“Eu desmorri.” A frase é de José Roberto Arruda,
ex-governador de Brasília, que parece ter se tornado um especialista em
ressuscitar politicamente. Do escândalo do painel do Senado à Caixa de Pandora,
depois de idas e vindas de processos judiciais, ele foi liberado pela Justiça,
até o momento, e teria cacife para disputar uma eleição majoritária. Mas não
vai. Será candidato a deputado federal.
“Confesso que o meu desejo era retomar o meu governo”, diz. Ele entende, porém,
que não é o momento. “Estou voltando de 12 anos de um deserto. É mais racional
que eu volte degrau por degrau e não queria subir de elevador. E é o que eu vou
fazer.”
Nessa opção, pesa a trajetória da mulher, Flávia Arruda, que vai compor a chapa
do governador Ibaneis Rocha como candidata ao Senado. “A Flávia ocupou um
espaço importante, inclusive para as mulheres. Ela valorizou a marca que eu
tinha construído com a minha história política. Acho que a hora é dela, de
disputar a majoritária. A prioridade seria ela. Embora não haja nenhum
impedimento legal, de que eu fosse candidato ao governo e ela ao Senado, numa
composição política suprapartidária, isso se inviabiliza.”
Nesta entrevista exclusiva ao Correio, Arruda se mostra resignado ao acordo
feito e selado com o aval do presidente Jair Bolsonaro e que resultou no combo
Ibaneis-Celina Leão-Flávia Arruda para os cargos majoritários. E acredita que
tem muito a contribuir com um novo governo Ibaneis, caso este seja
reeleito.
Arruda fechou uma aliança com Ibaneis, mas se refere ao atual governo com olhar
crítico. Acha que a saúde precisa melhorar, avalia como grave a quantidade de
pessoas que passam fome na capital do país e discorda do modelo de privatização
da CEB adotado pela atual gestão.
Sobre os embates da eleição passada, quando foi chamado de demônio por Ibaneis,
afirma que as rusgas entre os dois são coisas do passado. “Quem dirige um carro
olhando para o retrovisor corre o risco de bater no poste”, destaca.
“O fato de Ibaneis ter retomado as minhas obras que estavam paradas havia 10
anos me dá um sinal muito positivo da sua capacidade de evoluir na gestão
pública e isso é um ponto interessante para o entendimento”, complementa, com
um tom quase de provocação.
O acordo passa por pontos sugeridos por Arruda, de projetos iniciados em sua
gestão, mas ele nega qualquer tentativa de ingerência ou indicações para um
novo mandato de Ibaneis, caso a chapa seja vitoriosa. E avalia o favoritismo da
reeleição do governador com cautela — “ninguém é imbatível em eleição”.
“O governador é um homem inteligente. Ele tem problemas no governo dele,
inclusive de rejeições, e está tendo uma oportunidade, na possibilidade de um
acordo político mais amplo, de fazer ajustes no seu governo e até na sua
postura pessoal”, ressalta.
Na entrevista, cita pontos a aperfeiçoar. “Ele precisa melhorar a saúde
urgentemente. Depois de dois anos de pandemia, as filas de cirurgia são
desumanas. É preciso, por exemplo, voltar os convênios de saúde com as cidades
do Entorno para começar a reduzir a pressão sobre os hospitais de Brasília. É
preciso mudanças na área social. Basta parar num sinal de trânsito em Brasília
e você vê quantas pessoas estão ali pedindo esmola porque estão famintas.” E
ensina: o governo precisa ouvir o povo.
Além disso, fala sobre o governo Bolsonaro, privatizações, um certo “ativismo”
da Justiça e urnas eletrônicas.
A chapa Ibaneis, Celina, Flávia ao Senado e o senhor para deputado
está consolidada ou algo pode mudar até 5 de agosto? Creio que está
consolidada, porque foi um entendimento feito sob a liderança do presidente da
República, que gostaria de ter a composição mais ampla dentro do nosso campo
político. É claro que o presidente está tentando isso em todos os estados, mas
em nem todos ele consegue.
