A
crise institucional por que passa o Brasil exige compreensão para que se possam
preservar os princípios, direitos e garantias fundamentais insertos na
Constituição da República. A instabilidade política carece de força para
justificar contorcionismos legais, com afronta à Constituição, em nome da
preservação do Estado Democrático de Direito, que não se harmoniza com medidas
arbitrárias ou casuísticas, sob a égide de um Estado violento para impor à
cidadania restrições aos direitos que deveriam ser custodiados.
Cada
personagem tem papel relevante a cumprir no desempenho de suas funções
constitucionais, de tal sorte que os poderes da República não se deixem seduzir
por narrativas ou teses jurídicas não consentâneas com a Constituição Federal e
com os costumes nacionais, também fonte de direito.
Os
poderes constituídos têm obrigação de fazer valer a vontade do constituinte,
como elemento fundante da nação. Nos tempos correntes, verificou-se a hegemonia
do Supremo Tribunal Federal na condução de soluções de Estado, com flagrante
hipertrofia de sua competência e funções constitucionais, sob o protagonismo do
ministro Alexandre de Moraes, cujas decisões são confortadas e harmonizadas
pela maioria daquela corte, sem força capaz de neutralizar o aparente ímpeto
repressor.
Assim,
os institutos constitucionais sofrem adaptações sem diálogo com a tradição
jurídico-cultural brasileira, que, mesmo em períodos sombrios e turbulentos da
nossa história, edificou fundamentos que conservam intimidade com o Estado
Democrático de Direito, relação cuja higidez deve ser preservada.
O
agigantamento do Supremo Tribunal Federal, com o sufocamento dos direitos da
cidadania e de outros poderes da República, tem a inegável vocação para criar
precedentes perigosos e inconstitucionais, certamente a serem invocados no
futuro, premissa que deixará a Justiça presa aos casuísmos e arbítrios fincados
em casos concretos, o que representará um retrocesso à civilidade.
Para
ter uma ideia da magnitude da decisão do STF em relação à barbaridade dos atos
de 8 de janeiro, apenas os ministros André Mendonça e Nunes Marques, numa
análise exauriente do contexto narrado pela acusação, rejeitaram as denúncias
ditas ilegais, porque não descreviam minimamente as condutas individualizadas
de cada um dos denunciados, em afronta à lei.
A
grosseria técnica de algumas das denúncias se projeta na constatação de que se
trata de peças genéricas e uniformes, sem esmero à falta de adaptação ao caso
concreto, as quais se expõem à inépcia à luz da própria narrativa, segundo a
qual se confirma, expressamente, não se ter "notícia, até o presente
momento, de que o denunciado estivesse entre eles", ou seja, entre os
participantes dos atos de depredação que estariam efetivamente envolvidos no
vandalismo.
Significa
dizer que, nessa fogueira inquisitorial, o Estado se estimulou a lançar no rol
de denunciados pessoas que, a toda evidência, sofrerão as consequências da
crepitação, por força de labaredas que queimam o corpo e danificam,
definitivamente, a alma, notadamente em razão de prisões preventivas alongadas,
à guisa da formação de culpa.
A
rigor, verifica-se que há aparente tentativa de responsabilização objetiva, o
que é vedado no campo do direito penal, segundo a doutrina e a jurisprudência
do STF. Para obstar a impunidade dos vândalos tresloucados, a observância aos
princípios e preceitos próprios do direito penal e do direito processual penal
constitui imperativo, sob pena de nulidade do processo. Faça-se justiça!
Impeçam-se as injustiças.
Não
é a quantidade dos castigos e dos castigados que salvará a democracia, mas o
correto enquadramento nos tipos penais, sob a plena franquia do devido processo
legal e da ampla defesa, em cujas premissas se acha o direito de ser julgado
por juiz competente, sem artificialismo do juízo natural em cujo poder se
concentre a competência para processar e julgar o acusado. As crises
institucionais e seus protagonistas passam, os precedentes ficam.