Com um elegante terno risca de
giz, destaque da moda masculina nos anos 1950, o então governador de Minas e
ex-prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976),
olha para o futuro com serenidade, tendo como moldura e retaguarda a Serra do
Curral, símbolo da capital mineira. Na mesma década, seria eleito presidente do
Brasil e responsável pela construção de Brasília, cujo embrião foi a Pampulha,
conforme atestou o arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1907-2012), que
trabalhou em ambos os projetos de reconhecimento internacional.
Retratos em preto e branco mostram
momentos na vida do mineiro de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, que, se
estivesse vivo, completaria 120 anos hoje. “Juscelino é o homem que criou
Brasília, trouxe a indústria automobilística para o país e foi o responsável
pela implantação das usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias. Seu plano de
metas, para melhorar a infraestrutura brasileira, era ‘50 anos em cinco’, mas,
infelizmente, não é lembrado como deveria”, diz o diretor-presidente do museu e
memorial Casa de Juscelino, em Diamantina, Serafim Jardim, de 87 anos,
enaltecendo a imagem do grande amigo e lamentando a injustiça do tempo. “JK foi
o menino Nonô, humilde, que só colocou sapato aos 12 anos de idade.”
Com as melhores recordações de JK,
Serafim destaca cinco pontos que o conterrâneo considerava importantes. “Em
primeiro lugar, a leitura. Depois, os três anos que estudou no seminário de
Diamantina e o concurso que prestou, passando em 19º lugar, para trabalhar como
telegrafista, o que lhe permitia estudar.” Na sequência, vieram o ingresso na
Escola de Medicina (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais/UFMG), onde se formou em 1927, e a ida para Paris, França, a fim de se
especializar em urologia.
“Para viajar, Juscelino vendeu o
carro que possuía e juntou mais dinheiro, que ganhou trabalhando. Foi para a
Europa no início de 1930 e voltou no fim daquele ano, tendo a oportunidade de
conhecer vários países, incluindo a República Tcheca, de onde vieram os
antepassados. Teve a oportunidade de comemorar seus 28 anos em Praga. Depois,
visitou o Oriente Médio”, conta Serafim.
Em 1931, Juscelino casou-se com
Sarah Kubitschek (1908-1996), e o casal teve a filha Márcia (1943-2000) e, mais
tarde, adotaram Maria Estela. “Estamos aí eu e Maria Estela para manter cada
vez mais viva a imagem de JK”, avisa o diretor da Casa de Juscelino, que tem
programação especial para lembrar os 120 anos de nascimento do ex-presidente do
Brasil (1956-1961), ex-governador de Minas (1951-1955) e ex-prefeito de Belo
Horizonte (1940-1945).
Para falar sobre JK, são
necessários “um dia e uma noite”, diz Serafim Jardim, que resume um pouco da
história na frase do seu primo, o jornalista Celius Aulicus Gomes Jardim, que trabalhou
no jornal Estado de Minas: “Juscelino, o diamantinense, que venceu sem deixar
vencidos. Lutou sem deixar adversários. Combateu sem deixar inimigos. Sofreu
sem arquitetar vinganças. E morreu sem legar ódios”.
Medicina e política: Com
especialização em urologia, Juscelino abriu um amplo consultório no Edifício
Ibaté, na Rua São Paulo, no Centro de Belo Horizonte, considerado o primeiro
arranha-céu da cidade. Mas, nomeado médico da Polícia Militar, seguiu para
Passa Quatro, no Sul de Minas, para atuar na Revolução de 1932, quando conheceu
Benedito Valadares (1892-1973), que seria governador de Minas de 1933 a 1945 e
de quem foi chefe de gabinete.
Assim, houve o aceno da política
ao jovem médico. Em 1934, o diamantinense foi eleito deputado federal, depois
nomeado prefeito da capital mineira e novamente deputado. Após passar pelos
palácios da Liberdade, em Minas, e da Alvorada, em Brasília, elegeu-se senador
por Goiás (de 1961 a 1964).
Com o golpe militar de 1964, JK
conheceu o exílio na Europa e nos Estados Unidos. “Em 4 de outubro de 1965,
retornou ao país com dona Sarah e passou 36 dias no Brasil. Voltou dois anos
depois dizendo que só sairia daqui morto. Ficou, mas foi preso em 13 de
dezembro de 1968, data do Ato Institucional número 5, o AI-5”, recorda-se
Serafim Jardim, com tristeza.
“Um mês antes de morrer em
acidente automobilístico na Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ), em 22 de
agosto de 1976, Juscelino me disse que viria a Contagem (Região Metropolitana
de Belo Horizonte) para uma homenagem à memória do seu pai, João César de
Oliveira, que dá nome à principal avenida do município. Infelizmente, não deu
tempo.”
Consultório: Aos 93 anos e
demonstrando grande paixão pela vida, o médico urologista Odilon Lobato segue
todo final de semana de Belo Horizonte, onde mora, para a cidade natal, Pompéu,
na Região Centro-Oeste de Minas. Com memória de fazer inveja a muita gente,
Odilon conta que conheceu Juscelino ao estudar medicina. “Quando entrei na
faculdade, ele tinha saído há mais tempo”, explica. “Era extremamente humano,
exercia a medicina com muita competência, com o objetivo de servir. Urologista
e clínico geral, operava bem e, na Santa Casa, onde trabalhava, dava
preferência ao atendimento aos mais pobres.”
Depois que Juscelino deixou o consultório no Edifício Ibaté, esse ficou com seu cunhado, Júlio Soares. Odilon Lobato foi trabalhar lá e depois adquiriu o mobiliário. Décadas mais tarde, as peças foram doadas e podem ser vistas no Centro de Memória da Medicina (Cememor) da Faculdade de Medicina da UFMG (na Região Hospitalar, em BH) e como parte do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Pompéu, na região centro-oeste, a 164 quilômetros de BH. Odilon, que foi deputado estadual, tem se lembrado ainda mais do médico e político nas páginas do livro Juscelino Kubitschek, O médico, escrito por Fernando Araújo, já falecido.
Memória: “Fico feliz com o
grande número de visitantes que recebemos, em torno de mil pessoas por mês.
Muitos são jovens e se interessam pela vida e obra de JK”, diz Serafim. “JK
nasceu na Rua Direita, 106, e morou na casa que hoje leva seu nome dos 3 anos
aos 19. Preservar a casa é mais do que uma missão, pois, 13 dias antes de
morrer, JK me pediu que comprasse o imóvel, então em poder de uma família, e
zelasse por ele”, diz o diretor-presidente. O visitante pode ver o pequeno
quarto onde JK dormia na infância.
No anexo, nos fundos, construído em 1994, está o primeiro consultório de
JK. Num canto, um aparelho de anestesia, de 1930, doado por um particular de
São Paulo; no outro, o equipamento para eletrocardiograma, do mesmo ano; e,
pendurado, um jaleco branco. Na sala ao lado, estudantes e pesquisadores têm
espaço para estudar em obras doadas pela ex-primeira-dama.