Ao estabelecer os poderes da República, o segundo artigo da Constituição
começa pelo Legislativo. Depois vem o Executivo e, por fim, o Judiciário.
Escritos assim, com inicial maiúscula, numa ordem que não é a alfabética, mas
de importância.
Portanto, já mostrando que quem faz e desfaz leis e tem o poder de mudar
a própria Constituição, é o parlamento dos representantes do povo. Depois vem o
Poder Executivo, cujo chefe é também eleito, com mais votos que qualquer
parlamentar. Por fim, o Judiciário, composto por juízes que não têm voto, mas
votam em julgamentos em que interpretam as leis e as aplicam. No dia de Natal,
a editora do Wall St.Journal, Mary O'Grady, alertou para uma inversão dessa
ordem constitucional de poder no Brasil. A Suprema Corte estaria emasculando o
Legislativo e beneficiou Lula com seu ativismo político, segundo o
artigo-editorial. O título, na página de opinião, resume: "A Volta de Lula
e a Ameaça Judicial à Democracia no Brasil".
Está confirmando essa visão do Journal, a proposta de mudar a Lei do
Impeachment, entregue há dez dias pelo Ministro do Supremo Ricardo Lewandowski
ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Pelo anteprojeto, ministros do
Supremo não podem ser condenados por interpretação da Constituição; pedaladas fiscais
não são motivo de impeachment, mas o presidente criticar o Supremo ou o TSE
pode ser crime de responsabilidade. O que vê o segundo jornal americano em
tiragem não tem sido notado por boa parte do noticiário brasileiro em relação
às ações inconstitucionais, contra direitos fundamentais, contra cláusulas
pétreas. E contra mandatos parlamentares do poder que está em primeiro lugar na
Constituição e são "invioláveis por quaisquer palavras". Triste
comparar a atualidade com dezembro de 1968, quando um discurso em plenário da
Câmara, pelo deputado Márcio Moreira Alves, provocou o AI-5.
A partir de 1º de janeiro haverá outro chefe do Poder Executivo; um mês
depois, haverá outra legislatura na Câmara e no Senado. A eleição do primeiro
turno resultou em 73% de centro-direita na Câmara e 67% no Senado. A propósito
disso, a editorialista do Journal, registrou que o ministro Gilmar Mendes se
antecipou a dificuldades futuras do novo governo, garantindo um fura-teto para
programas sociais. E no dia seguinte, o Supremo alterou hábitos internos do
Legislativo, interferindo nas emendas de relator.
Quando o deputado Daniel Silveira foi preso houve silêncio geral,
consentindo que o mandato não é inviolável, como manda a Constituição. O devido
processo legal deixou de existir quando passou a haver um interminável
inquérito sem o promotor da ação, que é o Ministério Público e, pior, em que a
suposta vítima é que investiga, julga e pune.
Há pouco Moraes decretou mais prisões por crime de opinião, de um jornalista e um humorista — que deveriam estar na primeira instância, se fossem denunciados pelo Ministério Público por, digamos, crime de injúria ou calúnia. Espalha-se o medo de ser preso pelo arbítrio ao abrir a boca e criticar ministro do Supremo, a despeito da liberdade fundamental de expressão do pensamento, do inciso IV da Constituição. Se criticar o presidente, ou jogar futebol com um clone de cabeça presidencial, não haverá problema, pois o comandante supremo das Forças Armadas se mantém dentro das quatro linhas. Quem for punido por criticar ministro do Supremo, não tem a quem recorrer, como teria dito Ruy Barbosa.