Em 14 de julho de 1989, o povo francês comemorou os 200 anos do
movimento popular que culminou com a Revolução Francesa, marco civilizatório do
mundo ocidental. Para uma data tão especial, François Miterrand, então
presidente daquele país, planejou e executou uma festa digna da efeméride.
A avenida Champs-Élysées, ornada por flâmulas tricolores em azul, branco
e vermelho, tendo ao fundo o Arco do Triunfo, acolheu dezenas de milhares de
cidadãos para assistirem ao desfile comemorativo ao som da Marselhesa.
Relembravam o momento no qual o povo, oprimido pela fome, impostos
escorchantes, sinecuras da nobreza, desdém da realeza e imposições religiosas
tomou a prisão da Bastilha, dando início ao ocaso da monarquia.
O chefe de Estado convidou orgulhosamente diversas autoridades nacionais
e internacionais para juntos se curvarem aos ideais emergidos do movimento:
igualdade, liberdade e fraternidade. Perfeita oportunidade para mostrar a
grandeza daquela nação, em um ato de projeção de poder. E ela não foi
desperdiçada.
O Brasil aceitou participar da cerimônia militar e desfilar com uma
robusta delegação de Cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras e suas
congêneres, a Escola Naval e a Academia da Força Aérea. Oficiais e cadetes
brasileiros voltaram maravilhados! Paris é de fato cativante.
A Cidade Luz os acolheu como se previsse que no futuro aqueles jovens
(hoje, alguns com estrelas de general), injetados da energia emanada pela festa
genuinamente patriótica, fossem instados a usar a emocionante cerimônia
cívico-militar como um exemplo de organização, na ocasião em que comemoramos o
Bicentenário da nossa Independência. Lá não se viu amadorismo ou personalismo
menores. Apenas profissionalismo e grande senso de unidade nacional. Nessas
ocasiões, é preciso mesmo festejar, e muito. Desde as margens do riacho
Ipiranga, quando Dom Pedro nos libertou do jugo português, a nação brasileira
amadureceu até se conformar como um país independente de fato, cioso de sua
soberania e de seus interesses, e liderança regional aceita pelos vizinhos e
irmãos latinos.
Enfrentou resistências à independência, venceu movimentos separatistas,
foi à guerra para desagravar patrícios e interesses ofendidos, fez-se
República, conviveu com movimentos político-militares ao longo do século 20,
não sucumbiu aos ideologismos dos extremos e, agora na adolescência do século
21, se encontra prestes a ultrapassar o arco temporal para mais 100 anos de
liberdade e reconhecimento.
Não há razão, portanto, para que a nação, essa força centrípeta de
emoções, constituída por seu povo, crenças, valores, cultura e língua, seja
empurrada ao abismo da divisão fratricida, patrocinada por políticos que não
alcançam o significado ético e moral da união sem ressalvas, neste momento
conflituoso para o povo brasileiro.
Mentes rasas, desprovidas de sinapses que unam neurônios da razão e da
emoção, desejam que assumamos o comportamento semelhante à turba que invadiu a
prisão em Paris e, posteriormente, desfilou enodoada por sangue, com a cabeça
do diretor daquela masmorra espetada em lança, pelas ruas da metrópole.
Não podemos ceder a esses impulsos "robespierrianos" que
trazem como inspiração tão somente o intuito de destruir para conquistar e
manter o poder a qualquer custo. Antes que os ânimos serenassem, muitas
poderosas, nobres, arrogantes, belas e inteligentes cabeças rolaram para o
fétido saco de aniagem, após a pesada lâmina da guilhotina desconectá-las do
corpo. Inclusive a de Robespierre, o diligente carrasco dos próprios
companheiros.
A história nos mostra que o Grande Medo, origem do movimento de 1789,
foi promovido pelo acúmulo de declarações falsas que geraram instabilidade
social, culminando com as mortes e destruições (hoje chamaríamos de fake news).
Portanto, neste momento, é na contenção da divulgação de notícias desprovidas
de veracidade, conduzidas por mensageiros da desordem, e dos medos que possam
disseminar, que devemos começar a nossa preparação para a festa do 7 de
Setembro de 2022. Já perdemos muito tempo. A festa é de todos, de todas as
raças, de todas as bandeiras, de todos os credos, de todos os pensamentos
políticos, de qualquer viés.
Cidadania é ação. Espelhemo-nos em nossos antepassados construtores e mantenedores da independência, desde o longínquo 7 de setembro de 1822. A nação enfrenta insensatos e poderosos antagonismos internos e externos. Precisa estar pronta para se mostrar grande. Paz e bem.