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Memórias do festival

Memórias do festival...

Nesta longa estrada da vida jornalística, presenciei momentos dramáticos, epifânicos e arrebatadores no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Mas ao assistir a uma live de memórias do evento, mediada por Sérgio Moriconi, em 2020, em plena pandemia, as minhas reminiscências foram enriquecidas com detalhes, matizes e nuances.


"Só faltou uma cervejinha", comentou a cineasta Laís Bodansky, diretora de Bicho de sete cabeças, ao fim da deliciosa live. As duas horas passaram voando porque as histórias eram saborosas e comoventes. Pincei algumas.


O festival marcou o nascimento de atores, de diretores e de filmes. Todos entram no Cine Brasília com a adrenalina lá no alto. Murilo Salles trouxe a Brasília a fita Como nascem os anjos, em 1996, uma fábula cinematográfica, com uma dramaturgia audaciosa. Só ganhou o candango de Prêmio Especial do Júri com a dupla de atores-mirins, Priscila Assum e Sílvio Guindane, mas, em compensação, arrebatou o público, que aplaudiu de pé e concedeu o candango de Melhor filme do júri popular. Todos nós choramos as tais lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues.


Os pernambucanos invadiram Brasília em 1996 durante a exibição de O baile perfumado, de Paulo Caldas e Lirio Ferreira. Dormiram 14 em cada quarto do hotel. No primeiro plano, com música de Chico Science, o diretor de prodoução Claudio Assis berrou: "Este plano é duca! É duca!". A plateia do Cine Brasília inteira veio abaixo. O baile perfumado faturou quase todos os prêmios, menos o da trilha sonora magnífica, de Chico Science e Fred Zero Quatro.


Quem ganhou o de trilha foi Sérgio Ricardo, pela música de Avenida Brasil. De volta ao hotel, Lirio tomou uma van e sentou-se bem em frente a Sérgio Ricardo, que disse:"Cara, quem merecia ganhar era o Chico Science, pega esse Candango e leva para ele. Lirio recusou com reverência e chorando ao autor da memorável trilha sonora de Deus e o Diabo na terra do Sol:"Pelo amor de Deus, não faça isso, nós estamos muito felizes".


Todos eram estreantes do cinema em Bicho de sete cabeças, de Laís Bodansky. Quando a equipe subiu ao palco, Rodrigo Santoro, identificado como ator global, atraiu vaias estrepitosas do publico brasilinese. Os apupos vazaram para os cinco primeiros minutos de exibição. Depois, imperou um silêncio tenso. Mas, quando o filme terminou, houve uma comoção da plateia, que transformou as vaias em aplausos frenéticos.


As pessoas pulavam sobre Rodrigo Santoro para pedir desculpas: "Eu te vaiei, mas queria te dizer que eu estava errado, você é um grande ator". Para Laís, não existe nenhuma plateia como a do Cine Brasília:"A gente espera que ela vaie, e ela não costuma nos decepcionar. É uma plateia crítica, política e vibrante".


Embora não tenha sido convidado para a live, tenho as minhas histórias sobre o festival. José Damata, o comandante do Cinema Voador, é uma mistura de Cancão de Fogo com Zé do Telhado, heróis picarescos da literatura de cordel. Ele tinha a mania de "matar",verbalmente e pacificamente, grandes personagens da cultura:"Caiu um avião e Chico Buarque morreu". Até que o boato fosse desfeito, rolava muita confusão.


Em uma edição do festival, Damata exterminou Fernando Lemos, secretário de Cultura do DF, amigo de Glauber Rocha, de Caetano Veloso, de Júlio Bressane e de tantos outros cineastas. Lemos era bem-humorado, telefonou para Damata e quis saber da repercussão de sua morte nos bares da cidade: "Metade ficou triste, metade adorou", informou Damata, com o maior descaro.


Mas voltemos à live. Ao fim, todos os participantes celebraram a resistência do evento, que volta a ser presencial, depois da pandemia. Viva o Festival de Brasília! E viva a vaia!


Severino Francisco – Foto/Ilustração: Blog-Google – Correio Braziliense




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