Nos primeiros tempos, haviam o
piado da seriema e o uivo do vento entre as tábuas das primeiras construções
precárias. Era a música que se ouvia no ermo. Mas Brasília estava destinada a
ser saudada com muita melodia naqueles primeiros e épicos anos.
Cinco anos antes da inauguração
veio a primeira homenagem, a guarânia Brasília, registrada pelo
goiano Trio da Amizade. Daí em diante, músicas saudaram ou criticaram a mudança
da capital e Brasília nascia embalada por todos os gêneros.
Ainda em 1956, Linda Batista
gravou Nova Capital (“Leva tudo pra lá, seu presidente/Mas
deixe aqui nosso carnaval”) e no final do ano seria lançado o ufanista Canto
da Nova Capital, de Dilermando Reis e Bastos Tigre (“Serás/ No Planalto
Central/ Refulgente fanal/ De riqueza e de paz”).
Essas são as primeiras das 37
canções que o livreiro Jorge Brito reuniu – com a ajuda de outras pessoas – e
que sonhou reunir num musical, em mais um projeto que a pandemia engoliu. Mas
sonhos não morrem nem envelhecem.
Essas canções foram extraídas de
gravações feitas entre 1955 e 1960, incluindo algumas não lançadas e o
indefectível Peixe Vivo, com o Grupo de Seresta de Diamantina,
disco que teve parte de sua tiragem destruída a mando de um poderoso da época
(1968), porque contou com a participação de JK na gravação.
Havia uma clara disputa entre
opositores e apoiadores da nova capital. Se o paraense Billy Blanco reclamava
em Não Vou Pra Brasília (“Nem eu nem minha família/ Mesmo que
seja/ Pra ficar cheio da grana”), Cid Magalhães, pseudônimo do futuro
desembargador Milton Sebastião Barbosa, exultava em Brasília, Cidade
Céu (“Tu és o verdadeiro coração do meu país/ Brasília, capital
Feliz”).
O chorinho Dançando em
Brasília foi a primeira homenagem do cavaquinhista Waldir Azevedo à
nova capital, ainda em 1959; premonitória, já que ele se mudaria para a cidade
em 1971 (foi aqui, cortando grama, que ele perdeu um dedo da mão esquerda,
implantado por cirurgia, num caso que rendeu um de seus mais belos
choros, Minhas Mãos, Meu Cavaquinho).
Dilermando Reis, um dos maiores
violonistas que o Brasil já ouviu, fez um disco inteiro em homenagem a nova
capital, Melodias da Alvorada (1960). Conta a lenda que
Dilermando bem que tentou ensinar algumas notas musicais para o presidente
Kubistchek, mas os instrumentos dele eram os pés, que deslizavam pelos salões.
Nesses primeiros anos a
arquitetura de Niemeyer já deixava o mundo de boca aberta, mas o céu imenso
começava a virar poesia. O primeiro registro foi em Sob o Céu de
Brasília, em que José Fortuna, usando a melodia de Dilermando Reis,
vaticinou: “Tuas noites são lindas e no céu de anil/ Formado de estrelas o
cruzeiro brilha/ É o divino Criador abençoando/As noites deliciosas de
Brasília”. A música foi gravada por Francisco Petrônio.
A gênese musical de Brasília vai
de Adeus Mangueira, com o Trio de Ouro (Juscelino me chamou/ Eu vou
morrer de saudade, mas vou”) a Me Leva seu Presidente, com Jorge
Veiga (“Vou me embora e não levo/ Saudade da Guanabara”) e segue adiante. Vale
até mais do que um musical.