Eleito por aclamação no
último dia 11 para a presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB), Frederico Mendes Júnior deseja que a entidade esteja nos
próximos anos profundamente engajada no debate em torno da reestruturação da
magistratura no país.
Magistrado há 24
anos, Mendes Júnior atualmente exerce o cargo de juiz de Direito da 1ª
Vara da Fazenda Pública de Maringá (PR). Segundo ele, a carreira sofre com
defasagem de salários e más condições de trabalho e, por isso, já não é
mais tão atrativa a ponto de cativar e manter bons quadros, como no
passado.
"Temos uma
evasão muito grande de magistrados. Muita gente vai embora. Uma coisa que
você não tinha 15 anos atrás. Nós recebíamos muita gente que vinha da
advocacia pública, que vinha do Ministério Público, que vinha de outras
carreiras jurídicas. Hoje, a cada dia vai se tornando mais raro isso, e você vê
o movimento no sentido inverso, de pessoas deixando a magistratura para
realizar outras funções públicas ou mesmo indo para a iniciativa privada",
disse ele em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Na conversa, o magistrado afirmou que não é contra a criação de uma quarentena para juízes ingressarem na política, mas deixou bem claro que o debate só terá legitimidade se abarcar outras carreiras.
O novo presidente da
AMB também não é contrário à implantação do juiz das garantias, instituto
criado em 2019 para que um processo tenha dois juízes responsáveis, o que
instrui a tramitação e o que dá a sentença, mas que está suspenso há três anos
por causa de uma liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal
Federal. No entanto, Mendes Júnior confessa temer que haja problemas para
implantar a ideia, por causa de limitações orçamentárias e de pessoal.
Leia os principais
trechos da entrevista:
ConJur — Quais
são, na sua opinião, os principais problemas enfrentados pela magistratura
brasileira atualmente? Frederico Mendes Júnior — A magistratura
brasileira é muito grande e reúne diferenças institucionais e de estrutura de
trabalho. Há magistrados que têm uma assessoria razoável e outros que têm uma
assessoria completamente insuficiente. Temos edifícios em boas condições de
trabalho e outros em situação extremamente crítica, sem segurança alguma para o
magistrado.
Além de todas essas
diferenças regionais, em razão da condição financeira, econômica, de cada um
dos estados brasileiros, temos, por exemplo, uma divisão muito grande
entre aposentados. Há pelo menos quatro ou cinco categorias diferentes de
aposentados, e isso evidentemente provoca dificuldades, parte da magistratura
se sente desmotivada.
O debate que
precisamos ter na sociedade brasileira é sobre qual magistratura o Brasil quer.
Acredito que a melhor é aquela magistratura que consiga reunir as melhores
cabeças, os melhores quadros, com a melhor formação jurídica e humanística.
Mas, para isso, a magistratura tem de ter atrativos, que são boas condições de
trabalho, boas condições de aposentadoria e remuneração compatível com o cargo
ocupado, com a importância do cargo e com a importância das decisões que são
tomadas no dia a dia.
Esse é um debate que
vai ter de ocorrer no país, porque cada vez que se fala em criação de uma nova
estrutura para a magistratura, em reestruturação da carreira da magistratura,
sempre há oposição, as pessoas reclamam dizendo que isso é um indevido privilégio,
que estaríamos criando mais um benefício para pessoas que já têm uma boa
estrutura de trabalho, mas isso não corresponde à realidade. Em termos de
evolução salarial, nos últimos 15 anos a magistratura ficou entre as
últimas carreiras públicas.
ConJur — O
senhor acredita, então, que o atual cenário da magistratura não é atraente para
as melhores cabeças do Direito brasileiro? Frederico Mendes Júnior —
A verdade é que temos uma evasão muito grande de magistrados. Muita
gente vai embora, coisa que não acontecia há 15 anos. Nós recebíamos
muita gente que vinha da advocacia pública, que vinha do Ministério Público, de
outras carreiras jurídicas. Hoje, isso se torna a cada dia mais raro, e
vemos o movimento no sentido inverso, de pessoas deixando a magistratura
para realizar outras funções públicas, ou mesmo indo para a iniciativa privada.
Há magistrados com 20 anos na magistratura que pedem demissão para trabalhar na
iniciativa privada.
ConJur — Como o
senhor deseja que a sua gestão no comando da AMB seja lembrada? Quais serão as
suas prioridades? Frederico Mendes Júnior — Uma associação de classe
só faz algum sentido se ela é capaz de ouvir, de sentir o que o seu associado
quer, e transformar tudo o que ouviu, tudo o que sentiu, em ações concretas.