Na composição do DF, parece que a ex-ministra Damares Alves
sobrou. Qual espaço caberá a ela? Bem, eu e ela (sobramos). Nós
dois tivemos de ceder. Eu era pré-candidato ao governo, e ela, ao Senado. Nós
dois, diante do desejo do presidente de ver a sua base política mais ampla e
unificada em Brasília, cedemos. A ministra Damares teve um gesto de grandeza.
Ela ainda pode ser vice na chapa? No meu entendimento,
a chapa majoritária está formada, com o governador Ibaneis, a deputada Celina
Leão e a Flávia para o Senado.
Quem conhece a sua trajetória sabe que seu projeto político foi
interrompido. Por que não retomá-lo? Confesso que o meu desejo era
retomar o meu governo de onde ele foi interrompido. Por outro lado, há uma
série de variáveis que pesaram nessa decisão. A primeira delas: Flávia foi
candidata a deputada enquanto eu estava impedido. E está exercendo um mandato
muito bem avaliado. Foi a primeira deputada a presidir a Comissão Mista de
Orçamento. Foi a primeira mulher nascida em Brasília a ser ministra de Estado.
E está construindo essa candidatura ao Senado há mais de um ano. Uma eventual
volta minha como candidato ao governo, politicamente, a inviabilizaria para o
Senado. Seria justo isso? Muita gente me disse: sim, mas ela pode ir para
deputada. Não penso assim. Acho que Flávia ocupou um espaço importante,
inclusive para as mulheres. Ela valorizou a marca que eu tinha construído com a
minha história política. A hora é dela, de disputar a majoritária. A prioridade
seria ela. Embora não haja nenhum impedimento legal, de que eu fosse candidato
ao governo e ela ao Senado, numa composição política suprapartidária, isso se
inviabiliza.
Teria o mesmo posicionamento se ela não fosse a sua esposa? Acho
que teria. Mas o fato de ser minha mulher e mãe das minhas filhas dobra esse
sentimento. Pesa, sim. Como marido e como aliado político, a minha consciência
indica que a prioridade deve ser a candidatura majoritária dela. E não apenas
por ela ter sido a deputada federal mais votada na última eleição, mas,
sobretudo, por ela estar fazendo um grande mandato. Flávia tem sofrido muitos
ataques, ataques de um mundo machista. Uma mulher jovem, bonita, inteligente,
que ocupa um espaço de poder importante, é, muitas vezes, atacada de forma
impiedosa. Até por isso, por mais isso, é a vez dela.
Ela se impôs. Eu, às vezes, brincando, me chamo de
Waldemar de Brito. Era um jogador de futebol do Santos, dos anos 1940. Quando
se aposentou, voltou para Bauru e ganhava uns trocadinhos do Santos para
descobrir talentos nos campos de terra. Um dia, ele viu um menino magrinho,
raquítico, jogando, e achou aquele menino excepcional. Foi à casa do menino,
convenceu os pais dele a permitir que ele fosse fazer um teste no Santos,
comprou uma mala, uma roupa e o levou para lá. O menino era o Pelé. Foi
Waldemar de Brito quem descobriu Pelé. Fui eu que descobri a Flávia. Eu sou o
Waldemar de Brito (risos).
Arruda sempre foi uma marca forte em Brasília, com projeção
nacional. Hoje a gente enxerga um casal, uma dobradinha? Ela
valorizou a marca. Nós passamos 12 anos administrando problemas ruins. De 10
dias para cá, estamos administrando um enorme problema. Só que um problema bom,
que é ter dois em casa com potencial de (cargo) majoritário. Qual o outro caso
que você se lembra, em Brasília, de uma mesma família ter os dois com potencial
de majoritário?
Ficou satisfeito com o acordo? Eu tinha duas opções: a
primeira, ficar triste. Triste porque, na hora em que eu posso voltar para a
política, depois de 12 anos atravessando um deserto, retomar meu projeto de
governo, concluir as obras que eu tinha iniciado e entregar a Brasília dos meus
sonhos, por uma circunstância política, não posso ser candidato ao governo. A
segunda opção era dizer: “Puxa vida, depois de 12 anos atravessando um deserto,
depois de tantas humilhações, dificuldades, posso retomar a vida política”. E
vou retomar. Com humildade, como deputado A segunda opção, então, é ficar
feliz. E, entre as duas opções, eu escolhi ficar feliz. Eu estou feliz.
