Estariam os brasileiros se desinteressando por eleições?
Segundo estudo sobre alienação eleitoral, do Instituto Votorantim, publicado
ontem pelo Estadão, a abstenção, mais nulos e brancos, subiu de 18% para 25%,
de 2006 a 2018. Significa que em quatro eleitores, só três escolhem candidato.
Esse aumento de alienação vem ocorrendo, principalmente, na Região Sudeste —
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo —, onde estão 63
milhões de eleitores, 46% do total, e a maior parte dos 30 milhões de idosos
não obrigados a votar. Em países próximos, com voto facultativo, a alienação
eleitoral foi decisiva.
No Chile, os constituintes acabam de entregar ao presidente Boric o texto da
nova Constituição. Ela extingue o Senado de 200 anos, cria cotas no Parlamento,
justiça diferente para as etnias originais, aumenta “direitos sociais” como
aborto e diminui o poder da polícia, entre outras mudanças. Tem 388 artigos e é
uma das mais extensas do mundo. Entre os 154 constituintes que trabalharam um
ano, a maioria é da esquerda; apenas 37 de partidos de direita. Em 4 de
setembro, ela será submetida a um referendo popular. Pesquisas indicam que
apenas de 25% a 33% aprovam a nova Constituição. Como assim? Num plebiscito de
2020, 78% afirmaram querer uma nova Constituição. Em maio do ano passado,
elegeram os constituintes pouco mais de 5 milhões dos quase 15 milhões de
chilenos aptos a votar. Quer dizer, apenas 36% escolheram quem faria a
Constituição; agora a maioria que se absteve de votar a desaprova. Esse é o
preço da abstenção — deixar que a minoria decida, abrindo mão de um poder que a
democracia oferece. Na Colômbia, há pouco, 18 milhões não votaram e 11 milhões
elegeram o presidente.
Faltam três meses para a eleição de 2 de outubro. O voto é obrigatório,
diferentemente do Chile e da Colômbia, mas as sanções para quem não vota são
mínimas, e estão dispensados da obrigação os eleitores com mais de 70 anos.
Esses, são cerca de 30 milhões. Além disso, é bom lembrar que o “fique em
casa”, que prejudicou os brasileiros, pode prejudicar também o poder da
maioria, pedra de toque da democracia. Jovens de 16 e 17 anos, que poderiam
votar mas não são obrigados, não se empolgaram: hoje são metade dos 2 milhões
que se alistaram em 2002. Os que não votam, ou inutilizam seu voto, deixam que
os outros decidam.
Para ser eleito em outubro, o governador ou presidente precisa ter maioria
entre os votos válidos. Juscelino foi eleito com 36% dos votos; o segundo
candidato teve 30% e o terceiro, 26%. E houve uma contestação muito grande por
parte dos 56% que não queriam JK. Por isso, hoje, há o segundo turno entre os
dois mais votados, obrigando-se a ter o vencedor mais da metade dos votos
válidos. Mas os votos nulos e brancos não contam. No segundo turno da eleição
presidencial de 2018, somadas abstenções, votos anulados e brancos, foram 42
milhões de eleitores que não participaram da decisão. O perdedor, Haddad, teve
47 milhões de votos e o vencedor, quase 58 milhões. O equivalente à população
da Ucrânia, ou da Argentina, não participou da escolha do presidente do Brasil.
O que serve para presidente ou governador serve também para a escolha de nossos
representantes no Legislativo. Eles terão o poder de fazer, alterar ou desfazer
leis e até de mexer na Constituição, no que não for cláusula pétrea. Nós,
eleitores, temos o poder de, dentro de três meses, escolher aqueles que podem
impedir que a Constituição seja desrespeitada, e eleger aqueles que, nos
poderes Legislativo e Executivo, garantam o futuro de nossas famílias com
valores em que acreditamos. Se nos alienarmos na escolha, ficando em casa ou
votando branco e nulo, perdemos a razão para reclamar das consequências.