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Entrevista: João Donato, ícone da bossa nova, faz show no Clube do Choro

Elegante e feliz

João Donato tem um sorriso que ilumina toda a área em que ele se encontra. Um menino genial de 87 anos, que gosta de falar de música e curtir a vida. Nesta entrevista ao Correio, o instrumentista, que se apresenta hoje no Clube do Choro, fala da trajetória, da relação de amor com Brasília e da grandeza do amigo e xará João Gilberto.


Como  é voltar a tocar em Brasília depois de uma pandemia traumática que ainda hoje preocupa? É uma felicidade muito grande, pelo carinho que eu recebo do Reco do Bandolim (Henrique Santos Filho), pelo público do Clube do Choro... Eu recebi há poucos dias a segunda dose de reforço da vacina contra a covid-19 e estou me sentindo bastante seguro. Espero que a galera também tenha se vacinado, para a gente estar na mesma sintonia.


Você morou em Brasília por algum tempo, de que sente saudades? Quais locais gostava de frequentar? Eu sinto saudade daquela paz de Brasília, do céu lindo, dos gramados. Sinto falta do tacacá da dona Jacirema, daquela gente animada que curte a minha música no Clube do Choro. Brasília tem um significado muito especial na minha vida: há 23 anos eu me apaixonei pela Ivone (Belém), nos casamos na Primeira Igreja Batista, moramos na Asa Norte e estamos juntos até hoje.


O Clube do Choro tem uma relação bacana com você, como é reabrir a casa para receber amigos? Eu e o meu conjunto fizemos quase 20 temporadas no Clube, desde quando ele funcionava no subsolo, o Donatinho (meu filho) ainda era adolescente. Nos meus 80 anos, em 2014, ganhei do Reco uma homenagem: cheguei e lá estava eu em um desenho ocupando a fachada do Clube. Eu me sinto muito querido pela família do Reco e pela rapaziada que trabalha no Clube do Choro. E, claro, também pelo público que gosta de música instrumental, escuta em silêncio e aplaude que é uma beleza.


Na sua longa carreira, qual perrengue, situação difícil, que teve de encarar e qual momento mágico que você gosta de relembrar? Na época da ditadura, década de 1970, eu estava me apresentando como pianista com a Gal Costa em Maceió e, por causa de uma reclamação no hotel, eu e a minha mulher à época, Ana Maria, fomos presos. Naquele tempo não se podia reclamar nem de um sabonete. Ainda bem que esse tempo passou. Numa dessas apresentações que eu venho fazendo no Clube, contei a história da minha primeira composição, “Nini”, feita em homenagem à minha primeira paixão, aos 7 anos de idade. Quando eu termino de tocar a música, a Nini me aparece na plateia, quase 80 anos depois, percebi o meu coração batendo muito forte por causa de uma namorada.


A sua amizade com João Gilberto atravessou décadas de sucessos e noitadas no Brasil e nos Estados Unidos, pode contar um pouco dessa relação musical? Eu costumo dizer que se a bossa nova tem um rei, o João Gilberto, com aquela voz suave, aquele violão econômico e aquele jeito de desaparecer e reaparecer, feito uma tartaruga ninja. Sim, tem o Tom (Jobim), compositor e instrumentista sensível. Mas o João era além de tudo um amigo leal: sempre que eu me encontrava em perigo, ele aparecia do nada com uma plantinha ou mandava me entregar um envelope com alguns dólares. A gente se entendia andando lado a lado, nem precisava se olhar. Quando nos encontramos pela primeira vez, foi aquela sintonia, ao ponto de ele vestir as minhas camisas. Sabe como é, eu morava com meus pais, aquela vida boa, e ele veio da Bahia sozinho.


Você tem um sorriso e uma luz também fora dos palcos, o que te tira do sério? O que gosta de fazer quando não está diante de um piano? Eu gosto de sentir as coisas da natureza: ouvir os sons dos passarinhos, andar por um bosque depois de uma chuva fina, sentir aquele cheiro da terra, os sabores da minha infância no Acre: cupuaçu, taperebá, manga; tomar um bom tacacá, uma tigela de açaí. Gosto de dormir. Gosto de escutar música, dormir e acordar escutando música. O Paulo Moura vinha aqui em casa, agora o João Bosco e outros amigos vêm e ficamos estirados horas escutando música. Ninguém fala nada. Há quem ache isso estranho (risos), mas o Zuza Homem de Mello contava que foi a Nova York estudar música na renomada escola Julliard e que a primeira coisa que ensinaram na escola foi escutar música. Errado não estavam. O que me tira do sério, deixa eu pensar... pressa para fazer qualquer coisa. Eu sou aquela tartaruguinha que chega por último.


Por que a bossa nova conquistou ouvidos e corações de americanos, europeus e japoneses? Porque ela traz uma mensagem melódica para cima, um frescor juvenil, uma paz de espírito. É uma música que qualquer japonês sabe que trata de amor, de sorriso, de flor, mesmo sem conhecer o idioma.


Você tem algum arrependimento? O que falta para você? Não, nenhum. No elevador sempre tem um espelho, não é? Eu vejo a minha imagem refletida e, para diversão da Ivone, de quem está do meu lado, eu brinco: “Ninguém diz que eu vou fazer 100 anos”. Eu pratico a gargalhoterapia e isso acho que ajuda.


Você já definiu o repertório para o Clube do Choro? Sim, vai ser como um reencontro daqueles de namorados que não se veem há meses: um pouco de clássicos para matar a saudade (A rã, Bananeira e Amazonas), uns temas mais recentes que saíram no disco que lançamos com o Jards Macalé, um carimbó que compus com a Dona Onete e outras que a gente não lembra na hora e que o público faz a gente recordar: Doralinda, Simples Carinho.


Brasília 60 Anos de Choro: Show de João Donato e Trio hoje e amanhã, às 20h30, no Espaço Cultural do Choro (Eixo Monumental). Ingressos R$ 60 (inteira) e e R$ 30 (meia entrada). Classificação indicativa livre. Informações: 99956-7369 (Whatsapp).


José Carlos Vieira – Correio Braziliense


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