Se o senhor se eleger deputado já sai para candidato a governo
daqui a quatro anos? Não quero dar o passo maior que a perna, mas
confesso que sonhar não paga imposto. Então, vou sonhar.
Então, vai ter de brigar com Flávia daqui a quatro anos... Brigar
com Flávia, nunca. Nós sempre vamos ter um entendimento.
O eleitor brasiliense ainda tem uma memória muito viva do senhor
como governador. Como acha que ele reagiu a esse acordo? Falo de
coração para vocês: estou muito impressionado com o carinho que estou recebendo
nas ruas. Nesses 10 dias, fui a muitas feiras. Andei toda a Avenida Central do
Arapoanga, do Núcleo Bandeirante, tenho caminhado nas cidades, ido a reuniões,
festas. E o que eu tenho recolhido? Abraços emocionados de pessoas que eu não
conhecia e que estão dizendo: “Olha, esses anos todos eu rezei por você, chorei
a hora em que ouvi a notícia de que você podia voltar”. Isso não tem preço,
porque isso não é política, são relações humanas, de afeto, respeito, gratidão,
reconhecimento. Então, estou muito feliz com a maneira como estou sendo
recebido. Tenho de agradecer muito a Deus de ter “desmorrido”. É uma
experiência incrível voltar à vida pública. Com as cicatrizes de tudo o que eu
já vivi, mas com a mesma determinação, o mesmo empenho, a mesma alegria com que
eu sempre fiz política.
Considera-se injustiçado? Sim. O que fizeram comigo há
12 anos foi uma grande armação. E, graças a Deus, eu consegui, na Justiça,
mostrar que era uma armação. Vídeos antigos, anteriores ao meu governo, e
editados. Tudo foi armado por interesses contrariados no melhor momento do meu
governo, quando eu fazia 2.300 obras, quando eu tinha 300 escolas de educação
integral, quando eu estava terminando o hospital de Santa Maria, o metrô de
Ceilândia, a nova EPTG, quando Brasília respirava desenvolvimento, emprego,
quando desenhávamos o mapa de uma nova Brasília. Quando estávamos no melhor,
veio esse golpe. Baixo, sujo, rasteiro, por trás. Claro que foi uma grande
armação. E, se você hoje reduz esses processos à sua dimensão real, você vê que
eles não passam de uma ação na esfera da Justiça Eleitoral. É isso.
O que significou essa interrupção, no seu modo de ver? O
Brasil viveu muitos anos de um punitivismo político muito açodado. Talvez eu
tenha sido a primeira vítima. Esse punitivismo é que gera o atual radicalismo
político que a gente vive. Talvez fizesse parte de uma fase de transição para o
amadurecimento democrático que almejamos. Mas não é fácil ser vítima de uma
armação. E aqui também tenho duas alternativas: ser o sujeito triste,
amargurado pelo que eu vivi, ou ser o sujeito alegre, que tem a chance de
recomeçar. Eu prefiro a alegria de ter a chance de recomeçar.
Quais erros não repetiria? Primeiro, teria mais
cuidado em escolher pessoas na minha equipe de trabalho. Eu diria que eu
acertei em 90%, de pessoas maravilhosas que me ajudaram a vida toda. Mas os
erros que cometi na escolha de algumas pessoas foram fatais. O segundo erro que
eu não cometeria, e a minha decisão de agora revela que estou maduro, é não ser
precipitado. Por que escolhi (tentar ser deputado)? Primeiro, para facilitar essa
composição política mais ampla. Segundo, para não prejudicar o projeto de
Flávia. Em terceiro lugar, se estou voltando de 12 anos de um deserto, é mais
racional que eu volte degrau por degrau e não queria subir de elevador. E é o
que eu vou fazer.