Hoje a magistratura tem uma grande preocupação com as suas questões
corporativas, mas isso não quer dizer que podemos abandonar os programas de
caráter social desenvolvidos pela associação. Nós seguimos com todos os
projetos já em desenvolvimento pela AMB, que são importantes, mas nós queremos
mostrar também ao magistrado brasileiro que há essa preocupação com a carreira
da magistratura, com a falta de estrutura material e de segurança para muitos
magistrados.
ConJur—A
'lava jato' arranhou a imagem da magistratura brasileira? Frederico
Mendes Júnior — Sobre a "lava jato", é a História que vai
dizer até onde ela foi boa, até onde foi ruim, é a História que vai avaliar se
houve erros, se houve excessos, ou se a maior parte foi de acertos. Talvez
ainda seja cedo para tirar conclusões e formar uma opinião definitiva sobre
algo que é tão recente na vida da sociedade brasileira.
O que as associações
de magistrados sempre defenderam, e vão seguir defendendo, é que a internet,
por exemplo, não é o lugar para discutir e debater decisão judicial, e que
recurso administrativo não é o lugar apropriado para discutir decisão judicial.
Então, o que se pode esperar da associação é que nós nunca realizaremos nenhuma
crítica a uma decisão judicial, seja ela do juiz mais moderno, que acabou de
entrar na magistratura, ou do ministro mais antigo de um tribunal superior.
Porque nós defendemos, e temos plena convicção disso, que há dois caminhos para
a decisão judicial: ou se dá cumprimento a ela ou se maneja o recurso previsto
em lei, que no Brasil, inclusive, são muitos. A melhor resposta vem da Lei
Orgânica Nacional da Magistratura, que é de 1979, e ela veda ao magistrado
comentar ou discutir qualquer decisão proferida por outro magistrado.
ConJur — O que o senhor acha da ideia da imposição de uma quarentena para membros de carreiras jurídicas concorrerem a cargos públicos? Frederico Mendes Júnior — Eu sou a favor de uma quarentena se ela existir para outras profissões também. Por exemplo, policiais. Faça um mapeamento hoje das Assembleias Legislativas e da Câmara dos Deputados e você vai encontrar muitos policiais militares e civis, além dos militares. O que nós não aceitamos é que a magistratura seja tratada de forma diferente, que tenha uma quarentena só para a magistratura, e para todas essas pessoas não. Até porque a nossa realidade diz exatamente o contrário, nós não temos essa facilidade para sermos eleitos, e não existe nenhum magistrado no Parlamento. É possível encontrar muitas pessoas vindas de outras categorias de trabalhadores públicos, mas não magistrados. Nós tínhamos um juiz aposentado, que era o professor Luiz Flávio Gomes, que infelizmente faleceu, e nós tínhamos uma juíza aposentada do Mato Grosso (Selma Arruda, cassada por abuso de poder econômico e caixa dois na campanha de 2018).
ConJur — E qual é a sua opinião sobre ex-magistrados que, ao entrar na política, usam o prestígio do cargo durante a campanha? Frederico Mendes Júnior — De novo, tem de ser uma proibição para todos. A pessoa não pode ser mais o "Coronel Fulano Deputado", não pode ser o "Sargento Sicrano Parlamentar Alguma Coisa', porque nós temos pessoas que ocuparam cargos públicos na condição de governador, na condição de parlamentar, e que se elegeram com esse nome, e aí um juiz aposentado não pode usar "Juiz Fulano de Tal". Isso tem de ser colocado para todos.
Nós somos contrários
a que haja mais uma limitação somente para a magistratura brasileira. E um caso
como esse, de aproveitar de alguma forma o prestígio que obteve durante o cargo
público para ter um ganho político ou eleitoral, não fica só restrito ao
magistrado. Então, se vai fazer isso para o magistrado, tem de fazer também
para todos os outros.
ConJur — Como o
senhor avalia a suspensão de alguns perfis de magistrados em redes sociais
durante a última eleição por compartilharem sua opinião política? Frederico
Mendes Júnior — Em termos de defesa das prerrogativas da magistratura, a
primeira obrigação da associação é ser solidária. Se um magistrado é acusado,
em decorrência da sua atividade jurisdicional, em razão do seu trabalho, se ele
é acusado na imprensa, o primeiro gesto da Associação dos Magistrados do Brasil
tem de ser um gesto de solidariedade, de acolhimento a esse magistrado e de
ajuda no que for possível para o esclarecimento da verdade. Agora, isso não se
confunde com a vida privada do magistrado.
A magistratura, como
qualquer outra categoria de trabalhadores, tem uma parte muito pequena, uma
parte minúscula, que pode, sim, algum dia praticar alguma conduta que seja
inadequada para o cargo. Então é possível pensar, em um plano hipotético, em um
magistrado que bebeu e foi dirigir um carro e acabou sendo pego em uma blitz da
Lei Seca, ou é possível pensar em um magistrado que teve um desencontro, uma
desavença familiar, e isso acabou desbordando para o lado da violência. Como é
possível pensar em um magistrado que faz a opção de fazer manifestações que às
vezes se caracterizam como político-partidárias, ou manifestações consideradas
violadoras do Código de Ética da Magistratura. Todas essas escolhas, essas
opções da vida privada do magistrado, são um problema dele como cidadão
comum.
