O jardim de Amílcar de Castro - ( No espaço do CCBB )
PorBlog do Chiquinho Dornas-
0
O jardim de Amílcar de Castro
Parece que as 60 esculturas de Amílcar de Castro instaladas
nos jardins do CCBB foram encomendadas especialmente para o espaço. Elas
estabelecem um diálogo muito rico não apenas com a arquitetura de Niemeyer, mas
também com a espacialidade e com a aspereza da vegetação do cerrado.
Amílcar cultiva um jardim de plantas da
probabilidade, do aleatório e do acaso. As 12 carretas que transportaram as 60
peças de Amílcar de Minas Gerais para Brasília pesavam mais de 250 toneladas.
Mas, insolitamente, as esculturas passam a impressão de leveza. E esse efeito é
provocado pelas únicas duas intervenções que ele faz no ferro: os cortes e as
dobraduras.
O poeta e crítico Ferreira Gullar foi implacável
com a arte contemporânea. No entanto, ele escreveu alguns dos melhores textos
sobre Amílcar, amigo e colega do movimento neoconcreto. O artista plástico
desenhava na folha em branco e, em seguida, recortava o desenho e o dobrava. No
ato, surgia a terceira dimensão.
Segundo Gullar, Amílcar trabalha com grossas
chapas de ferro e a forma é o próprio ferro, que, à força de cortes e dobras,
ultrapassa a condição de matéria muda: “A placa opaca e densa é a negação do
significado e a possibilidade dele: nela o artista insere a sua ação
transformada, sua fala possível, que tanto é resposta quanto indignação. É uma
nova idade do ferro. Amílcar atua tensamente entre a placa anônima e a figura:
deixar a placa intocada é não falar: transformá-la em castelo, cavalo ou gente
é dissipar-lhe o mistério”.
Gullar enfatiza que se observarmos o caminho
percorrido por Amílcar em quase trinta anos, veremos que ele se atém a uns
poucos e mesmos elementos, sem se afastar de sua proposta básica e radical: “o
plano e a ruptura do plano que abre o espaço”.
Ao convidar grandes artistas do modernismo para
fazer intervenções na arquitetura de Brasília, Niemeyer queria que a arte
estivesse presente na cabeça dos que tomam as decisões sobre o país. Talvez ele
tivesse sido um tanto ingênuo. No entanto, a arte permanece viva como espaço
simbólico e utópico do melhor que poderíamos ser. (Vídeo ~~~~)
É pena que esse projeto da Brasília original
tenha sido interrompido pelo regime militar e por governos democráticos de
poucas luzes. A cidade-parque é muito adequada ao diálogo e à interação com a
arte contemporânea, que é, muitas vezes, uma arte ambiental. Talvez em outra
cidade ela soe deslocada, mas em Brasília a arte contemporânea está em casa.
O grupo Udigrudi construiu uma série de
brinquedos musicais para uma exposição, que ocupou o espaço do CCBB, o
Diversom, com esculturas sonoras interativas. As crianças escorregavam,
escalavam ou pisavam e produziam sons musicais. Era uma experiência muito
inventiva que deveria ter sido incorporada ao espaço de maneira permanente,
como um patrimônio da cidade, pois o CCBB é um espaço muito frequentado pelas
crianças.
Por isso, é preciso saudar a iniciativa do CCBB
de trazer obras de Amílcar de Castro e de Hélio Oiticica para Brasília. A
cidade deveria renovar, constantemente, o acerco de arte contemporânea.
Brasília poderia ser uma Inhotim em ponto grande e ter ainda mais atrações para
a vida cotidiana e para o turismo, sem prejuízo de nenhuma de suas outras
funções. As esculturas ficam muito bem no CCBB, que, na verdade, é um grande
parque, transpassado pela vegetação do cerrado, dentro da cidade-parque.
Severino
Francisco – Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog- Google