Qual o principal ensinamento desses 12 anos? São
muitos. Não ser açodado é um deles. Em segundo lugar, uma grande lição, que
refleti muito no caminho de Santiago. “A gente quer ter voz ativa, no nosso
destino mandar, mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino para lá”. O
que Chico Buarque, de forma genial, coloca nesses versos? É que, na vida, a
gente tem a nossa vontade. Mas estou convencido de que há um plano superior,
que a inteligência humana não alcança, que nos rege. E que é preciso saber
obedecer. O tempo de Deus é diferente do tempo dos homens. A minha fé se
fortaleceu muito nesses anos de dificuldades. Hoje, acredito muito na força da
oração. E a força da oração não é para conseguir o que eu quero; é para
entender a vontade desse plano superior, que, muitas vezes, é diferente da
minha vontade imediata.
O mundo político está violento, agressivo e polarizado. Como vê
esse cenário? O mundo todo vive essa fase. Quando vieram as redes
sociais, esse avanço tecnológico da comunicação on-line, o mundo todo mudou.
Emergiram forças novas na política, fora dos quadradinhos convencionais. As
redes sociais causaram esse movimento. Traçaram uma linha de comunicação, entre
líderes e liderados, muito direta, quase sem filtros. Isso gerou, num primeiro
momento, a criminalização da política. Acho que os Moros da vida talvez não
tenham consciência ainda do mal que eles fizeram à democracia brasileira. No
momento em que você processa alguém por algum malfeito, mas o faz dentro da
normalidade, sem outros tipos de ambições e objetivos, é normal. Mas, no
momento em que você faz com que esses processos sejam midiáticos para, talvez,
atender ambições próprias — e isso aconteceu no mundo inteiro, não apenas aqui
—, você criminaliza a política. Então, primeiro movimento, nascimento das redes
sociais, canal direto entre os líderes e liderados. Segundo movimento,
criminalização da política. Terceiro, como consequência do segundo,
radicalização. A primeira vítima da radicalização no Brasil foi o presidente
Bolsonaro, em 2018, que levou uma facada. Ele foi a primeira vítima. E estamos
assistindo a outras vítimas de um processo radicalizado.
Como mudar isso? A solução não é encontrar culpados
dessa radicalização, porque isso é um movimento mundial. A solução é a paz, a
pacificação da vida política. Acho que nós, que somos atores políticos,
devemos, todos os dias, pedir a Deus que, na hora em que a gente encontrar um
adversário na rua e ele responder com indelicadeza, você responder “um bom dia
para você também, a paz, seja feliz”, você evite a violência. Eu faço esse
exercício todos os dias. Vai passar. Essa fase vai passar. E a democracia vai
sair mais forte ali na frente.
O que pretende defender no Parlamento se for eleito? O que é mais
urgente? É preciso renegociar as relações entre os Poderes. O
Brasil vive um presidencialismo que é parlamentarista, e temos um Parlamento
que é presidencialista.
E um Supremo que legisla, né? Temos de chegar a um
meio-termo. O Judiciário tem um certo ativismo que, talvez, precise ser
moderado. Isso faz parte do aprimoramento democrático. V ai ter de haver uma
repactuação de papéis. Vou te dar um exemplo: não dá para sobreviver com as
RP9.
O senhor defende que acabem? Não vou dizer que acabem
porque entendo que a principal missão do Congresso no mundo é o orçamento. Mas
as emendas de relator, como estão postas hoje, retiram do Executivo a pequena
margem que ele tem de definir projetos prioritários dentro do seu plano de
governo. Qualquer que seja o presidente e qualquer que seja o Congresso, nós precisamos
repactuar isso de tal maneira que quem quer que esteja sentado na cadeira de
presidente tenha um pouco mais de margem de manobra para definir os projetos
que considera prioritários e pelos quais ele foi eleito. Isso vale para o
presidente, mas vale, também, para governadores e prefeitos. A margem de
manobra do Executivo está muito pequena e isso é muito ruim.
Houve um pedido do presidente do seu partido, Valdemar Costa Neto,
para que o senhor seja candidato a deputado federal de forma que possa puxar
votos para aumentar a bancada do PL no DF? Houve. De forma muito
elegante, de forma muito moderada, mas ele nunca escondeu que preferiria que eu
voltasse como deputado federal. Uma coisa é a minha vontade. Eu não vou ser
hipócrita. Se dependesse só de mim, eu queria voltar como candidato a
governador. Ponto. Agora, a vida é você e as suas circunstâncias. E as
circunstâncias, neste momento, me levaram a esse entendimento que é uma decisão
mais prudente.
