A gente não tem mais idade pra isso
É comum ouvir que somos seres inacabados, que
estamos sempre em construção. Essa constante formação individual revela muito
da nossa essência. Somos na velhice a continuação do que fomos a vida inteira.
Recentemente, li uma reportagem que me fez refletir sobre esse curso da vida.
Eram considerações a respeito do último álbum da cantora Madonna, que, nos
dizeres da crítica, havia “perdido a mão” por causa da idade.
Desde a mocidade, em tempo mais conservador, a
cantora aborda assuntos como feminismo e sexualidade. O passar dos anos
confirmou a construção desse edifício disruptivo e ousado. Será que poderíamos
esperar algo diferente agora? Penso que não. Todavia, os comentários referentes
ao lançamento do seu último álbum evidenciam um comportamento preconceituoso
que precisa ser enfrentado... Etarismo.
Como críticos, é aceitável não gostar do estilo
musical dela. Como consumidores, podemos certamente recusar a produção
artística da Madonna. Mas como gente, é inconcebível descredibilizar quem ela é
por causa da idade. Se aceitarmos algo assim, submeteremos diversas pessoas à
discriminação etária. Só para contextualizar: Nelson Mandela assumiu a
presidência da África do Sul aos 76 anos; Jonh B. Goodenough ganhou o Prêmio
Nobel de Química em 2019 aos 97 anos; Cora Coralina publicou seu primeiro livro
aos 76 anos; Paul McCartney, aos 78 anos, continua emocionando seu público;
Ângela Merkel, uma das mulheres mais poderosas do mundo, hoje tem 67 anos.
Em uma sociedade em que a convivência de várias
gerações se torna uma rotina, é inconcebível práticas discriminatórias que
imputem aos mais velhos a condição de decrepitude, incapacidade,
inconveniência. A doutora Becca Levy, Ph.D. e pesquisadora da Universidade de
Yale, após mais de 30 anos de pesquisa, comprovou que uma sociedade
preconceituosa em relação à idade é capaz de impactar significativamente na
expectativa de vida, já que a sobrevida diminui 7,5 anos. Mais do que isso, a
pesquisadora ainda identificou que o aparecimento e a gravidade de várias
doenças estão ligados à percepção depreciativa da velhice. Estima-se que a
discriminação, estereótipos negativos de idade e autopercepção negativa do
envelhecimento levam a US$ 63 bilhões em gastos anuais excedentes em condições
de saúde.
É nesse contexto que a modificação da estrutura
demográfica exige a implementação de uma cultura acolhedora em relação ao
envelhecimento e seus desafios. O combate à discriminação etária, também
conhecida como ageismo, etarismo ou idadismo, deve ser feito de forma
intencional. A criação de espaços seguros para a promoção do envelhecimento é
um ato de compreensão da vida em sua plenitude. Dessa forma, iniciativas que
trazem à discussão práticas etaristas podem colaborar com a conscientização
social, jogando luz em falas e comportamentos que foram normalizados, mas que
constituem violação de direitos. É urgente, pois, uma atenção especial a esse
assunto.
Vale mencionar que o mundo está envelhecendo, mas o
Brasil segue essa tendência de forma bastante peculiar, em face da velocidade
desse fenômeno. Até 2032, Brasília terá mais idosos que jovens. É no sentido de
assumir seu protagonismo na promoção da Justiça, que o TJDFT, por meio da
Central Judicial do Idoso, tem atuado. A publicação de material a respeito do
avanço demográfico e suas complexidades encontra amparo na Meta 9 do CNJ
(Agenda 2030/ONU), além de atuar em consonância com a agenda das Nações Unidas,
que instituiu recentemente A Década do Envelhecimento Saudável 2021-2030.
E, para disseminar informações a respeito do Dia
Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, instituído pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006, o TJDFT lança a cartilha Quem
Nunca? neste 15 de junho. Somente desmistificando situações corriqueiras de
práticas discriminatórias se pode promover a dignidade na velhice. A
normalização de estereótipos negativos em relação ao envelhecimento não
corresponde às pesquisas científicas mais recentes, que evidenciam a
consistência dos benefícios decorrentes da longevidade.
Não é à toa que o mundo envelhece... Não é à toa
que precisamos ressignificar a velhice. Não é possível permanecermos
preconceituosos em relação ao envelhecimento. A gente não tem mais idade pra
isso...