O
Bar Maracangalha ficava na Avenida Central da Cidade Livre, hoje Núcleo
Bandeirante. Lado direito de quem sobe a avenida rumo a Taguatinga. Servia
cerveja em garrafa, quase sempre Antártica. Pastel de carne e de queijo,
feijoada, coxinha, carne assada, era tudo de bom. Durante a semana recebia
operários que trabalhavam na construção civil, servidores da Novacap e muitos
americanos amarelados que, à época, paravam por aqui como integrantes de uma missão
do governo, que eu nunca soube qual era. Mas era.
Música
frenética na voz de cantores do Rio e São Paulo. Campões de disco de vinil.
Menores de idade não entravam no bar. A não ser aos domingos, quando iam com os
pais comer filé com fritas e beber guaraná Jesus. Um baita bar nos idos de
1958-60. Quando vejo filmes antigos, me lembro dele. Como era verde o meu vale,
épico de John Ford, parece que foi rodado ali por perto.
Perto
dali ficava o acampamento da Novacap, com barracas de lona e galpões de madeiras
vindas do Paraná. Dentro trabalhavam engenheiros, arquitetos e técnicos de toda
ordem. As paredes estampavam plantas, projetos e desenhos de Oscar Niemayer e
Lucio Costa, pais biológicos da capital. Do lado de fora ficavam os caminhões
caçambas, aguardando ordens dos mestres para abastecer alguma obra e algum
lugar. Eram das marcas Ford, Chevrolet, FNM, Internacional, Reo e Studbaker e
outras já falecidas. Os Jeeps e Rural Willys eram ocupados pelas chefias.
A
Candangolândia abrigava as famílias que chegavam à cidade, contratadas pela
empresa que construiu Brasília. Perto ficava o Grupo Escolar número 1, no
Guará. Recebia alunos em dois turnos, pioneiros. Uma das professoras era Dona
Amabile. Carinhosa, competente e amiga dos alunos. Lanche robusto, pão com
manteiga, chocolate quente, algum tipo de suco e um cheiro de família.
A
vida seguia e, de todos os cantos do país, chegavam pessoas pra ajudar a
construir a cidade. A Viação Araguarina, de Goiânia, tinha uma frota de ônibus
Chevrolet e, durante a semana, pelo menos um deles chegava todos os dias à
capital. Os mestres das obras de Niemayer e Lucio Costa foram os pioneiros
Israel Pinheiro e Bernardo Sayão.
Incrível
como parte da mídia e do mundo político insistem em homenagear pseudopioneiros
que aqui chegaram com a cidade pronta. Pioneiros são aqueles que assistiram o
desmatamento para criar o Lago Paranoá. São aqueles operários que vieram com as
construtoras Rabelo, Coenge, Camargo Correa, Civilsan, Pederneiars e Planalto,
e aqui ergueram prédios públicos. São aqueles que construíram as primeiras
unidades da Fundação da Casa Popular e os prédios dos antigos IAPI, Ipase,
IapetecI, Banco do Brasil e outras entidades.
Desde
a primeira missa na cidade, onde hoje está o Memorial JK, cada dia deve ser
lembrado por aqueles que contribuíram para a consolidação desse projeto. A
mudança da capital federal do Rio para Brasília ocorreu numa data também
histórica para outros povos. Em fevereiro de 1960, um protesto de entidades
negras foi realizado nos Estados Unidos com repercussão internacional.
Ainda
em 60, todas as representações norte-americanas sediadas em Cuba foram fechadas
pelo presidente Fidel Castro e começa o embargo. Em dezembro, a FDA, Food and
Drugs Admnistration aprova a fabricação da pílula anticoncepcional para as
mulheres.
No
campo das artes, o diretor italiano Federico Felline lança o filme La dolce
vita (A doce vida), estrelado por Anita Ekberg, Anouk Aime e Marcello
Mastroianni. No mesmo ano, o filme de Bill Wilder,O apartamento, ganha o Oscar
de melhor filme. Fatos que chamaram a atenção do mundo. E nesse rol de
acontecimentos, Brasília também ganhou holofote global.
Saudosismo
à parte, justas as homenagens. É fato que o organismo desta cidade de 63 anos
carece de cuidados e atenção de seus dirigentes. Muitas artérias estão
congestionadas, há um risco claro de colapso na saúde e educação, e o item
segurança pública oscila negativamente.
Como
esquecer o fatídico 8 de janeiro deste ano? Trágico. Nunca a classe política do
DF esteve tão carente de talentos e de integrantes que despertem na comunidade
algum sentimento ou apreço. Ao contrário, esse segmento desperta apenas
incertezas e a sensação de medo ou ódio. A Brasília sexagenária deve sim
comemorar com fogos, mas se preocupar, principalmente, com os artifícios.