Circula um vídeo em que o governador Ibaneis diz que o demônio da
campanha de 2018 tem CPF e é José Roberto Arruda. São resquícios da eleição
passada. Dá para ter uma boa convivência com um adversário que o atacou? Quem
dirige um carro olhando para o retrovisor corre o risco de bater no poste. Acho
que o governador, ao me procurar para buscar o entendimento, já fez um gesto no
sentido de que se arrependeu daquela palavra talvez mal colocada num momento
infeliz. Eu não vou julgá-lo por isso. O governador é um homem inteligente. Ele
tem problemas no governo dele, inclusive de rejeições, e está tendo uma
oportunidade, na possibilidade de um acordo político mais amplo, de fazer
ajustes no seu governo e até na sua postura pessoal.
Que ajustes precisam ser feitos?Ele precisa melhorar
a saúde urgentemente. Depois de dois anos de pandemia, as filas de cirurgia são
desumanas. É preciso, por exemplo, voltar os convênios de saúde com as cidades
do Entorno para começar a reduzir a pressão sobre os hospitais de Brasília. É
preciso mudanças na área social. Basta parar num sinal de trânsito em Brasília
e você vê quantas pessoas estão ali pedindo esmola porque estão famintas. Na
capital do país? Alguma coisa precisa ser feita para mudar. E o governador está
tendo essa opção, essa possibilidade. Se ele ouvir essa voz que vem das ruas e
vem desse acordo político mais amplo, certamente ele tem inteligência para
fazer ajustes e melhorar o seu governo.
Esse acordo significa indicação de cargos e ingerência no
governo? Ingerência, nunca. Nem indicações. Agora, se ele estiver
disposto, e parece estar, a aceitar as minhas contribuições, as contribuições
da Flávia, as contribuições do Paulo Octávio, as contribuições de pessoas
experientes da política de Brasília para que ele aprimore a sua gestão,
obviamente eu darei essas contribuições. Essa é mais uma vez uma questão de
escolhas. Eu poderia ficar com raiva do que ele disse em 2018 e não querer
acordo, ou poderia ficar grato porque ele retomou as minhas obras que estavam paradas
havia 10 anos. Por exemplo, eu tinha licitado o túnel de Taguatinga, e os
outros dois governadores não fizeram. Ele veio e fez. Eu queria fazer o viaduto
do Sudoeste. Ele retomou. Eu queria fazer viaduto do Recanto das Emas com
Riacho Fundo 2. Ele retomou. Eu queria fazer a Saída Norte. Ele retomou. O fato
de Ibaneis ter retomado as minhas obras, que estavam paradas havia 10 anos, me
dá um sinal muito positivo da sua capacidade de evoluir na gestão pública, e
isso é um ponto interessante para o entendimento.
Acredita que teria chance de vencer essa eleição como
governador? As pesquisas indicam que sim. Agora, se eu iria ganhar
ou não, não sei dizer. Não serei presunçoso. Seria uma eleição difícil. Ele
(Ibaneis), legitimamente, pleiteia a reeleição. Há determinados segmentos da
sociedade, e vou citar os policiais e bombeiros militares, que até hoje estão
revoltados porque fiz o acordo. E eu entendo a revolta deles. O último aceno
que eles tiveram do Estado foi com a Lei 12.086, que eu fiz há 13 anos. E ninguém
mais olhou por eles. Eles viram no meu ressurgimento na vida pública a
esperança de serem valorizados novamente.
E como o senhor está vendo esse clima de violência nas eleições?
Tivemos um assassinato de um militante petista… A primeira vítima
foi o presidente em 2018. A gente tem de fazer política discutindo
ideias. Toda violência deve ser afastada da vida democrática. Aliás, da vida de
um modo geral.
