“Defendo claramente que o governador possa retomar logo o seu mandato
conquistado nas urnas e Brasília volte à completa normalidade. Até porque eu já
sofri, e de forma mais dura, esse tipo de afastamento, e sei não apenas a dor
de ter um mandato interrompido como o prejuízo que Brasília teve com isso”
O senhor era líder do governo Fernando Henrique Cardoso quando intensificaram-se as discussões sobre a lei que criou o Fundo Constitucional. Como foram as discussões? Difíceis. Desde 1960, a União repassava os recursos para a Novacap, depois para a prefeitura de Brasília e finalmente para o governo do DF. Inicialmente 100% das despesas e, num ritmo decrescente, até chegar a cobrir apenas as áreas de segurança, educação e saúde. A cada mês era uma agonia, pois os repasses eram voluntários.
Houve muita resistência? Teve sim. Everardo Maciel e Valdivino (Oliveira), secretários da Fazenda de Roriz, trabalharam muito junto ao governo federal e no Congresso, onde eu era líder, para o tema avançar até ser criado o Fundo. Inicialmente com um projeto meu, que não prosperou por vício de iniciativa, e depois por uma proposta da União. Mas as resistências eram grandes.
Antes da criação do Fundo Constitucional por lei, os governadores dependiam da boa vontade do presidente da República para liberar recursos para o DF. O senhor acompanhou embates dessa natureza? Acompanhei sim. Lembro de muitas reuniões que participei com o ministro Marcílio Marques Moreira e o Departamento do Tesouro para que não houvesse atraso nos repasses, o que poderia gerar atraso no pagamento de salários. Era uma época muito difícil.
Acredita que o Fundo Constitucional está em risco real de ser cortado ou reduzido? Sempre há essa discussão no Congresso. Flávia, agora na última legislatura, teve que enfrentar essa questão, primeiro como deputada e depois como ministra, e se esforçou muito para mostrar que as capitais de todos os países do mundo recebem verbas federais para cuidar dos poderes nacionais, para cumprir as missões de cidade-capital. Mas os lamentáveis episódios de 8 de janeiro podem ensejar nova discussão não apenas do fundo mas até dos limites da nossa autonomia.
Como avalia a crise em 8 de janeiro. Quem falhou? Os inquéritos e a Justiça chegarão a essa conclusão. Importante para que isso nunca mais se repita. Mas defendo claramente que o governador possa retomar logo o seu mandato conquistado nas urnas e Brasília volte à completa normalidade. Até porque eu já sofri, e de forma mais dura, esse tipo de afastamento, e sei não apenas a dor de ter um mandato interrompido como o prejuízo que Brasília teve com isso. Hoje poderíamos ter o VLT correndo na W3, o metrô do Gama e Santa Maria pronto, a Interbairros concluída, e tudo isso foi interrompido.
Um episódio tão grave como esse acaba criando argumentos para os críticos dos repasses de recursos federais para o DF? Claro que terá influência. Mas confio que a bancada de Brasília saberá nos defender. O atual governador retomou obras que estavam paradas desde que deixei o governo, como o túnel de Taguatinga e o viaduto do sudoeste. Tem muito ainda a ser feito para Brasília recuperar o atraso da sua infraestrutura urbana face ao crescimento da população. Precisamos voltar à normalidade. E estou certo que o presidente Lula tem sensibilidade para nos ajudar. Fui governador quando ele era presidente e ele nos ajudou em tudo que precisávamos.
O senhor ainda volta para a política? Saí há 12 anos e até agora os oito anos de inelegibilidade sequer começaram a ser contados. Creio que esse tipo de pena perpétua seja um dia revista na lei. Mas não sei se isso me alcançará ainda com saúde e lucidez. Agora em 2022 fui retirado dois dias antes da eleição. Mais um golpe duro que sofri. Enfim, está nas mãos de Deus. Mas sempre estarei disposto a dar alguma contribuição a Brasília, como resultado de todas as experiências que vivi.