Convencidos de que nenhuma reforma
política consistente que vá ao encontro das necessidades e desejos dos
eleitores, os votantes brasileiros não escondem sua predileção por candidatos,
ao mesmo tempo, independentes e libertos do controle das atuais lideranças
políticas. Não há predileção por legendas. Sem concorrência, por enquanto, os
partidos seguem insensíveis às mudanças ambicionadas pela sociedade, alegando
que candidatos que não obtiverem apoio das bancadas na Câmara e no Senado,
dificilmente conseguirão governar ou apresentar propostas.
Para alguns cientistas políticos, as
candidaturas avulsas obrigariam os partidos a se abrirem mais, tornando-se mais
transparentes e democráticos para enfrentar o aumento significativo da
concorrência que viria, até de forma avassaladora. Um caso que exemplifica bem
a ossificação de certas legendas é dado pelo Partido dos Trabalhadores. Envolto
em sua maior crise, depois de inúmeros escândalos envolvendo nomes estelares da
agremiação, ainda assim insiste na candidatura única de Lula, um político
processado, condenado pela Justiça, cujos processos foram anulados pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), e rechaçado por parte da população, embora o partido se
vanglorie de ter o maior número de filiados de todo o país.
Em todo o mundo, apenas 20 países
exigem que candidatos as eleições sejam filiados a algum partido. Internamente,
importantes lideranças políticas tem se debatido pelo fim do monopólio dos
partidos. Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a permissão para candidaturas
independentes, vedada pela atual Constituição, permitiria que algumas legendas
respirassem. “No Brasil, liberalismo é uma má palavra. Nós, aqui, queremos tudo
regulado pelo Estado. A formação de tantos partidos se explica apenas pelo
acesso fácil ao Fundo Partidário. A verdadeira regra de um partido é ter apoio
do povo”, avaliou.
Marina Silva (Rede) também apoiou a
ideia de candidatos avulsos. “Defendemos as candidaturas independentes, para
que as pessoas possam dispor do processo político, criar uma concorrência
idônea com os partidos e a gente ter novos quadros na política. Quadros que
virão com base em um programa, quadros que virão com uma plataforma registrada
na Justiça Eleitoral, com base em uma história de vida na sociedade voltada para
saúde, educação, inovação, enfim, para os temas de interesse do cidadão”,
considera.
Quem também deixou registrada a opinião
sobre o assunto foi o ministro aposentado do STF Joaquim Barbosa. Ele
ressaltou, anos atrás, ser “filosoficamente a favor das candidaturas avulsas”,
que considera mais democráticas. “Por que não permitir que o povo escolha
diretamente em quem votar? Por que uma intermediação por partidos políticos
desgastados, totalmente sem credibilidade? Existem algumas democracias que
permitem o voto avulso, com sucesso”, afirmou Barbosa.
Em 2015 o senador Reguffe apresentou
proposta de emenda à Constituição (PEC) permitindo candidaturas avulsas. A PEC
do senador estabelece, entre outras medidas, que “a filiação a partido político
é direito de todo o cidadão brasileiro, vedada a exigência de filiação
partidária como condição de elegibilidade ou requisito de qualquer espécie para
o pleno exercício dos direitos políticos”. Na sua opinião, “é sempre difícil
que quem foi eleito por um sistema queira mudá-lo”.
Para o ex-senador Cristovam Buarque, a
candidatura avulsa acabaria não só com o domínio dos partidos sobre a vida
política do país, mas, sobretudo, iria “homenagear o princípio da soberania
popular, que prevê o exercício do poder político diretamente pelo povo ou por
intermediários de seus representantes”.
Diante da certeza de que a maioria dos
parlamentares não está disposta a alterar a regra atual que os beneficia, o
protagonismo político dessa reforma espetacular viria, mais uma vez, do STF,
que teve a matéria em mãos pronta para ser deliberada em plenário, mas
rejeitou. O relator do processo foi o ministro Barroso, que tem sido um duro
crítico do atual sistema político nacional, concluiu, inclusive, seu parecer
sobre a questão. Se serve como indicação de seu voto, é preciso lembrar que, em
certa ocasião, o ministro Barroso teria declarado que a “Constituição não
instituiu uma democracia de partidos”. Pesa sobre essa questão o fato de o
Brasil ser signatário do Pacto de São José, firmado na Convenção Americana de
Direitos Humanos de 1969, e ratificada pelo Brasil em 1992. Por esse documento,
ficou estabelecido que “todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e
oportunidades: (...) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas,
realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que
garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e de ter acesso, em
condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país”.
Foi Raquel Dodge, procuradora-geral
antes das eleições de 2018, que movimentou pela última vez o assunto no sentido
de estabelecer ou não a candidatura independente. Em parecer favorável às
candidaturas avulsas, a procuradora-geral enviou a matéria para a apreciação do
Supremo, que tinha a bola da vez. A nota técnica do TSE dizia o seguinte:
“Qualquer alteração demandaria o desenvolvimento de um novo software para as
máquinas, o que também comprometeria a segurança do processo de votação e da
totalização dos votos, sem falar no retrabalho e no imenso aumento de custos”.
“Ressalte-se que mais de 80% dos softwares que serão utilizados nas eleições
estão prontos e sendo testados, visando apenas corrigir eventuais falhas”,
alertava a nota técnica do TSE.
É certo que a aprovação das
candidaturas avulsas não acabaria com os partidos, mas, sem dúvidas, forçariam
que a maioria deles fosse reformada, visando o interesse do eleitor, e não
apenas dos oligarcas dessas legendas precocemente envelhecidas.