles ficaram fascinados porque tinham essa sintonia com Brasília, a
sensibilidade para o Brasil, para a brasilidade que representava essa cidade
que surgia no coração do país”, observa Severino Francisco. “Não colocaria
a Sinfonia de Brasília entre as melhores obras da
dupla, grandes artistas do modernismo, mas a vinda deles foi importantíssima
porque eles interagiram intensamente com o ambiente, com a utopia de Brasília.
Tanto é que deixaram dois textos maravilhosos, entre os melhores sobre
Brasília”, diz ele, referindo-se às impressões que cada um escreveu na
contracapa do disco.
É verdade. Compartilhando do senso comum nacional de que Brasília estava sendo construída no meio da selva, algo como uma aventura amazônica no coração do Brasil, Tom Jobim escreveria: “O Planalto é o lugar mais antigo da terra”. O poeta Vinicius de Moraes não deixaria barato no seu vislumbre do lugar ao dizer ter sentido em Brasília uma “proximidade com o infinito”.
O projeto seria finalizado no Rio
de Janeiro. Dividida em cinco momentos –O Planalto Deserto, O Homem, A Chegada dos Candangos, O Trabalho e a Construção e Coral – e com quase 35 minutos de duração, a ode
erudita à “construção da cidade e da bravura dos que ergueram”, de Vinícius e
Tom, seria apresentada no primeiro aniversário da capital, em 1961. O que nunca
aconteceu. O público só conheceria o trabalho da dupla, de fato, em 1966,
durante audição na TV Excelsior, de São Paulo; em Brasília, só 20 anos depois,
em 1986, executada na Praça dos Três Poderes, sob a regência do maestro Alceu
Bocchino e com Radamés Gnatalli ao piano. Tom Jobim e a filha de Vinicius,
Suzane Moraes, declamariam poemas.
Contudo, impregnados pela beleza selvagem do local, com hordas de jaós, perdizes e outras aves tantas bailando ao redor, pés descalços em contato com o cerrado, a dupla bebeu, literalmente, na fonte, criando um dos maiores clássicos da bossa nova, Água de beber. A ideia nasceu de uma curiosidade de Tom, quando perguntou se um olho d’água nas proximidades do Catetinho era potável. “É água de beber, sim, senhor!”, teria dito um trabalhador. (Vídeo ~~~)
Hino de uma geração: Brasília
é cantada em diferentes ritmos: reggae (Te Amo Brasília, Alceu
Valença), baladas (Brasília, Guilherme Arantes),
viagens experimentais (Céu de Brasília, Toninho Horta e
Orquestra Fantasma), sertanejo (Pagode em Brasília,
Tião Carreiro e Pardinho), blues (Brasília, Sérgio
Sampaio), progressivo (Faroeste Caboclo, Legião Urbana),
românticas (Coisas de Brasília, Oswaldo Montenegro), rap (Brasília Periferia, GOC), protesto (Brasília, Plebe Rude), instrumentais (Suíte Brasília, Renato Vasconcelos) e até coco (Rojão de Brasília, Jackson do Pandeiro).
O grupo mambembe Liga
Tripa no gramado do Eixão: canção Travessia do Eixão foi
criada no fim dos anos 1970 e imortalizada pela Legião Urbana | Fotos: Noélia
Ribeiro/Divulgação
“Brasília é a cidade do imaginário
de qualquer artista”, pondera. “Se já é um arrebatamento ver o céu da cidade
contrastando com a terra vermelha aqui embaixo, à noite você tem a impressão
que a arquitetura flutua num palco escuro.”
Umas são mais famosas, outras de projeção modesta, mas todas com um significado especial para cada pessoa e histórias que captaram um estado de espírito, uma sensação indelével, impressões do cotidiano, experiências de vida. Dois exemplos são sintomáticos. É o caso de Travessia do Eixão, versos de Nicolas Behr musicados por Nonato Veras – integrante do mítico grupo mambembe Liga Tripa -, criada no fim dos anos 1970 e imortalizada pela Legião Urbana no disco póstumo Uma Outra Estação (1997). (Vídeo ~~~~)
Responsável por musicar o poema do
vate mato-grossense que, desde 1974, vive na capital, o integrante do icônico
grupo musical mambembe Liga Tripa Nonato Veras jamais imaginou que a melodia
que criou fosse grudar no inconsciente coletivo de uma geração.
“Nunca pensei na projeção da
música, fiz por curtir, agora todo mundo se encanta com a cidade”, diz. “Muita
gente credita a música ao Renato Russo, me sinto muito honrado”, comenta
Nicolas Behr.