O presidente tem feito críticas às urnas. Como vê essa
posição? Disputei eleição lá atrás na cédula, e a contagem de votos
nos colégios era uma loucura. Então, acho que a urna eletrônica aprimorou o
processo. Agora, ela é perfeita? Talvez não. Por quê? Países tecnologicamente
mais avançados que o Brasil ainda não adotaram a urna eletrônica. Se eles têm
uma tecnologia tão mais avançada que a gente, por que não adotaram? Toda
crítica construtiva do processo deve ser aceita com humildade pelos órgãos de
controle, pelo Poder Judiciário. O controle sobre essa nova tecnologia deve ser
feito para tirar toda dúvida. Não vejo essas críticas como nada que possa ser
danoso. A gente tem de saber aceitar críticas. Nenhum dos Poderes pode ser
imune a críticas.
Há um limite entre a crítica e as acusações sem provas…Quem
coloca esses limites? Toda crítica deve ser recebida com respeito, e o processo
deve ser aprimorado. Não estou dizendo que vejo falhas. Eu não as vi. O sistema
de urnas eletrônicas é muito mais moderno e eficiente do que o voto na cédula.
Agora, eventualmente, um outro aprimoramento pode ter de ser feito para
preservar a segurança das urnas.
Nos seus momentos de glória e de deserto, conseguiu identificar um
padrão? Enxerguei duas características. Nas quedas, a imprudência.
E na recuperação, a resiliência. O que a resiliência é diferente da resistência?
Resistência é você correr uma maratona e chegar ao final. Resiliência é você
correr uma maratona, perder um tênis, cair, machucar, levantar e conseguir
chegar ao final. Estou fortalecendo a minha resiliência.
O seu grupo político fala muito que os conservadores precisam se
unir diante dessa esquerda que está aí. Qual avaliação dos governos de esquerda
que o sucederam? Na América Latina, especificamente, temos um
predomínio, neste momento, das tendências mais à esquerda. É o caso da
Venezuela, da Colômbia, do Chile, da Argentina, da Bolívia. E esse vento que
está varrendo a América Latina está causando uma dissonância entre as nossas
economias e a economia globalizada. O que me agrada no campo conservador? É um
Estado mais enxuto, regulador, e uma economia de mercado mais avançada.
Chama-me muita a atenção o fato de que, no meio de uma guerra e no meio de uma
pandemia, o Brasil esteja se recuperando tão rápido em termos econômicos. Por
quê? Porque temos uma economia liberal. Isso tem de ser pontuado positivamente
na gestão do presidente Bolsonaro. Ele teve coragem de privatizar a Eletrobras,
teve coragem quando foi necessário intervir no ICMS para diminuir o preço da
gasolina.
É um governo liberal, mas que intervém na economia? Temos
um paradoxo. Você vê que, neste mundo nem sempre perfeito, um governo
conservador está fazendo políticas de assistência social muito mais avançadas
do que os partidos de esquerda.
E os governos de esquerda que o sucederam? Não foram
felizes. Tenho, tanto pelo Agnelo quanto pelo Rollemberg, uma relação de
respeito. Mas eles se deixaram engessar por um corporativismo nefasto e
efetivamente não tiveram gestões bem avaliadas. Esse foi um fator que pendeu em
favor de um entendimento político em Brasília, porque Ibaneis foi lá atrás,
pegou as minhas obras lá, as recuperou. Eu tenho de ficar feliz ou não?
Ibaneis é imbatível nesta eleição? Em primeiro lugar,
ninguém é imbatível em eleição. Em segundo lugar, o governador Ibaneis,
se tiver disposição de aproveitar esse entendimento político de forma mais
ampla, fazendo mais ajustes que são importantes, necessários e urgentes no seu
governo, passa a ser um player, um candidato mais forte. Mas, neste momento,
ele, como todos os governadores que estão pleiteando a reeleição, pagam um preço
alto pelas circunstâncias que a gente vive, com pandemia, dificuldades. Não é
um período fácil. Eu diria o seguinte: o governador Ibaneis é o favorito, mas,
para ele se fortalecer, precisa fazer ajustes nas suas políticas públicas e até
nas suas posturas políticas.
Qual é a postura política que ele precisa adotar? Aí é
aquela velha lição que aprendi tanto com José Aparecido como com Roriz, que
foram dois mestres que eu tive. Governar é definir prioridades, depois de ouvir
o povo. Falta ouvir o povo.
