A primeira vez que vi e escutei
Gal Costa cantar foi num longínquo dia de 1968, quando, em pleno furor
tropicalista, ela, Caetano e Gilberto Gil cantavam em um programa de televisão,
dentro de uma jaula, atirando bananas pelo vão das grades e cantando: “É preciso
estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte”.
Eu morava em São Paulo, senti-me
provocado e tocado, os versos cantados por Gal ficaram ressoando na cabeça.
“Tudo é perigoso/tudo é divino maravilhoso”. Era uma trilha sonora que me
acompanharia e que se renovaria ao longo de uma vida. Estava no carro indo para
a redação quando recebi uma mensagem no celular: “Oi, Gal Costa morreu”.
A mãe de uma colega mandou um
áudio para o celular da filha em que dizia: “Você ouve Gal desde os tempos em
que estava na barriga. Quando coloquei para tocar Gal cantando Índia, você se
mexeu pela primeira vez na barriga”. Muitos de nós choramos, ontem, as tais
lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues.
Gal cantou todos os gêneros, da
guarânia tradicional Índia até a canção de amor para gravar no disco voador no
espaço sideral, passando pelo samba, o frevo, a bossa nova, o forro ou o rock.
Com certeza, Gal melhorava todas as canções que passavam por sua voz delicada.
Desvelava ou inventava uma alma para cada canção que interpretava.
Uma das minhas interpretações favoritas
é Mãe, de Caetano Veloso: “Sou triste, sou quase um bicho triste/Mas brilhas no
que sou/E o teu caminho é o caminho/Nem vais nem vou”.
Gal não tinha apenas admiradores
nostálgicos, não ficou estacionada no tempo, ela teve a capacidade de se renovar
sempre, interagindo com os gêneros musicais, as inovações, os músicos e os
públicos das novas gerações. Os compositores jovens sempre tiveram o incentivo
em forma de canto.
Subiu ao palco, recentemente, em
Brasília para se apresentar no Festival Comma na condição de vocalista de uma
banda de rock. Havia uma legião urbana de jovens que nem eram nascidos quando
lançou os maiores sucessos da carreira para vê-la cantar.
Tímida audaz, não fazia pose nem
discursos arrebatadores, mas era delicadamente brava e ousada. Fazia tudo
animada pela intuição. É a cantora que sintetizou todas as grandes que a
antecederam e inspirou as melhores que a sucederam: Marisa Monte, Baby
Consuelo. Tinha a sofisticação da bossa nova e a simplicidade da vertente
popular.
O seu reino não era, propriamente,
a palavra, mas, sim, a palavra cantada. Tudo que passava por seu corpo virava
música. Cada vez mais eu fico ciente de que foi um privilégio precioso ter como
trilha sonora a música de Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
A canção de Caetano na voz de Gal
acrescenta mais uma camada de mistério e de dramaticidade à morte dela: “É
preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte”.