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O alerta que vem do cerrado

O alerta que vem do cerrado. Enquanto a exuberância da amazônia, da mata atlântica e do pantanal fazem as atenções nacionais e internacionais se voltarem para esses ecossistemas — que sem dúvida merecem toda a preocupação —, o cerrado segue sendo silenciosamente devorado pelo fogo


O ano que chega ao fim foi um período catastrófico para o segundo maior bioma brasileiro, sério candidato a ser reconhecido como o mais negligenciado deles. Enquanto a exuberância da amazônia, da mata atlântica e do pantanal fazem as atenções nacionais e internacionais se voltarem para esses ecossistemas — que sem dúvida merecem toda a preocupação —, o cerrado, com suas árvores retorcidas e aspecto enganosamente ressequido na maior parte do ano, segue sendo silenciosamente devorado pelo fogo, pela expansão sem controle da fronteira agropecuária, pelo descaso oficial e pelo aparente desconhecimento do tesouro natural, e econômico, que representa.


Como a coroar essa soma de perigosos equívocos, 2022 se tornou um marco. Neste ano, o desmatamento no cerrado aumentou assustadores 25%, sendo considerado o maior dos últimos sete anos. Péssimo para um bioma que já perdeu cerca da metade de sua formação original, e que no último período de 12 meses analisado viu desaparecerem mais 10.689 quilômetros quadrados de sua vegetação, segundo programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Para efeito de comparação, é como se mais de 30 áreas equivalentes à ocupada pela cidade de Belo Horizonte fossem devastadas no período. Ou como se desaparecessem do mapa quase dois territórios verdes equivalentes aos de Brasília, com seus 5,7 mil quilômetros quadrados.


De acordo com o WWF-Brasil, este é o terceiro ano consecutivo de aumento da destruição no ecossistema, situação inédita na série histórica de vigilância do Inpe, iniciada no ano 2000. Na atual gestão federal, o desmatamento do bioma acumulou perda de uma área de 33.444 quilômetros quadrados.


Engana-se quem olha para o cerrado brasileiro e enxerga na sua vegetação mais esparsa e solo aparentemente pobre apenas um território para dar lugar a extensas plantações de eucalipto ou outras monoculturas, lenha para carvão ou área para formar pasto para criação extensiva de gado. Trata-se simplesmente da savana de maior biodiversidade do planeta, representando cerca de 5% do patrimônio biológico mundial.


Tão importante quanto, ou ainda mais, se é que isso é possível: em contraste com a aridez aparente, seu subsolo esconde um verdadeiro tesouro hídrico, o que valeu ao bioma a qualificação de pai das águas do Brasil dada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Suas nascentes, segundo a mesma fonte, alimentam oito das 12 regiões hidrográficas do país, com destaque para três: alimentam 78% das águas da bacia dos rios Araguaia/Tocantins, 70% da Bacia do São Francisco e 48% da Bacia do Rio Paraná.


Do ponto de vista humano, na área do ecossistema, que ocupa aproximadamente um quarto do território nacional, vivem 25 milhões de pessoas, cerca de 100 povos indígenas e inúmeras comunidades tradicionais, de acordo com o WWF-Brasil. São 2 milhões de quilômetros quadrados com áreas de influência que chegam a se estender por unidades da federação praticamente inteiras, como Tocantins, Goiás e Distrito federal, e por grande parte de outras, caso de Minas Gerais.


Dados como esses, por si só, já seriam suficientes para despertar autoridades e sociedade para a importância de frear a destruição e preservar o que resta do cerrado brasileiro, que apesar da devastação ainda conserva cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados de vegetação nativa, quase duas vezes a área da França. Mas alguns dos próprios setores econômicos que contribuem para que esse patrimônio encolha estão entre os mais dependentes dos serviços que ele entrega.


Nesse sentido, vale ouvir o alerta que fazem especialistas, como Edegar de Oliveira Rosa, diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil: "Preservar o bioma é fundamental para manter os regimes hídricos que irrigam tanto a produção de commodities, como a agricultura familiar, e enchem reservatórios de hidrelétricas pelo país. Desmatar o cerrado é agir contra o agro, contra o combate à fome e à inflação". Junto do cerrado, definham a água e a vida. E, sem elas, a economia vai pelo ralo.


Foto: Divulgação/Instituto Brasília Ambiental - Correio Braziliense


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