Ibaneis é distante das pessoas? Não vou dizer isso.
Talvez premido pela vontade de fazer as coisas e de ter uma boa gestão, ele
tenha deixado menos tempo para andar pelas cidades.
O modelo do Iges-DF funciona? Tenho muitas dúvidas.
Não sou contra as organizações sociais terem participação nas políticas
públicas de saúde, mas acho que o SUS se revelou, nas dificuldades, uma
potência, um exemplo para o mundo, que tem de ser fortalecido. Mas, por
exemplo, na área de saúde, é urgente fazer o hospital do Recanto das Emas e o
de São Sebastião. É urgente retomar os convênios da saúde com as cidades do
Entorno. Se você vai à fila do hospital do Gama e ao hospital da Ceilândia, de
cada 10 pacientes, sete moram nas cidades do Entorno. É mais lógico, mais
econômico, mais racional atendê-los lá.
Foi correto privatizar a CEB? Não. Na minha avaliação,
foi um erro. E eu, com todo o respeito, tive a oportunidade de dizer isso
diretamente ao governador. Mas eu não sou contra as privatizações. Como era o
modelo de privatização que eu defendia? A CEB tinha três grandes ativos: a
distribuição de energia elétrica, a geração e os imóveis. Eu teria privatizado
os imóveis e a geração, mas teria segurado a distribuição, que é o mais
importante.
Por quê? Porque é a capital do país, e a distribuição
de energia elétrica na capital do país é tão estratégica quanto a polícia.
Respeito a decisão que ele tomou, mas a minha posição contrária foi dita a ele,
pela gentileza dele de me ouvir.
Este novo Arruda, mais ponderado, se eleito, vai pleitear a
Presidência da Câmara? Não, nem penso nisso. Não tenho condições
para isso, nem sou de um estado grande que tenha tantos parlamentares. Há
dezenas de líderes políticos Brasil afora, de todos os campos ideológicos,
muito mais preparados do que eu para, eventualmente, terem essa missão.
Falam que um dos motivos da sua desistência tem a ver com o receio
de que aquele vídeo da Pandora poderia destruir seus planos de candidatura.
Realmente tem esse receio? Olha, para você ter uma ideia: na ação
que eu respondo e que agora foi para a Justiça Eleitoral, esse vídeo nem sequer
faz parte das acusações do Ministério Público. A Justiça, nesse aspecto, já me
absolveu. Por quê? Porque o vídeo é anterior ao meu governo e porque aqueles R$
20 mil estavam declarados no Tribunal Regional Eleitoral. É absolutamente
descabido. Nesses 12 anos, em nenhum momento eu deixei de acreditar na Justiça.
Mesmo quando tive decisões contrárias, e foram muitas.
Qual a sua opinião sobre Durval Barbosa hoje? (Longo
silêncio). Eu acho que ele merece o meu silêncio.
E o seu livro? Não estava escrevendo? Você fez a
pergunta desejada (risos). Eu escrevi. E eu releio, muitas vezes. Por que nunca
publiquei? Porque achava que faltava o último capítulo. É esse que eu quero
construir agora. Porque livro de memórias é quando você acha que sua carreira
terminou. E eu não acho que cumpri a minha missão.
O senhor tem uma relação próxima com Bolsonaro? Não
posso dizer que tenho uma relação próxima. Tenho uma relação de respeito, de
amizade. O presidente Bolsonaro me chama a atenção por duas coisas: primeiro, a
capacidade dele de ir para a rua. É impressionante ver um presidente que apanha
tanto ter essa disposição de encontrar o povo e de ouvir o povo. Isso não se
pode negar a ele. É um exemplo. Segundo: a resiliência dele. Ele tem um norte e
persegue essa convicção com muita determinação. Talvez nenhum outro presidente
da República tivesse a coragem de contrariar todos os analistas econômicos do
planeta e intervir no preço da gasolina, como ele fez.
