test banner

Crônica: Revolução materna

Revolução materna


Quase sempre, a maternidade é um momento de pausa na carreira artística das mulheres. Mas não foi exatamente assim que ocorreu com a dançarina, atriz e diretora Eliana Carneiro. Ela morava em São Paulo, estava no ápice do reconhecimento, dois espetáculos de dança concebidos por ela, Anada e Antígonos receberam prêmios da Associação de Críticos de São Paulo. E mais: Eliana ganhou indicação para o Prêmio Shell de Teatro e representou o Brasil no American Dance Festival, nos EUA, importante evento internacional de dança.


Eliana tinha 27 anos quando sentiu uma pulsação na barriga. Ela estava grávida de uma menina. A novidade representou uma verdadeira revolução em sua vida. A notícia veio com o impacto de um abalo sísmico. Percebeu que teria de arcar com toda a responsabilidade e mudou radicalmente e amorosamente de vida. A filha era mais importante do que a carreira.


Resolveu voltar a Brasília para ter uma vida mais estável. Fez concurso para professora do Departamento de Artes Cênicas da UnB. E passou. No entanto, a filha não atrapalhou a carreira. Pelo contrário, Naira foi absorvida e se incorporou totalmente à sua arte. Parecia que, desde o instante que estava na barriga, mãe e filha eram parceiras. Naira acompanhava Eliana nas aulas como se fosse uma sombra.


Sentir as metamorfoses do corpo, a gestação e a amamentação foram uma felicidade para Eliana. Naira nasceu em 1989 e, quando surgiu a companhia Os Buriti, em 1995, a menina exigiu entrar em cena. A mãe selecionava as roupas, Naira quis também escolher a sua. Tudo foi muito espontâneo, elegeu uma roupa e não só entrou, mas roubou a cena.


O grupo se reconfigurou para abraçar aquela criança. Eliana deu dicas e indicações, mas deixou a menina livre; não queria que ela fosse uma minielianacarneiro. As crianças da plateia passaram a se identificar com ela. Os espetáculos tornaram-se obras abertas a todas as idades.


Naira cresceu, estudou artes cênicas, começou a participar da direção dos espetáculos e a se transformar em parceira de Eliana. Dez anos depois, Eliana teve outro filho, Guian, que também se incorporou à trupe. Eliana e Naira nunca brigaram. E foi bonito ver o crescimento, a irmandade e a cumplicidade. O nascimento da filha tornou-se motivo de inspiração. Aprendeu muito com o olhar de Naira. Enriqueceu a relação dela e do grupo com as outras crianças. Suscitou a criação do projeto de arte e educação da Companhia Os Buriti.


Eliana passou a criar mais. Estendeu o sentimento de maternidade. Sente-se um pouco mãe de todas as crianças. O amor à filha, à arte e às outras crianças se entrelaçaram de maneira indivisível.


Severino Francisco – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google


 

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem