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Brasília, 63 anos. Festeje com moderação

Brasília, 63 anos. Festeje com moderação

O Bar Maracangalha ficava na Avenida Central da Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante. Lado direito de quem sobe a avenida rumo a Taguatinga. Servia cerveja em garrafa, quase sempre Antártica. Pastel de carne e de queijo, feijoada, coxinha, carne assada, era tudo de bom. Durante a semana recebia operários que trabalhavam na construção civil, servidores da Novacap e muitos americanos amarelados que, à época, paravam por aqui como integrantes de uma missão do governo, que eu nunca soube qual era. Mas era.


Música frenética na voz de cantores do Rio e São Paulo. Campões de disco de vinil. Menores de idade não entravam no bar. A não ser aos domingos, quando iam com os pais comer filé com fritas e beber guaraná Jesus. Um baita bar nos idos de 1958-60. Quando vejo filmes antigos, me lembro dele. Como era verde o meu vale, épico de John Ford, parece que foi rodado ali por perto.


Perto dali ficava o acampamento da Novacap, com barracas de lona e galpões de madeiras vindas do Paraná. Dentro trabalhavam engenheiros, arquitetos e técnicos de toda ordem. As paredes estampavam plantas, projetos e desenhos de Oscar Niemayer e Lucio Costa, pais biológicos da capital. Do lado de fora ficavam os caminhões caçambas, aguardando ordens dos mestres para abastecer alguma obra e algum lugar. Eram das marcas Ford, Chevrolet, FNM, Internacional, Reo e Studbaker e outras já falecidas. Os Jeeps e Rural Willys eram ocupados pelas chefias.


A Candangolândia abrigava as famílias que chegavam à cidade, contratadas pela empresa que construiu Brasília. Perto ficava o Grupo Escolar número 1, no Guará. Recebia alunos em dois turnos, pioneiros. Uma das professoras era Dona Amabile. Carinhosa, competente e amiga dos alunos. Lanche robusto, pão com manteiga, chocolate quente, algum tipo de suco e um cheiro de família.


A vida seguia e, de todos os cantos do país, chegavam pessoas pra ajudar a construir a cidade. A Viação Araguarina, de Goiânia, tinha uma frota de ônibus Chevrolet e, durante a semana, pelo menos um deles chegava todos os dias à capital. Os mestres das obras de Niemayer e Lucio Costa foram os pioneiros Israel Pinheiro e Bernardo Sayão.


Incrível como parte da mídia e do mundo político insistem em homenagear pseudopioneiros que aqui chegaram com a cidade pronta. Pioneiros são aqueles que assistiram o desmatamento para criar o Lago Paranoá. São aqueles operários que vieram com as construtoras Rabelo, Coenge, Camargo Correa, Civilsan, Pederneiars e Planalto, e aqui ergueram prédios públicos. São aqueles que construíram as primeiras unidades da Fundação da Casa Popular e os prédios dos antigos IAPI, Ipase, IapetecI, Banco do Brasil e outras entidades.


Desde a primeira missa na cidade, onde hoje está o Memorial JK, cada dia deve ser lembrado por aqueles que contribuíram para a consolidação desse projeto. A mudança da capital federal do Rio para Brasília ocorreu numa data também histórica para outros povos. Em fevereiro de 1960, um protesto de entidades negras foi realizado nos Estados Unidos com repercussão internacional.


Ainda em 60, todas as representações norte-americanas sediadas em Cuba foram fechadas pelo presidente Fidel Castro e começa o embargo. Em dezembro, a FDA, Food and Drugs Admnistration aprova a fabricação da pílula anticoncepcional para as mulheres.


No campo das artes, o diretor italiano Federico Felline lança o filme La dolce vita (A doce vida), estrelado por Anita Ekberg, Anouk Aime e Marcello Mastroianni. No mesmo ano, o filme de Bill Wilder,O apartamento, ganha o Oscar de melhor filme. Fatos que chamaram a atenção do mundo. E nesse rol de acontecimentos, Brasília também ganhou holofote global.


Saudosismo à parte, justas as homenagens. É fato que o organismo desta cidade de 63 anos carece de cuidados e atenção de seus dirigentes. Muitas artérias estão congestionadas, há um risco claro de colapso na saúde e educação, e o item segurança pública oscila negativamente.


Como esquecer o fatídico 8 de janeiro deste ano? Trágico. Nunca a classe política do DF esteve tão carente de talentos e de integrantes que despertem na comunidade algum sentimento ou apreço. Ao contrário, esse segmento desperta apenas incertezas e a sensação de medo ou ódio. A Brasília sexagenária deve sim comemorar com fogos, mas se preocupar, principalmente, com os artifícios.


José Natal (Jornalista) – Foto: Breno Fortes/CB – Correio Braziliense




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