Ele acertou? Acertou. Sabe por quê? Porque não vivemos
tempos de normalidade. E em tempos atípicos, de guerra, de pandemia, era
preciso, efetivamente, intervir, como ele fez. Foi para o Congresso, ganhou a
queda de braço, diminuiu o ICMS e conseguiu baixar a gasolina de R$ 8 para R$
6.
No próximo dia 3, o Supremo vai discutir a retroatividade da nova
lei de improbidade administrativa. Mas, como o tema é complexo, pode haver um
pedido de vista. Mesmo sem uma conclusão nesse julgamento, o senhor poderá ser
candidato? Meus advogados garantem que sim. Mas confesso que essa foi
uma variável a mais na minha decisão de ser candidato a deputado. Por quê? Em
uma candidatura majoritária, viabilizada por uma decisão liminar, eu poderia
estar colocando em risco toda uma coligação. Mesmo acreditando que uma lei
votada na Câmara e no Senado e sancionada pelo presidente vai prevalecer — até
porque isso geraria uma grande insegurança jurídica —, optei por concorrer como
deputado.
O senhor fala dos pontos positivos do governo Bolsonaro, mas ele
está atrás na corrida eleitoral. Ele ainda tem condições de virar esse
jogo? Qualquer governante que tivesse governado durante a pandemia
teria tido muito desgaste. Aqui e no mundo inteiro. O que diferencia as
pessoas? A capacidade de se reinventar após um acidente. A pandemia foi um
acidente. Claro que o presidente, quando ganhou a eleição, imaginava ter quatro
anos de voo de cruzeiro, de um cenário internacional de crescimento econômico.
Não teve. Mas, já que é inevitável, era preciso ter uma capacidade de resistir
à crise e de se sobrepor a ela. Tem uma frase que eu gosto muito: a vida de um
homem não se conta pelo número de vezes que ele cai, mas pelo número de vezes
que ele se levanta.
Há 30 anos, o senhor toca o terror nas eleições em Brasília, não é
verdade? (Risos) Graças a Deus, a minha presença, de alguma
maneira, faz diferença, não é? Ou seja, politicamente, eu existo, não é? E é
isso que eu quis da minha vida. Sou engenheiro, professor universitário, fiz 20
anos de engenharia. Mas o que gosto mesmo é de política — e eu gosto mais da história
da política do que da política propriamente dita. Eu me dedico a isso, é o que
eu leio, é o que eu vivo. Se a minha presença no cenário político de Brasília
tem feito alguma diferença nesses anos todos, fico feliz e agradeço muito a
Deus por isso. É sinal de que não sou uma variável nula. Agora que a
experiência é maior, que a prudência é maior, espero cada vez mais que essa
seja uma variável positiva.
Qual é a diferença agora? Aos 40 anos, eu era muito
ambicioso e, portanto, egoísta. Chegando aos 70, consigo ser mais moderado,
mais prudente e, portanto, menos ambicioso e menos egoísta. Consigo
compartilhar melhor as decisões. São as diferenças fundamentais.
A sua derrocada do governo levou junto muita gente. Muita
gente sofreu. E perdeu. E eu diria — não quero transparecer uma coisa que não
estou dizendo —, Brasília sofreu. Brasília parou 10 anos. Brasília sofreu uma
interrupção no seu processo de desenvolvimento. Por isso, dou valor ao
governador Ibaneis de ter retomado vários desses projetos. E por isso, também,
nesse acordo que fizemos agora, fizemos questão de colocar no papel interesses
públicos relevantes. Talvez não todos, mas são 10 pontos que falam: “Olha, nós
vamos fazer um entendimento, mas o seu governo não é exatamente o que a gente
queria. Falta um monte de coisa, e essas coisas que faltam nós gostaríamos que
o senhor concordasse”.
O que Arruda tem a dizer ao eleitor em 2022? Em 2022,
não é o Arruda de novo. É o novo Arruda. Aquele morreu. Agora, eu
“desmorri”.
E o que aquele Arruda do painel do Senado e da Pandora ensinou ao
Arruda que vem agora? Que essas lições têm de ser incorporadas ao
meu todo humano. Sou mais prudente hoje, sou um pouco mais tranquilo. “Ando
devagar porque já tive pressa, levo esse sorriso porque eu já chorei demais…”
(risos)