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A chuva, a seca, a dor e a poesia

A chuva, a seca, a dor e a poesia

 

Já estou começando a viver a mistura indelével de sentimentos. A temporada de seca ainda nem chegou pra valer e me sinto em meio à dicotomia: por que não chove mais? Mas é tão bom ter dias ensolarados para passear quando bem se entender…

 

As doenças respiratórias típicas do período sem chuvas começam a avançar. Não à toa, abril inaugura a campanha de vacinação contra a gripe que, no Distrito Federal, foi inclusive antecipada para a faixa etária de bebês e crianças, dado o número preocupante de pequenos internados com a síndrome respiratória aguda grave (SRAG).

 

Esse nome extenso, de sigla difícil, acabou se tornando familiar entre nós durante a pandemia de covid-19, mas era velho conhecido de pediatras e de alguns pais, mães e cuidadores que enfrentaram a barra de uma internação logo nos primeiros anos de vida dos filhos. Espero nunca precisar passar por essa dor. Um simples joelho ralado dói bem mais em coração de mãe, parafraseando Era uma vez, canção que há alguns anos se tornou hino de histórias de superação.

 

Mas vim falar sobre coisas bem mais banais do que as doenças sazonais. Um piquenique, por exemplo. Nada mais simples do que escolher uma data para um lanche ao ar livre no período de seca. As chances de acertar um dia em que nem um pingo d’água cairá do céu são altíssimas. E ainda mais ser brindado com a beleza dos ipês brancos, rosas, amarelos e roxos — desatenta que sou, ainda não aprendi a ordem das floradas. O corpo, porém, pede socorro lá pelos 60 dias sem chuvas. Quando será que virá a bendita? — pensamos todos, próximos ao delírio coletivo.

 

Mas vou parar de me adiantar, e viver o presente. Hoje, choveu depois de uma semana de calor intenso. O céu agora me presenteia com uma moldura delicada de nuvens acinzentadas e certo brilho laranja por detrás delas. Imagino que outros devam estar aproveitando o mesmo cenário para o tal piquenique, um filme no Cine Drive-in ou tenham arranjado um motivo qualquer para festejar embalados pela música favorita.

 

Brasília tem espaço para tantos “era uma vez…”. Cravada no coração do país, foi forjada de tanto suor de sotaques distintos que aos poucos acabou vivendo a vocação planejada por quem a gestou, no samba dos barracões, no noite boêmia encurtada pelos horários de cidade do interior, nos subúrbios marcados pelas desigualdades, mas que teimam e inundar a capital de cultura e pujança.

 

E olha eu aqui, antecipando as celebrações do aniversário de Brasília entre palavras soltas e divagações. Cada coisa a seu tempo. Sol, chuva, seca, dia, noite, palavras, homenagens. Daqui a alguns dias, volto com os aplausos.


Mariana Niederauer – Correio Braziliense




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