ConJur — Na sua
opinião, por que existe um descompasso tão grande entre os entendimentos de
magistrados de diferentes instâncias sobre a mesma matéria? Frederico Mendes
Júnior — Eu acredito que a diferença não está só em magistrados de
diferentes instâncias, não. A diferença está mesmo em magistrados da mesma
instância. Uma coisa que a gente nunca pode esquecer é que o dever do
magistrado é o de imparcialidade, então não existe magistrado neutro,
imparcialidade não se confunde com neutralidade epistemológica. Toda pessoa que
passou em um concurso, ou que foi nomeada como magistrado, veio de uma família,
morou em um determinado bairro, estudou em uma determinada escola, teve
influência de seus tios, primos, vizinhança, foi ao teatro... Todo mundo tem a
sua formação cultural e traz essa bagagem consigo quando vai julgar. Um dos
grandes desafios que nós temos é fazer a magistratura como um todo
dialogar melhor e construir consensos em torno de muitos temas que envolvem o
Direito brasileiro.
ConJur — Qual
a sua opinião sobre o instituto do juiz de garantias? Ele já deveria ter sido
implementado? Frederico Mendes Júnior — Nessa discussão é preciso
separar o plano teórico do plano prático. No plano teórico, você diz: "É
uma coisa possível". Então, é um mecanismo que se está criando para
aumentar a imparcialidade do julgador. Há essa discussão em nível acadêmico e
ela é absolutamente natural, é completamente válida. Agora, existe a vida
prática, existe a comarca a que só se chega de avião e barco, em que o juiz
sequer tem assessoria.
Assim, parece-me que
a instalação imediata do juiz de garantias vai esbarrar em questões de ordem
prática, em questões de ordem orçamentária. Será que os estados têm recursos
suficientes para criar toda a estrutura necessária? Será que toda essa
estrutura é relevante mesmo para o Estado brasileiro? Porque foi criado esse
juiz de garantias, mas não foi feito um estudo sobre o impacto econômico disso
no Judiciário.
ConJur — Como a
AMB deve atuar nos casos em que o magistrado tem sua integridade física
ameaçada por cumprir sua função? Frederico Mendes Júnior — Na AMB
existe uma diretoria que é chamada Diretoria de Segurança de Magistrados. Ela
faz o acompanhamento de todos esses casos. Se for necessário, vai até o local
onde o magistrado está sofrendo uma ameaça e atua na interlocução com governo
estadual, Ministério da Justiça e com a própria administração do Poder
Judiciário.
Além disso, há uma
discussão permanente dentro da AMB sobre formas de melhorar a segurança dos
magistrados. Temos no Brasil um número altíssimo de magistrados ameaçados, e em
alguns estados há uma assistência melhor a eles, para resguardar sua
integridade física e da sua família, mas em outros nem tanto. E isso exige,
sim, muita atenção porque ali se está discutindo a vida do magistrado, do
servidor público que representa o Estado e em determinada localidade está sendo
vítima de violência por conta da sua função, da sua profissão.
ConJur—Alguns magistrados têm atuado nas redes sociais como coachs, orientado concurseiros e vendendo cursos e mentorias. Qual a sua opinião sobre esse fenômeno? Frederico Mendes Júnior — A Constituição assegura ao magistrado uma função de magistério, não é isso? Na verdade, é a única autorização prevista para o magistrado. Não está claro qual disciplina pode ser ministrada, se tem de ser em uma instituição de ensino público ou se pode ser em uma instituição de ensino privado. Isso não está expressamente disposto. Hoje há uma parcela pequena da magistratura que está no magistério porque a nossa atividade acaba tomando muito tempo, está todo mundo tomado por essa imensidão de processos, por essa imensa litigiosidade que existe no Brasil, então sobra menos tempo para essa atividade no magistério.
A resolução do CNJ
que estabeleceu o que é o coaching, na minha opinião, precisa de
revisão porque o conceito ficou muito aberto. Tão aberto que muitas
atividades normais de magistério acabam sendo classificadas como coaching.
Nas escolas da magistratura, por exemplo, existem disciplinas como Técnica
Estrutural de Sentença Cível e de Técnica Estrutural de Sentença Criminal.
Essa atividade já chegou a ser discutida como coaching, e é
simplesmente uma atividade de magistério como qualquer outra. Acho que é o
momento de rever essa resolução do CNJ para uma melhor definição.